A presidenta Dilma Rousseff sancionou hoje (18) a lei que regulamenta o direito de todo cidadão ter acesso a informações públicas, expresso na Constituição de 1988. Após mais de 23 anos de espera, o Brasil passa a ser o 89º país a ter uma lei desse tipo, e o 19º na América Latina. O texto acaba com o sigilo eterno de documentos ultrassecretos e estipula mecanismos para a divulgação e para pedidos de informação.
Diante de uma plateia numerosa na cerimônia realizada no Palácio do Planalto, com a presença de ministros, parlamentares e os quatro comandantes das Forças Armadas, a presidenta também sancionou a lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, que vai investigar e consolidar informações sobre as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar, composta por sete membros nomeados pela Presidência da República.
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Em discurso após a sanção das duas leis, a presidenta disse estar muito orgulhosa por sancioná-las. “ É o dia em que comemoramos – e a partir de agora iremos comemorar – a transparência, e celebrar a verdade”, disse ela, ao reafirmar o compromisso do governo com o tema. “[A lei] garante o acesso à história do país e reforça o exercício cotidiano da fiscalização do Estado”. Ainda segundo Dilma, as duas leis consolidam a democracia no país e o colocam em um patamar superior, em que o Estado passa a ser subordinado aos direitos humanos. Ela também destacou a proatividade que os cidadãos adquirem ao ter mais poder de controle e fiscalização perante o Estado, o que reverterá em benefício para toda a sociedade e no fortalecimento da cidadania.
O texto definitivo, aprovado pelo Senado em outubro, da Lei de Acesso à Informação foi sancionado com dois vetos. Foram suprimidos o parágrafo 1º do artigo 19 e o artigo 35. O primeiro, estabelecia que negativas de acesso a informações relacionadas a questões de direitos humanos deveriam ser encaminhadas ao Ministério Público, e o segundo, estabelecia a criação da Comissão Mista de Reavaliação de Informações. No entanto, os vetos aplicados pouco alteraram a lei.
Presente na cerimônia, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo afirmou que no prazo de seis meses, cada órgão público, tanto do Legislativo quanto do Executivo e do Judiciário, deverão publicar, em páginas próprias na internet, informações completas sobre sua atuação, contratos, licitações, gastos com obras, repasses ou transferências de recursos.
Para a presidenta, as duas leis tratam de assuntos distintos, mas estão diretamente ligadas uma à outra. “São leis que representam um grande avanço institucional e um passo decisivo na consolidação da democracia brasileira. Leis que tornam o Estado brasileiro mais transparente e garantem o acesso à informação e, ao mesmo tempo, o direito à memória e à verdade e, portanto, ao pleno exercício da cidadania”, afirmou no discurso.
PublicidadeDilma estabeleceu a conexão entre as duas leis ao esclarecer que nenhum documento que atente contra os direitos humanos pode ser enquadrado em qualquer tipo de sigilo. “Uma [lei] não existe sem a outra, uma é pré-requisito para a outra, e isso lançará luzes sobre períodos da nossa história que a sociedade precisa e deve conhecer. São momentos difíceis que foram contados até hoje, ou, melhor dizendo, foram contados durante os acontecimentos sob um regime de censura, arbítrio e repressão, quando a própria liberdade de pensamento era proibida”, disse.
Acesso a informação pública
O principal ponto da lei sancionada hoje (18) versa sobre o chamado fim do sigilo eterno. O texto estabelece que nenhum documento poderá ficar por mais de 50 anos sem acesso público. A lei classifica as informações em três categorias: reservadas (5 anos de sigilo), secretas (15 anos) e ultrassecretas (25 anos), não podendo ter o prazo de sigilo renovado por mais de uma vez. A contagem do prazo começa a partir da produção do documento. Hoje, um documento pode ser classificado por 30 anos, mas este prazo pode ser prorrogado indefinidamente.
Todos os órgãos públicos dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e dos três níveis de governo – federal, estadual, distrital e municipal – estão subordinados à lei, incluindo os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos. A lei também estabelece que autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e municípios deverão cumprir a lei.
De acordo com a lei, todas as informações de interesse público deverão ser divulgadas proativamente, ou seja, independentemente de solicitações. Tais informações deverão ser prestadas, prioritariamente, pela internet, de modo fácil e claro, com sistemas de busca e indicação de meios de contato por via eletrônica ou telefônica com o órgão que mantém o site. Ficam de fora desta regra os municípios com menos de 10 mil habitantes.
Todos os documentos deverão estar em formato eletrônico (planilhas e texto) e seu download deve ser permitido. O site também deverá ser aberto à ação de mecanismos automáticos de recolhimento de informações, ou seja, deve permitir que robôs de busca façam a busca e a organização da informação. A autenticidade e a integridade das informações do site devem ser garantidas pelo órgão.
Qualquer cidadão poderá solicitar informações.
Acesse aqui a página especial do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas com o resumo e o texto integral da Lei (texto aprovado pelo Senado).
Comissão da Verdade
Diante de familiares de presos políticos da ditadura, a presidenta Dilma Rousseff afirmou que a Comissão da Verdade é uma homenagem aos que lutaram pela democracia nos chamados “anos de chumbo”.
Ao longo dos próximos dois anos, a comissão vai investigar violações de direitos humanos no período entre 1946 e 1988 e será composta por sete pessoas indicadas pela Presidência. Até o momento, não há informações sobre possíveis indicados e nem data para isso. Durante as investigações, o grupo poderá requisitar informações a órgãos públicos, inclusive sigilosas, convocar testemunhas, realizar audiências públicas e solicitar perícias.
A comissão terá 14 funcionários, além do suporte técnico, administrativo e financeiro da Casa Civil. A comissão terá ainda de enviar aos órgãos públicos competentes informações que ajudem na localização e identificação de restos mortais de pessoas desaparecidas por perseguição política.
De acordo com a presidenta, o objetivo do grupo que formará a Comissão será “resgatar a verdade para que as gerações futuras conheçam o passado do Brasil e para que os fatos que mancharam a nossa história, nunca mais voltem a acontecer”.
A proposta, inicialmente enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional em maio de 2010, foi feita com base na experiência de outros países, como Argentina, Chile e Peru que também viveram ditaduras recentes. Na avaliação de Dilma, este é um momento histórico do Brasil, mas sem o caráter de revanchismo.
O trabalho da Comissão da Verdade irá complementar a atuação de duas comissões criadas anteriormente, a Comissão de Anistia e a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. A primeira, julga pedidos formais de desculpas do Estado aos cidadãos brasileiros que participaram da luta a favor da democracia. A segunda, é responsável pelo reconhecimento de pessoas desaparecidas por participação em atividades políticas, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, e que tenham sido mortas em dependências policiais.
A criação da comissão foi proposta no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009.