“Como vou deixar o país se o Lula está preso? Não se abandona um companheiro assim. Há erros que você pode cometer. Outros, não.”
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, 72 anos, condenado a mais de 40 na Operação Lava Jato, fez a afirmação acima durante encontro, em Brasília, com a reportagem do Congresso em Foco. Respondia a uma questão que lhe tem sido apresentada com frequência: quais as chances de fugir do país para descumprir uma pena que ele e seus correligionários atribuem a um processo de “perseguição política” ao PT e à esquerda?
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Dirceu diz não ver sentido em tal ideia porque Lula, o Partido dos Trabalhadores e a “luta” se tornaram sua vida. Ele admite que deixar o Brasil é um conselho que tem recebido, pessoalmente ou por meio de mensagens, de várias pessoas, mas insiste: “A vida não é assim. Com Lula preso, não há chances de deixar o Brasil”.
PublicidadeNo PT, somente o ex-presidente Lula teve mais poder do que ele. Réu na Ação Penal 470, que tratou das responsabilidades criminais pelo mensalão, ele foi condenado em outubro de 2012 por formação de quadrilha. Até recebeu perdão de pena em outubro de 2016, mas continuou preso em razão da Lava Jato. Provocado a comentar a possibilidade de se refugiar em Cuba, onde o remanescente regime socialista da América Latina certamente lhe daria guarida, Dirceu solta um riso largo e ironiza:
“Tem muita gente querendo que eu vá para Cuba mesmo”, comenta, referindo-se à frase que se tornou recorrente entre os adversários do PT: “Vai pra Cuba!”. Enquanto recebe o repórter, aliás, Dirceu ouve a lendária banda cubana Buena Vista Social Club, a mesma que contribuiu para a aceitação de ritmos como salsa e rumba pela alta intelectualidade do Ocidente. Lembra que já morou em Cuba, que, para ele, é uma mistura de Minas com Bahia.
Antes de serem recebidos pelo ex-ministro, os repórteres veem Dirceu reunido, em uma sala à meia luz, com seu advogado. Era mais uma das incontáveis reuniões que têm marcado o cotidiano pós-condenação, no qual ele e seu defensor jurídico conversam sobre o curso do processo conduzido pelo juiz paranaense Sérgio Moro e sobre os seus possíveis desdobramentos. No chão, no quadro encostado em uma das paredes do cômodo, Marlon Brando em O poderoso chefão, exalando o charme dos anos dourados de um cinema que não existe mais.
Em um primeiro momento, instantes depois da chegada da reportagem, a porta da sala se entreabriu para o entra e sai do advogado. Na antessala, sorvete de chocolate e água regam a expectativa sobre o que ele diria, ou mesmo se diria algo, depois da entrevista a Mônica Bergamo, colunista da Folha de S.Paulo. Desde então o petista foi aconselhado por sua defesa a não mais falar com a imprensa. O ex-ministro sai rapidamente, dirige algumas palavras de cumprimento, mas volta para a sala para mais meia hora de conversa privada com seu interlocutor.
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À espera do cárcere
Sim, Dirceu aceitaria falar mais uma vez. Com uma camisa preta sem estampa, calça jeans e mocassim escuro, o petista – que, apesar das restrições impostas pela vida de condenado, conserva grande influência em seu partido – parece bem humorado, apesar da perspectiva de ter de ficar, segundo seus cálculos, “quatro ou cinco anos” preso. Dirceu espera ser beneficiado não só pela progressão de pena por bom comportamento, mas também por trabalhos e estudos que podem levar à diminuição do tempo de detenção. Em tese, pode receber até anistia ou indulto, apesar do endurecimento imposto ao benefício pelo Supremo Tribunal Federal no final do ano passado.
Com fala grave e pausada marcada pelo acentuado sotaque mineiro, José Dirceu diz ter voltado a ver muitas séries de TV depois de um ano e nove meses preso no Complexo Médico Prisional de Pinhais, região metropolitana de Curitiba (PR), onde cumpria pena antes de receber habeas corpus do STF em 2 de maio de 2017. E é justamente isso o que quer fazer na iminência de ser preso novamente: passar mais tempo com a família, de preferência vendo seriados. “Quero me divertir”, diz, sem esconder um tanto de resignação em saber que voltará ao cárcere a qualquer momento.
