Veja
De olho no planalto
Às 10 horas e 21 minutos da última quarta-feira, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, desembarcou em Goiânia para participar de uma cerimônia atípica. Terno azul-escuro, camisa branca e gravata com as cores da bandeira brasileira, ele demorou a aparecer no saguão do aeroporto. Seus assessores estavam preocupados. Havia apenas um cinegrafista, um fotógrafo e dois repórteres aguardando sua chegada. Meirelles aparece e abre um sorriso tímido. Explica que sua filiação ao PMDB, marcada para dali a alguns minutos, significa apenas uma possibilidade de ele vir a se candidatar a algum cargo eletivo – e que nem isso é certeza ainda. “Vou continuar 100% focado no BC. Minha candidatura ainda está em aberto”, garante. Uma hora depois, abrigado do sol forte sob uma mar-quise, Meirelles discursa para cerca de 100 pessoas. A maior autoridade política em seu palanque, o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, comemora: “Posso profetizar. Vamos ter muitas alegrias juntos”. Explodem os fogos de artifício e toca o Tema da Vitória, a trilha que celebrava as façanhas do piloto Ayrton Senna na Fórmula 1. Henrique Meirelles, o guardião da moeda e um dos servidores públicos mais importantes da República, transforma-se em trunfo eleitoral do PMDB.
Apesar da aparência paroquial da cerimônia, a filiação do presidente do Banco Central ao PMDB, partido que banalizou os escândalos políticos no país, esconde uma tática eleitoral bem mais complexa. Em sua estratégia para fazer o sucessor, o presidente Lula pretende consolidar uma aliança do PT com o PMDB. Henrique Meirelles seria uma opção confiável para integrar a chapa de Dilma Rousseff como candidato a vice-presidente, blindando o governo de uma influência direta de figuras como Renan Calheiros e José Sarney, cujas peripécias recentes falam por si. Como tática, a presença de Meirelles também reeditaria a fórmula vitoriosa do PT. Em 2002, Lula escolheu como vice o empresário José Alencar, que ajudou a eliminar as desconfianças que havia contra ele por parte de alguns setores econômicos. Ter um empresário a tiracolo, desde então, parece que se tornou uma exigência política – e não apenas visando ao cofre da campanha. A presidenciável Marina Silva, do PV, conquistou o seu na semana passada. É Guilherme Leal, fundador da Natura. O também presidenciável Ciro Gomes, do PSB, cooptou dois de uma vez: o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch.
Os planos do governo para Henrique Meirelles, porém, esbarram em algumas dificuldades, a começar pelo próprio PMDB. Antes de se decidirem pela filiação, Meirelles e o presidente Lula conversaram sobre todas as possibilidades, inclusive a principal delas, a Vice-Presidência. Ficou combinado que, para evitar problemas, a hipótese não seria discutida explicitamente, pelo menos por enquanto. Tanto que, em uma reunião com o presidente da Câmara, Michel Temer, o preferido do partido para formar chapa com Dilma Rousseff, Meirelles afirmou que seu plano era, a princípio, disputar uma vaga no Senado por Goiás. O presidente do BC revelou a VEJA planos menos específicos. “Com exceção do governo estadual, posso ser candidato a tudo. Fico no BC a pedido do presidente Lula e em março decido que rumo tomar”, disse. Em conversas reservadas, Temer revela conhecer a real intenção do governo ao incentivar a entrada de Meirelles no partido, mas acha muito difícil que as lideranças do PMDB aceitem um recém-chegado para ocupar o posto de maior destaque que a agremiação terá em 2010.
A reação dos fichas-sujas
Em democracias mais tradicionais, como os Estados Unidos e a França, não há lei que vete a can-didatura de quem responda a processos na Justiça ou mesmo já tenha sido condenado em primeira instância – e nem precisa haver. Se um político enrolado de um desses países decidir testar sua popularidade nas urnas, a chance de sucesso, mesmo sem nenhum impedimento legal, é praticamente nula. Primeiro, porque dificilmente ele consegue atravessar o filtro partidário. Depois, ainda que consiga, o repúdio do eleitorado a casos assim é muito intenso. No Brasil, a tradição corre em sentido inverso. As casas legislativas, principalmente, têm servido de biombo para esconder do alcance da Justiça políticos que, em vez de biografias, são donos de extensos prontuários. A situação é tão vexatória que, para tentar impedir que isso continue acontecendo, está no Congresso um projeto de lei que proíbe a candidatura de pessoas condenadas em primeira instância, ou com denúncias recebidas por um tribunal, por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas, corrupção e desvio de verbas públicas. Você votaria em alguém com esse perfil? Tem gente – e muita gente – que vota.
