“Nós não vivemos o momento mais extraordinário do país, nós vivemos algumas dificuldades, que não é uma dificuldade da presidenta Dilma. É daquelas dificuldades que a gente não sabe quem criou. A única coisa que nós sabemos é que não foi o povo trabalhador [o responsável pela crise]”, discursou o ex-presidente, seguidamente interrompido por aplausos das Margaridas.
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Lula falou por cerca de 40 minutos. Aparentando bom estado de saúde, ele não se limitou a isentar Dilma pelos desdobramentos da crise econômica: falando como quem se prepara voltar aos pleitos eleitorais, o petista desafiou a oposição a desbravar o Brasil mais do que ele disse que fará nos próximos dias. E ainda brincou quando, ao provocar os tucanos, o fio de seu microfone se soltou da haste, tornando-o inaudível para a maioria da plateia, por alguns instantes.
“Todo santo dia tem uma provocação, e eu estou quieto. Mas, agora, eu queria dizer para vocês: estou preparando meu caminho para voltar a viajar por este país. Eu quero ver se esses novos adversários estão dispostos a andar por este país”, fustigou Lula, antes de gracejar sobre o fio do microfone. “Não sei se vocês viram, mas eu vi um tucano passando aqui embaixo e puxando o meu fio. Vocês tomem cuidado, porque esses bichos são sorrateiros”, arrematou, provocando risadas.
No início do discurso, depois de saudar Margaridas de diversas regiões do país, o pernambucano Lula festejou as raízes ao mencionar as conterrâneas nordestinas, quando ouviu os aplausos mais efusivos. “Agora eu compreendo por que um certo cidadão disse que Dilma só ganhou porque ignorantes do Nordeste votaram nela. Se ele conhecesse mais o Brasil, saberia que a comida de seu prato é produzida por essas mulheres”, disse, referindo-se a fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal líder do PSDB. Em outubro de 2014, o tucano disse que o PT “está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres”. “Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”, disse FHC à época, em entrevista aos blogueiros do UOL Mário Magalhães e Josias de Souza.
Lula aproveitou ainda para falar sobre o momento de constantes reivindicações da população, com frequentes manifestações realizadas em todo o país. “Nenhum governo pode reclamar de ter o povo na rua, reivindicando”, disse Lula, ciente dos próximos atos, marcados para o próximo domingo (16) por movimentos diversos, com o apoio da oposição, por todo o Brasil. O petista aproveitou esse trecho da fala para dar um recado ao suposto “golpe” da oposição contra Dilma, por meio de um eventual processo de impeachment. “Não há ninguém que possa ameaçar o processo de construção democrática desse país.”
Desafios
Realizada no Estádio Mané Garrincha, no centro da capital federal, a solenidade reuniu milhares de mulheres do campo de todo o Brasil. Em tempos de crise na base aliada no Congresso, e com as cicatrizes do alto índice de reprovação popular de Dilma (71% de rejeição, segundo o Datafolha), a aparição de Lula sinaliza que o PT volta a se aproximar dos movimentos sociais. No entanto, aquilo que parece ser a solução também pode representar um impasse.
Paralelamente às promessas de Lula por melhorias nas condições de vida das mulheres rurais, com atenção especial à agroecologia e ao acesso à terra, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, tenta dialogar com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A ideia é pôr em campo uma ação governamental para suprir as carências das políticas habitacionais, ponto fraco do governo Dilma para movimentos sociais.
Além disso, Dilma e sua equipe econômica tentam emplacar os ajustes fiscais no Congresso, mas esbarram em um processo de esfacelamento da base de sustentação, cada vez mais fragilizada, e uma Câmara ainda mais hostil do era no primeiro semestre. Além de tentar desativar a “pauta-bomba” do autodeclarado oposicionista presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que poderia estourar o orçamento da União, Dilma também terá que por na balança das contas públicas pesos que equilibram o arrocho fiscal e as causas populares.
Carta à presidenta
O primeiro dia da marcha serviu para a concentração do público –primordialmente constituído por trabalhadoras rurais, extrativistas, indígenas e quilombolas – em conferências e exposições nos gramados e arquibancadas do Mané Garrincha, em preparação para o discurso do ex-presidente Lula. Hoje (quarta, 12), a marcha segue por cerca de três quilômetros até a Esplanada dos Ministérios. Às 15h, a marcha volta ao estádio, onde espera receber as respostas da presidente Dilma às reivindicações do movimento. A fala da petista irá encerrar o evento.
Representantes das Margaridas já entregaram a membros do governo e do Congresso uma de pauta de reivindicações da marcha. Entre os temas abordados estão: garantia permanente a alimentos; acesso à terra e valorização da agroecologia; educação não discriminatória às mulheres; fim da violência doméstica; e autonomia econômica, democracia e participação política.
À frente da marcha, a Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais (Contag), entidade historicamente ligada ao PT, produziu a publicação ao longo de um ano, com o apoio de instituições rurais e feministas como a Marcha Mundial das Mulheres, a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), o Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (Mama), o Movimento Interestadual de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu e a União Brasileira de Mulheres, entre outras.
A marcha, que ocorre sem periodicidade definida desde 2000, homenageia Margarida Maria Alves. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, ela foi assassinada em 1983 a mando de latifundiários da região. Margarida comandou por mais de 10 anos a instituição sindical e costumava dizer que era “melhor morrer na luta do que morrer de fome”. A organização do evento espera reunir cerca de 100 mil pessoas entre hoje (quarta, 12) e amanhã.