Menciona algumas das obras que viu recentemente: a produção espanhola Casa de Papel, que narra um assalto à Casa da Moeda; a série Alienista, que relata a caçada a um serial killer que aterroriza Nova York; e, entre as que mais gostou, Marte, por se tratar de ficção científica. “Eu adoro assistir ficção científica”, completa.
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Dirceu está solto desde setembro do ano passado, depois de passar um ano e nove meses preso. O STF ainda tem a última palavra antes de decidir se manda prendê-lo novamente. Mesmo a distância, ele diz ter acompanhado a prisão de Lula, sem ligações diretas, mas por meio de troca de informações com interlocutores em comum.
Em vez de tristeza, resignação
Diante do repórter, demonstra grande cuidado com as palavras. Não quer fazer declarações políticas. Ressalta que não é de falar, mas de fazer.
Na rua, conta que é muitas vezes reconhecido por motoristas de táxi e de Uber. Vários deles, acrescenta, pedem para tirar foto com ele. Receber amigos, determinados a visitá-lo e a serem fotografados com ele antes de o ex-ministro voltar à prisão, tem sido outro compromisso constante em sua agenda.
O olhar de Dirceu, assim como o estado de espírito de amigos que aguardam para encontrá-lo, não é de tristeza, mas de resignação. “Cada dia é um dia”, afirma o ex-ministro.
Ao lado da ampla sala em que estamos, está sendo organizada uma estante de livros que ocupa uma parede inteira. Entre os livros pinçados para ocupar o móvel, uma suntuosa estrutura em tons negros e aspecto aveludado, está O amor em tempos de desamor e o enigma: o Brasil tem jeito? (foto abaixo).
Trata-se de uma coletânea organizada pelo economista João Paulo dos Reis Velloso, que durante o regime militar foi ministro do Planejamento dos governos Médici e Geisel. O livro reúne textos de nomes como Maria Adelaide Amaral, Jaime Pinsky, Mary Del Priore, Sergio F. Quintella e Alberto da Costa e Silva.
“Soldada de esquerda”
Se evitou declarações políticas, Dirceu não se recusou a falar de futebol. Mostrou-se, porém, pouco atualizado sobre o assunto. Ao saber que um de seus times favoritos, o espanhol Barcelona, foi eliminado nas quartas de final da Liga dos Campeões, surpreendeu-se com a sua própria desinformação. Exclamou, em tom de brincadeira: “Estou preso mesmo”. O supertime perdeu no início deste mês, dentro de casa, por inacreditáveis três a zero, com Messi e tudo mais.
Dirceu é mineiro, mas aos 14 anos foi para São Paulo, onde até mudou de time para não ser escanteado pelos outros. “O que é mais perto do Flamengo? O Corinthians, pela paixão, intensidade”, diz. Hoje, corintiano, se considera paulistano, e resume que é uma pessoa fácil de se adaptar a diferentes lugares. Morou também no Paraná, antes da prisão, e na capital federal, quando era ministro e agora novamente.
Em Brasília, movimenta-se com discrição para não se tornar alvo daqueles que veem nele um dos mais perniciosos “petralhas”. Para a militância petista, sua trajetória de ex-líder estudantil e dirigente político e o fato de ter se mantido leal a Lula e ao partido preservou o seu prestígio. Petistas costumam chamá-lo de “guerreiro do povo brasileiro”.
Duas advogadas eram esperadas pelo ex-ministro com apenas um propósito: tirar fotos junto com José Dirceu. Uma delas diz ter sonhado a cena que pediu para reproduzir ali mesmo, onde Dirceu se reunia com advogados, amigos, familiares e apoiadores: o petista sentado, como um general ideológico, e a mulher posicionada à sua esquerda, como uma “espécie de soldado, para lhe proteger”. “Até porque meu pai foi um preso político de esquerda”, arrematou a mulher.
Buena Vista ainda não havia começado a tocar.
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