Só no Congresso Nacional, onde se encontram os senadores e deputados que podem transformar a proposta em lei e acabar com a farra dos chamados fichas-sujas, existem 152 parlamentares com… a ficha suja. É mais de um quarto dos congressistas com pendência na Justiça, proporção impensável em qualquer outra categoria profissional. Os ministros do STF já encontraram motivos, inclusive, para transformar parte deles – 46 deputados e sete senadores – em réus de ações penais, o que tornaria essa bancada inelegível. Mas eles continuam lá, recebendo tranquilamente seus salários e benefícios, nomeando pessoas para cargos importantes, criando leis. O projeto que pode pôr um ponto final nessa situação constrangedora, é óbvio, não partiu dos parlamentares. Ele chegou ao Congresso através do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, uma organização não governamental formada por diversas entidades da sociedade civil e que conseguiu reunir 1,3 milhão de assinaturas. Um projeto como esse, que contraria os interesses de grande parte dos deputados e senadores, costuma passar anos vagando entre gavetas e escaninhos sem jamais ser votado. Há sete propostas semelhantes que estão vegetando desde 1993. Este, porém, não deve seguir o mesmo caminho, o que também não é necessariamente uma boa notícia.
Como se trata de um projeto popular, com dezenas de milhares de assinaturas, de muito apelo e às vésperas de eleições, os parlamentares não podem simplesmente arquivá-lo sem correr o risco de forte desgaste em um ano eleitoral. Por isso, já há acordo entre os partidos para uma rápida tramitação. A proposta passará apenas pela Comissão de Constituição e Justiça e, de lá, seguirá para votação no plenário, um atalho que permitirá grande agilidade. Aprovada, irá para o Senado. A parte bem-intencionada, porém, termina aí. Há também consenso em outro grupo de parlamentares de que o texto do projeto precisa ser aprimorado. E aprimorar, em outras palavras, significa tornar a proposta menos radical. Pela mudança combinada, só quem tiver condenação a partir de segunda instância, quando a decisão é tomada por um colegiado, será impedido de concorrer. A conhecida celeridade da Justiça se encarregaria de manter as coisas como estão. Bom para os de sempre.
Só quem chia é o governo
No Brasil, há muitos ralos por onde o dinheiro público escorre sem parar. Quando o governo não consegue fechar as torneiras do desperdício, é preciso que alguém assuma o papel de encanador e tente estancar os vazamentos. É isso que vem fazendo o Tribunal de Contas da União (TCU). Sediado em Brasília, o órgão tem a missão de fiscalizar as obras tocadas com dinheiro do governo federal e evitar, assim, a malversação de recursos. Seus auditores são especializados em descobrir maracutaias em licitações, aumentos de preço inexplicáveis, superfaturamento, desvios… Enfim, tudo aquilo que os administradores estatais juram não existir. Um grupo de nove ministros analisa, depois, os relatórios e põe um carimbo em cada obra. As que recebem a chancela “sem irregularidades”, infelizmente, são minoria.
Na semana passada, o TCU divulgou o balanço anual de seus trabalhos e ficou patente a frouxidão do governo na hora de controlar seus gastos. Das 219 obras analisadas, apenas 35 (ou 16%), estavam “sem irregularidades”. Outras 35 tinham entraves burocráticos nos contratos, mas a maioria (149, ou 68% do total) apresentava problemas graves. A mais lesiva das fraudes é o sobrepreço. Ele ocorre quando o custo dos materiais usados em uma obra fica acima da média praticada pelo mercado, fazendo com que o governo, ao comprá-los, pague mais do que uma empresa privada. Para além da fraude contra os contribuintes, ao pagar mais por uma obra, o governo fica sem dinheiro para realizar outros investimentos. Neste ano, das 149 obras com encrencas sérias, o TCU enxergou casos agudíssimos em 41 delas, e recomendou ao Congresso que sejam paralisadas até que as empreiteiras aceitem reduzir seu preço a patamares aceitáveis. Outros 22 projetos terão pagamentos retidos. Nos demais, o TCU liberou a continuidade das obras enquanto a investigação avança, pois poderia haver prejuízo ainda maior ao Erário se o trabalho fosse interrompido.
