Fábio Góis
Tida como a “dama de ferro” brasileira, em alusão à ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, a ex-ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, foi às lágrimas nesta quinta-feira (8). Aplaudida de pé durante discurso realizado no ato de apoio do PCdoB à sua candidatura, Dilma chorou ao relembrar os “muitos companheiros” mortos na Guerrilha do Araguaia.
“Vejo nos olhos de cada um de vocês a mesma chama que animou o heroísmo patriótico do saudoso João Amazonas, de Elza Monnerat, de Maurício Grabois. É essa mesma chama de amor e esperança que eu vejo brilhar nos olhos dos companheiros que estão aqui”, disse a ex-ministra – que participou de grupos de resistência durante a ditadura militar – , dirigindo-se ao presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, a deputados como Aldo Rebelo (AL, ex-presidente da Câmara), Vanessa Graziotin (AM, líder do partido na Câmara) e Manuela Dávila (RS) e Inácio Arruda (CE), único senador do PCdoB na atual legislatura.
“E nos olhos do meu querido Orlando Silva [ministro dos Esportes], que tem nome de cantor e porte de atleta. E campeão”, emendou Dilma, agora trocando a lágrima pelo riso, no que foi seguida pelos parlamentares e militantes da legenda presentes ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, onde foi realizado o ato.
Trajando uma camisa preta adornada por um vistoso colar de contas vermelhas, a combinar com a calça e o terninho igualmente rubros, Dilma foi ao microfone exortada pela platéia, e retribui, na primeira frase proferida. “Eu também te amo. É recíproco”, disse a petista, que minutos antes havia adentrado o auditório sambando ao som de Martinho da Vila. O séquito pecebista, aliás, recebeu o reforço cultural dos artistas Martinho da Vila, Leci Brandão, Jorge Mautner e Netinho de Paula.
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“O apoio do PCdoB me honra enormemente nesta noite”, agradeceu a ex-ministra, ressaltando a “qualidade desse apoio” e a sua identificação com a trajetória política do PCdoB. “É uma garantia de que essas ideias compartilhadas se tornarão realidade. O PCdoB sempre esteve ao lado do presidente Lula em todas as eleições desde 1989. Se essa aliança se mantém sólida por tanto tempo é porque tem afinidade, identidade de propostas”.
Depois do trecho emotivo de sua fala, que durou cerca de 40 minutos, Dilma passou a um discurso técnico, mencionando o que ela considera avanços do governo destinados à educação (citou números do Prouni, Reuni etc), aos jovens e às mulheres. “46% dos alunos aprovados no Prouni são afrodescendentes. Através do Reuni, ampliamos as vagas [em universidades públicas, propósito do programa]. Fizemos muito, mas sabemos que muito mais precisa ser feito”, discursou Dilma, citando também as alegadas melhorias para os professores, como a aprovação, pelo Congresso, do piso salarial para a categoria.
Ela também falou sobre a importância da mulher contra o problema das drogas e alertou para a necessidade de mais investimentos nas áreas do conhecimento e da tecnologia. “Precisamos preparar nossos jovens para este mundo novo.”
Como era esperado, Dilma voltou a fazer referência, sem citar nomes, aos “lobos disfarçados em pele de cordeiro” da oposição. Foi quando a petista exortou a militância do PCdoB para “lutar para que não voltem aqueles que não têm um projeto para o Brasil, venderam o patrimônio público e sempre querem desfazer o que foi feito, e bem feito”. Membros da União da Juventude Socialista (UFS) então responderam em coro: “A juventude / já decidiu / é Dilma presidente do Brasil”.
O discurso parece ter surtido efeito. Posicionada atrás da área da imprensa, uma senhora declarou ao final da fala de Dilma: “Ela me convenceu.”
Sintonia
Esposa do ministro dos Esportes, a mestre de cerimônia do ato, a atriz Ana Cristina Petta, pediu ajuda à platéia para anunciar o discurso do presidente Lula, logo após a fala de Dilma. Com voz de suspense, Ana ia citando as seis tentativas de Lula em chegar à Presidência ao passo que os militantes cantavam, em volume crescente, o famoso “grito de guerra” que marcou as campanhas petistas: “Olê, olé, olé, olá / Lula, Lula!”. Estava pronto o palco.
