As investigações sobre um esquema de apropriação de salário de funcionários do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) aproximam a família do presidente da República, uma vez mais, de figuras associadas às milícias, organizações criminosas que praticam assassinatos, extorsões e outras ilegalidades sob o argumento de combater o tráfico de drogas e outros delitos.
Um desses personagens é o ex-policial militar Adriano Magalhães Nóbrega, conhecido como Capitão Nóbrega, acusado de liderar o Escritório do Crime, grupo suspeito de matar a vereadora Marielle Franco. Foragido da Justiça, Capitão Nóbrega é apontado como beneficiário do chamado esquema da rachadinha e foi homenageado pelo então deputado estadual duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
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Não há, até o momento, acusação contra integrante da família Bolsonaro de participar de alguma milícia. Mas o Congresso em Foco localizou por meio de reportagens e discursos pelo menos dez episódios que mostram intimidade entre o clã e acusados de atuarem como milicianos.
Tais ligações vão desde opiniões em defesa da existência desses grupos em discursos, homenagens a policiais envolvidos em milícias, fotografias postadas em redes sociais ao lado de acusados de serem milicianos e ramificações do caso Fabrício Queiroz.
Veja os fatos aqui em ordem cronológica:
1 – “Eles se organizam para que o tráfico não impere nessas regiões”
Flávio Bolsonaro em discurso quando era deputado estadual
Essa declaração de Flávio Bolsonaro foi parte de um discurso do então deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em 2003. Na data, estava em debate a instauração de uma CPI para investigar milícias no Rio de Janeiro, após um grupo de jornalistas do jornal O Dia ter sido torturado por um desses grupos de milicianos.
Na ocasião, Flávio Bolsonaro votou favoravelmente à instalação da CPI por conta do caso. Porém, deixou claro o seu posicionamento favorável aos grupos de paramilitares. “Eles se organizam para que o tráfico não impere nessas regiões”, afirmou o deputado.
Veja parte do discurso:
“Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública.
Façam consultas populares na Favela de Rio das Pedras, na própria Favela do Batan, para que haja esse contrapeso também, porque sabemos que vários são os interesses por trás da discussão das milícias, como falei. Há interesses comerciais, há interesses políticos, mas vamos também olhar com um pouco de atenção os interesses das pessoas que estão nessas comunidades.
Fica o meu voto favorável à criação desta CPI mas pedindo que haja o bom senso em se apurar, e não apenas criticar, atacar ou tentar botar atrás das grades os policiais ou – na linguagem informal – os peixes pequenos apenas.”
2 – Irmãos hasteiam bandeira contra o crime e anticorrupção, mas homenageiam policiais envolvidos em crimes
Ao longo dos seus quatro mandatos como deputado estadual, Flávio Bolsonaro prestou diversas homenagens a policiais na Alerj. Pelo menos 23 dos homenageados, segundo apuração da revista Piauí, eram policiais réus ou condenados pela Justiça pelos mais diversos crimes. Entre eles estão dois nomes ligados ao grupo de extermínio “Escritório do Crime”, envolvido no assassinato da Marielle Franco.
Ronald Paulo Alves Pereira recebeu uma moção honrosa no ano de 2004 por indicação de Flávio Bolsonaro, na Alerj. Na época, o PM era investigado por participar de uma chacina que matou quatro jovens, em dezembro de 2003. Mesmo assim, o major recebeu a honraria na Assembleia Legislativa. Segundo matéria do The Intercept, o major da PM seria grileiro nos bairros da Vargem Grande e da Vargem Pequena e chefe de uma pequena milícia da Muzema, mesmo local de onde partiu o carro utilizado no assassinato de Marielle Franco, afirma a reportagem. Ronald Pereira foi preso na Operação Intocáveis, que investigava grilagens de terra na Zona Oeste do Rio e acabou por esbarrar nos suspeitos do assassinato da vereadora.
Adriano Magalhães da Nóbrega foi preso na mesma operação. Também é suspeito no envolvimento do assassinato da vereadora do Psol. Além disso, está na lista de homenageados pelo filho do presidente Jair Bolsonaro durante o seu mandato como deputado estadual. O ex-policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) é considerado chefe de milícia no Rio das Pedras e é apontado como líder do Escritório do Crime. Segundo reportagem do The Intercept, o capitão foi expulso da polícia por envolvimento com máfia do jogo do bicho, no Rio de Janeiro. Adriano recebeu uma moção de louvor em 2003 e a medalha Tiradentes em 2005, considerada a maior honraria do Legislativo fluminense, a mesma concedida a Marielle Franco postumamente. As honrarias ao Capitão Nóbrega foram indicadas por Flávio Bolsonaro.
3 – Mãe de miliciano no gabinete
No gabinete de Flávio Bolsonaro trabalhou Fabrício de Queiroz, ex-PM e então assessor de Flávio que indicou a mãe e esposa de Adriano Nóbrega, na época. Raimunda Veras Magalhães, mãe do miliciano homenageado duas vezes pelo filho do presidente, fez os 17 depósitos na conta de Fabrício de Queiroz no escândalo que estourou posteriormente.