Notícias de um sequestro
Senhora, nós somos das Farc e estamos com seu marido”, anunciou tranquilamente a voz masculina do outro lado da linha, num espanhol de sotaque colombiano. “Ele será executado se a senhora não seguir nossas instruções.” Marinêz da Silva Pinho ouviu as ordens em silêncio – e desmaiou. Aquela voz colombiana confirmara seus mais terríveis medos: seu marido, o empresário brasileiro Vicente Aguiar Vieira, não havia se perdido no distrito de Ciudad Bolívar, na Venezuela, onde estava quando deu notícias pela última vez, dois dias antes dessa ligação. Era um sequestro. Naquele mesmo dia, Marinêz recebeu uma carta manuscrita e assinada pelo marido, na qual ele confirmava estar em poder das Farc e dizia se encontrar em “montanhas da Colômbia”. Em três páginas, possivelmente ditadas pelos sequestradores, Vicente orientava a esposa a vender os bens da família para pagar o resgate, estipulado em 2,5 milhões de bolívares, a moeda venezuelana (equivalentes a cerca de 800 000 reais). Marinêz só conhecia as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia pelo noticiário televisivo, mas fez o que lhe pediram. Não alertou as autoridades, levantou parte do dinheiro, deu prosseguimento às negociações e mobilizou parentes para fazer a troca nas selvas colombianas. Até o momento, os esforços foram em vão. Seu marido está há dois meses em cativeiro – e pode, a depender do avanço das investigações policiais, tornar-se o primeiro brasileiro oficialmente vítima das Farc fora da Colômbia.
Os terroristas que atuam nas selvas da Colômbia já sequestraram brasileiros antes. Em 1996, dois engenheiros da empreiteira Andrade Gutierrez ficaram sete meses presos, até que o resgate fosse pago. Escaparam com vida. A situação do empresário é bem mais grave. Ele não tem nenhuma salvaguarda política ou econômica, como tiveram os dois engenheiros. Está, a bem da verdade, abandonado na selva à própria sorte. Não se sabe nem se ele está vivo ou morto. Sabe-se apenas que a situação do brasileiro se deteriorou drasticamente há três semanas, quando os sequestradores resolveram cortar as comunicações com a família do comerciante. Os criminosos irritaram-se durante a negociação para a entrega do resgate. Eles queriam que a mulher de Vicente, que mora em Boa Vista, em Roraima, viajasse até a fronteira da Venezuela com a Colômbia, onde receberia instruções para prosseguir numa caminhada de seis horas, até o ponto no qual deveria deixar o dinheiro com um dos sequestradores. Uma vez que as notas fossem contadas, os criminosos libertariam Vicente. A esposa do empresário aceitou os termos dos sequestradores, mas ponderou não ter preparo físico para suportar os rigores dessa caminhada, sugerindo um familiar como portador do resgate. Os bandidos estrilaram. O interlocutor dos sequestradores, identificado como “subcomandante Cristian”, disse: “Nós estabelecemos as regras. Não temos problema em ficar um, dois ou três anos com seu marido”. E desligou. Nunca mais retornou.
Isto É
Sarney, o neopetista
Na semana em que venceu o prazo para mudança de partido, o presidente do Senado, José Sarney, não assinou nenhuma ficha de filiação. Continua no PMDB, exatamente onde está desde 1984, quando se lançou a vice na chapa à Presidência da República encabeçada por Tancredo Neves. Mas foi autor de uma cambalhota ideológica muito mais radical do que a mera troca de legenda.
Depois de anos e anos de críticas à atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o velho político maranhense sofreu uma súbita guinada de opinião.
Na terça-feira 29, Sarney recebeu em seu gabinete representantes da Frente Parlamentar da Terra, liderados por parlamentares do PT e do PSOL, e fez uma veemente defesa do MST. “Sou contra a criminalização do movimento dos semterra e apoio a construção de uma proposta que represente o aumento de recursos para a implementação de uma meta ousada de assentamentos no campo”, disse o senador, frisando que é contra o que passou a chamar recentemente de “demonização do MST”.
O novo figurino político de José Sarney deixou perplexa a bancada ruralista do Congresso. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), uma das mais dedicadas defensoras do agronegócio, afirmou à ISTOÉ que não está entendendo a metamorfose de Sarney. “Sinceramente não consigo compreender. É no mínimo curioso. Talvez ele esteja resgatando alguma dívida”, diz. Há um mês, o PT ajudou Sarney a escapar do conselho de ética, onde foi julgado por decoro parlamentar depois do escândalo dos atos secretos. “Pouco tempo atrás, o MST estava em torno do governador Jackson Lago, contra a Roseana, filha do Sarney”, lembra Kátia. As surpresas começaram, na quarta-feira 23, quando a senadora encontrou o presidente do Senado na entrada do plenário. Ela pediu a Sarney que fizesse naquele dia a leitura do requerimento de abertura da CPI Mista do MST.