Lula iniciou os cumprimentos e logo cometeu ato falho a se referir ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), como o “presidente do PCdoB”. “Ele trabalha tanto junto com o PCdoB que até parece que ele é do PCdoB”, corrigiu o presidente, com um sorriso desconcertado.
Lula fez elogios a Orlando Silva (“sou grato ao PCdoB por ter emprestado este menino ao Ministério dos Esportes”), ao vice José Alencar (“homem com h maiúsculo, coração maiúsculo, lealdade maiúscula”), a quem considera “o melhor vice da história da humanidade”, e reverenciou a memória de nomes históricos da legenda, como João Amazonas.
Alfinetando os “intelectuais” da oposição, Lula se referiu a ele e Alencar como dois “analfabetos funcionais” que chegaram ao posto máximo do poder. “Se o Martinho [da Vila] fizesse uma música pra gente seria aquela: ‘Felicidade, passei no vestibular / Mas a faculdade, ela é particular…’”, cantou o presidente o refrão da música O pequeno burguês, e levando todos às gargalhadas.
Lula ressaltou a reação brasileira à fase mais aguda da recente crise financeira internacional, no início de 2009, quando o Brasil criou quase um milhão de empregos formais enquanto a grande maioria dos países registrou baixas. “Vamos entregar este país com mais 14 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Isso demonstra claramente o acerto das políticas que implementamos”, disse Lula, apontando o “otimismo” de Lupi ao ampliar este número para 15,5 milhões.
O presidente rebateu também as críticas à recente visita ao Oriente Médio, onde tentou participar das negociações por um acordo de paz na região. E disse que o mundo precisa de uma ONU “multilateral”. “Por que a ONU, que criou o Estado de Israel, deveria criar o Estado da Palestina, e nós somos a favor dos dois, e que eles vivam em paz”, declarou Lula, garantindo que repreenderia o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, caso ele extrapolasse o “limite” no enriquecimento de urânio (matéria-prima da bomba atômica). “Eu direi: ‘escuta aqui, ô companheiro, o que é que há? O Brasil é contra a bomba atômica porque na nossa Constituição está escrito que somos contra”, disse.
Lula disse ainda que Dilma se orgulharia da aliança do PCdoB, e que, por sua vez, Dilma jamais envergonharia o partido comunista. Parceria que, para ele, será imbatível. “Não vamos ter uma campanha fácil, mas com o time que temos em campo, digo que vamos ter uma campanha fácil. Não porque os adversários são fracos, mas porque somos mais fortes”, provocou o presidente, que finalizou sua fala se referindo a Dilma como “futura presidente da República”.
“Pataquada”
Renato Rabelo abriu a rodada de discursos, depois da apresentação de um vídeo introduzido por cenas de agressão da polícia repressiva da ditadura e do cantor Jorge Mautner, que entou os versos melódicos de Bandeira Vermelha – hino do PCdoB composto em 1958, ano de fundação da sigla.
O presidente do partido caprichou nos ataques à oposição, que “quebrou o Brasil”. “Desesperadamente, tucanato, oposição e mídia monopolista tudo fazem para passar um borrão na comparação desses dois períodos [governos FHC e Lula], querendo zerar o jogo. Como se fosse possível extrair Dilma do contexto do governo Lula. Enquanto isso, o seu candidato é apresentado como pós-Lula, como se nada tivesse a ver com o fracasso anterior”, disparou o líder partidário. “Chega de tanta pataquada!”
Com discurso mais ameno, o vice-presidente José Alencar chegou até a fazer pequenos relatos familiares, falando do neto Davi Gomes, que diz almejar a disputa à Presidência pelo PT. Levando os militantes ao delírio, Alencar disse gostar tanto do PCdoB que, apesar de gostar muito do seu partido, o Partido Republicano Brasileiro, “gostaria de ser de verdade do PCdoB”.
“Eu me sinto em casa quando estou com o PCdoB”, declarou Alencar, ressaltando a identificação do partido com as “às causas das pessoas mais humildes”. “Vocês têm um coração muito grande, têm muito amor ao próximo.”
Os discursos foram prestigiados pelos principais nomes de ambos os partidos e até do PDT, entre eles os presidentes José Eduardo Dutra (PT) e Carlos Lupi (PDT), além dos artistas Martinho da Vila, Leci Brandão e Netinho de Paula, todos membros do partido comunista.
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