4 – Fotos em comemoração de aniversário postada nas redes sociais
Jair e Flávio Bolsonaro posaram para foto em festa de aniversário de dois PMs, os irmãos Alan e Alex Rodrigues, que teriam trabalhado na campanha de Flávio Bolsonaro. Os dois foram presos na operação Quarto Elemento, que investiga quadrilha formada por policiais especializados em extorsões.
5- O escândalo do caso Queiroz e suas ramificações que levam a milícias
Fabrício Queiroz é ex-policial, amigo do miliciano Adriano Nóbrega. Queiroz recebeu 17 depósitos da mãe do miliciano, na época assessora de Flávio Bolsonaro na Alerj.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou uma movimentação de R$ 7 milhões, entre os anos de 2014 e 2017, valor muito superior à renda de Fabrício Queiroz. Segundo admite o próprio presidente, R$ 40 mil desse valor foi repassado para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente alega que foi o pagamento de um empréstimo. Outro montante teria sido destinado ao próprio Flávio Bolsonaro. Após o caso virar um grande escândalo midiático, Queiroz se escondeu no Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio de Janeiro, a mesma região onde atuavam os milicianos presos na operação intocáveis, Ronald Pereira e Adriano Nóbrega, suspeitos no envolvimento na morte de Marielle Franco.
6- Tio de Michelle
O policial militar reformado João Batista Firmo Ferreira, tio da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi um dos sete militares presos na Operação Horus do Ministério Público do Distrito Federal, que investiga policiais envolvidos com milícias, crimes de loteamento irregular, extorsão e homicídio, segundo o jornal Correio Braziliense.
7- Vizinho miliciano
No decorrer das investigações do assassinato de Marielle Franco ficou constatado que o policial reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos que mataram a vereadora do Psol, era vizinho de Bolsonaro. Ambos moravam no condomínio Vivendas da Barra, na mesma rua, no Rio de Janeiro. “Não lembro desse cara. Meu condomínio tem 150 casas”, disse o presidente segundo a Folha de S.Paulo, em café da manhã com alguns jornalistas.
8- Filha de Ronnie Lessa namora filho de Bolsonaro
Segundo o jornal O Estado de São Paulo, o delegado responsável pelas investigações do caso Marielle Franco afirmou que Renan Bolsonaro, filho do presidente, namorou a filha do PM suspeito de matar a vereadora. O delegado afirmou também que nenhuma relação direta entre Ronnie Lessa e a família Bolsonaro estava comprovada até aquele momento.
9- O depoimento
Segundo reportagem do Jornal Nacional, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra liberou a entrada de Élcio Queiroz, que é acusado de participar do assassinato de Marielle. O ex-PM entrou no condomínio às 17 horas e 10 minutos, conforme consta no livro de visitantes. A versão do porteiro é que Élcio teria informado que iria à casa de número 58, a casa de Bolsonaro. No depoimento, o porteiro afirma ter ligado para a casa 58, onde o próprio Jair Bolsonaro teria liberado a entrada de Élcio. Posteriormente, o porteiro interfonou mais uma vez por constatar que o carro seguia para outra casa, a de número 66. Ele informou que o carro tinha errado a casa nesta segunda ligação, mas a mesma pessoa que havia atendido a primeira ligação afirmou saber para onde o carro do ex-PM se dirigia.
Na reportagem da Rede Globo, consta que no dia em questão Jair Bolsonaro, que era deputado federal na época, estava na Câmara, em Brasília. Após a repercussão do caso, o presidente que estava na Arábia Saudita gravou um vídeo bastante exaltado em que atacou a Rede Globo, o atual governador do Rio de Janeiro, Wilson José Witzel; além de fazer ameaças de não renovar a concessão da rede de televisão. A transmissão do presidente teve um alcance de mais de 100 mil espectadores. Posteriormente, o áudio foi analisado colocando o porteiro em contradição. Segundo uma reportagem do Congresso em Foco, quem teria liberado a entrada de Élcio teria sido o próprio Ronnie Lessa. Depois o porteiro se retratou e disse ter se enganado em novo depoimento.
10 – Desdobramentos do caso Queiroz
O jornal O Estado de São Paulo mostra que, com os novos desdobramentos do caso Queiroz, há indícios de que parte do dinheiro do esquema de “rachadinha” do gabinete de Flávio tenha sido repassado a uma organização criminosa em dinheiro vivo. Entre os celulares apreendidos na Operação Intocáveis, está um aparelho da ex-esposa do Adriano Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, na época assessora de Flávio Bolsonaro. Em conversas por WhatsApp, o Capitão Nóbrega revela que era beneficiado pelo dinheiro repassado do esquema por ser integrante do Escritório do Crime. “Também era beneficiado por parte dos recursos desviados por seus parentes na Alerj”, afirma Adriana, segundo o jornal.
O Congresso em Foco procurou a assessoria do Planalto para comentar a reportagem, mas o Planalto afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto. A assessoria do senador Flávio Bolsonaro também foi procurada, mas até o momento não retornou. O espaço permanece aberto caso integrantes da família queiram se manifestar.
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