Num depoimento que durou oito horas, o ex-ministro da Casa Civil deputado José Dirceu (PT-SP) negou todas as acusações feitas contra ele pelo presidente licenciado do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ). Logo no início de sua fala ao Conselho de Ética da Câmara, às 15h33, Dirceu descartou qualquer possibilidade de renunciar ao mandato. “Vou lutar em defesa da minha honra e do meu mandato”, afirmou.
Dirceu depôs como testemunha no processo de quebra de decoro parlamentar contra Jefferson, que o acusa de ser o mentor do suposto esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada, o mensalão. Em sua fala, o ex-ministro da Casa Civil minimizou seu poder de atuação no governo Lula e transferiu para a antiga Executiva Nacional do PT a responsabilidade por irregularidades, como a formação de um caixa-dois eleitoral.
"Sei da gravidade dos erros que setores da direção do PT cometeram na campanha de 2004, mas quero repetir que só respondo pelo que decidi, participei e autorizei", afirmou. "Sou responsável e assumo meus atos como ministro-chefe da Casa Civil e como deputado, não assumo os atos da comissão executiva nacional do PT, dos membros da direção do PT", completou.
Dirceu também negou ter participado de acordos eleitorais com partidos aliados. “Eu era ministro da Casa Civil. Não sei por que outros partidos não dizem que participei de acordos firmados com ele – só o PTB do deputado Roberto Jefferson.”
O deputado foi evasivo ao falar da relação entre sua ex-mulher, a psicóloga Ângela Saragoça, e o empresário Marcos Valério. Em 2003, a psicóloga teria procurado o ex-marido, pois queria se mudar para um imóvel maior. Dirceu teria dito a ela que não poderia ajudá-la. Ângela teria procurado o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, responsável por apresentá-la a Marcos Valério. Depois do encontro, ela conseguiu um emprego no Banco BMG e um empréstimo imobiliário no Banco Rural.
O ex-ministro da Casa Civil se negou por duas vezes a responder a esse questionamento. Dirceu disse que a nota distribuída pela ex-mulher a respeito do episódio contém as explicações necessárias. Ele nada teria a acrescentar.
Veja os principais trechos do depoimento de Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara:
Renúncia, não!
"Prefiro ficar sem direitos políticos, se for caso e se vierem a provar falta de decoro parlamentar, a renunciar para ter uma falsa sobrevida política."
Quebra de decoro
“Estava licenciado e, portanto, não tinha como quebrar o decoro parlamentar. Sempre vou reivindicar que o regimento, a Constituição e as leis sejam cumpridas. Eu me considero absolutamente inocente e espero que o plenário da Câmara me faça justiça, se for o caso”
Marcos Valério
"Conheço o empresário Marcos Valério. Eu o conheci em alguma atividade social. Não tenho nenhuma relação pessoal com ele, de amizade, a não ser eventuais idas dele à Casa Civil."
"Nego a existência de conversas com Marcos Valério como foi relatado pela senhora Fernanda Karina Somaggio."
"Os encontros que tivemos foram sociais e públicos, e os outros assuntos foram tratados na Casa Civil."
Chefe do mensalão, não!
"Não tenho nenhuma denúncia de corrupção contra mim. Nunca tive. Não decidi, não participei, não orientei nenhuma decisão do PT com relação às finanças do partido. Não sou chefe do mensalão, nunca fui. Tem uma CPI do Mensalão para investigar. Deixemos que ela investigue. Por que sou chefe do maior esquema de corrupção do país?”
“Não organizei, não sou chefe, jamais permitiria a compra de votos de deputados. Se existe mensalão, a CPI encarregada do assunto irá investigar. Eu irei depor lá.”
A tragédia do PT
“Avoco o testemunho de centenas de entidades empresariais se alguma vez fiz alguma proposta ilícita ou indecorosa que pudesse me envergonhar. Por isso tenho consciência da gravidade da situação e da tragédia que se abateu sobre o PT.”
Responsabilidade é do PT
"Sei da gravidade dos erros que setores da direção do PT cometeram na campanha de 2004, mas quero repetir que só respondo pelo que decidi, participei e autorizei."
"Sou responsável e assumo meus atos como ministro-chefe da Casa Civil e como deputado, não assumo os atos da comissão executiva nacional do PT, dos membros da direção do PT."
"Não autorizei nem dei garantias a ninguém, nem deleguei para falarem em meu nome em nenhum órgão público."
“Não sou responsável por esses empréstimos do BMG e do Banco Rural.”
“Não tinha conhecimento desses vultosos empréstimos do PT.”
Acerto com a Portugal Telecom
“Isso é muito grave. O deputado joga uma acusação no ar e eu fico acusado? Olhe a responsabilidade! Isso pode afetar os investimentos no país! E ainda dizer que levei ao presidente? Não é verdade, o senhor está mentindo!”
Que país é este?
“O deputado Roberto Jefferson, sim, tem uma série de denúncias contra ele. E terá de responder sobre elas. Como pode acontecer de eu virar bandido de uma hora para outra? É uma coisa estarrecedora! Eu fico me perguntando que país é esse."
Jefferson e corrupção
"O deputado Roberto Jefferson teve a oportunidade de denunciar no plenário a existência do mensalão. Não o fez. Foi convidado por um ministro para fazê-lo. Não o fez. Que não transfira para mim a responsabilidade que é dele. Quem responde a processo por corrupção em empresa estatal é ele, não eu."
Prejulgamento
"Por que estou sendo acusado e tratado dessa forma no país? Pelo que eu fiz de errado, por crimes que pratiquei, por atos ilícitos, pela quebra do decoro parlamentar? Claro que não. (Mas sim) pelo que eu represento, e eu tenho consciência disso. Pelo que eu represento para a história do país, pelo que eu represento para a esquerda, pelo que represento para o meu partido, o PT, e pelo que representei na eleição do presidente Lula."
Inversão de papéis
“Não sou investigado, ao contrário de Roberto Jefferson, que é réu confesso.”
O arrependimento de Dirceu
"A pedido do deputado José Múcio Monteiro, líder do PTB, e do ministro Mares Guia, do Turismo, confirmo que fui ao apartamento do deputado Roberto Jefferson para tentar convencê-lo a retirar sua assinatura do requerimento que criou a CPI dos Correios. Eu me arrependo disso porque já não era minha atribuição.”
Sem mágoa com Lula
“Não é verdade que eu estou magoado ou ressentido com o presidente Lula e que viria a essa comissão fazer ataque ou cobrança ao governo. Sei me defender sozinho, não preciso, não quero que meu governo, ou mesmo meu partido, venha me defender. O farei sozinho."
Governo não permite corrupção
“O governo do presidente Lula, do qual tive a honra de participar por 30 meses, é uma grande conquista política, econômica, social e institucional da sociedade brasileira. Não é verdade que é um governo corrupto ou um governo que permite a corrupção.”
A dádiva
“O presidente Lula, ao contrário do que dizem, é a maior liderança histórica do Brasil das últimas décadas. É na verdade uma dádiva que o Brasil tem. Não é verdade que eu estou magoado, ressentido com o presidente Lula.”
Arrogante, eu?
“O sr. fala da minha arrogância, mas fala aqui com satisfação e arrogância. Nunca fui arrogante quando era ministro."
Luta por ideais
“Não aceito ser banido da vida política do país de novo. Nada vai me banir da vida política do país, nem que suspendam meus direitos políticos e cassem meu mandato; vou continuar agindo como cidadão e lutando no Brasil pelos ideais em que acredito."