A crise no QG do Itamaraty
Uma pequena sala no terceiro andar do anexo 1 do Itamaraty abriga um gabinete de crise. Um grupo de diplomatas trabalha até 14 horas por dia no acompanhamento do embate diplomático com Honduras, iniciado no dia 21 de setembro, quando o presidente deposto, Manuel Zelaya, instalou-se na embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Antes do impasse, ali era o local de trabalho do chefe da Divisão de México e América Central, Renato Viana, o primeiro diplomata em Brasília a falar com Zelaya. A sala ganhou tevê a cabo e as linhas telefônicas foram remanejadas. O computador mereceu um upgrade. Durante a semana, Viana reuniu-se com os demais embaixadores cinco vezes por dia no QG da crise e manteve contato com o encarregado de negócios em Honduras, Francisco Catunda, a cada seis horas.
A lei da limpeza
Ao todo, eram três carrinhos de mão abarrotados com pilhas de papel. Não transportavam arquivos mortos, mas petições vivíssimas, endossadas por 1,3 milhão de eleitores, que ainda acreditam ser possível separar o joio do trigo na política brasileira. Ao protocolar o projeto de lei popular na Câmara dos Deputados, na terçafeira 29, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral deu o pontapé inicial na Campanha Ficha Limpa, que exige regras mais rígidas para os candidatos que quiserem disputar um cargo eletivo. Pela proposta, não poderão ser eleitas pessoas condenadas em primeira instância ou denunciadas pelo Ministério Público por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas.
Após receber os líderes do movimento, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), garantiu que dará celeridade à tramitação do projeto, mas fez uma ressalva sobre o texto: “Desde logo digo que existe uma dúvida. Deixar essa decisão na mão de um único juiz é problemático. A tendência da Câmara é levá-la a um órgão colegiado.”
Políticos de carteirinha
No Brasil, a expressão “sócio de carteirinha” é utilizada quando alguém tem laços afetivos com um clube de futebol, escola de samba ou partido político. O termo, no entanto, mais uma vez foi desvirtuado na reta final das filiações partidárias para candidatos às eleições de 2010. Na falta da reforma política que não sai do papel, todos os partidos renderam-se a projetos pessoais e eleitoreiros sem exigir de seus novos filiados compromisso histórico com programas partidários. Assim, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, ao ingressar no PSB e entrar na corrida pelo governo de São Paulo, tornou-se “um socialista de carteirinha”.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, cotado para concorrer ao Senado por Goiás ou sair vice na chapa de Dilma Rousseff, passou de liberal a empedernido peemedebista – milita agora ao lado de notórios naN cionalistas. E até o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que nunca teve militância, assumiu a condição de petista histórico. “Ao filiar políticos não profissionais, os partidos tentam melhorar sua imagem junto à população. Mas a maioria dos que se filiam busca projetos meramente individuais”, constata o cientista político da Universidade de Brasília, David Fleischer.
Os jovens no poder
Na quarta-feira 30, enquanto senadores da oposição questionavam a idade do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Toffoli, de apenas 41 anos, um rapaz 12 anos mais jovem assumia interinamente o cargo de ministro da Justiça. Trata-se do secretário de Assuntos Legislativos, Pedro Abramovay, de 29 anos, que já fez vários projetos de lei importantes, como o Estatuto do Desarmamento, o Código de Processo Penal e a Lei Seca. Este mês, ele fará consulta pública para lançar o marco civil da internet, com regras de privacidade, danos morais e direito de resposta. Se há um traço comum na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a pouca idade de quem ocupa cargos estratégicos no governo. A onda jovem surpreende o próprio Lula. Ao receber Abramovay pela primeira vez no Palácio do Planalto, o presidente não resistiu:
“Esse seu cabelinho cacheado é assim ou você fica a noite inteira enrolando?” Esta semana, antes de viajar para Copenhague, Lula confirmou a indicação do rapaz de cachinhos para a direção executiva do Programa das Nações Unidas contra Crimes e Drogas.
Época
Toffoli asssume cargo no STF mas ainda há dúvidas sobre independência
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, cravou um recorde negativo ao ser aprovado pelo Senado Federal para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os oito ministros que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou para a mais alta Corte de Justiça, nenhum recebeu uma votação tão baixa. O nome de Toffoli foi aprovado por 58 votos contra 9 – um saldo de 49 votos a favor. Com esse desempenho, ele ficou longe de indicados como Joaquim Barbosa, que teve 63 votos positivos, e Carlos Ayres Britto, que teve 62. Antes de Toffoli, o menos votado fora o ministro Eros Grau, com 52 votos positivos (57 a favor, 5 contrários).
O placar de Toffoli reflete ao menos parcialmente o caráter atribulado de sua indicação pelo presidente Lula para o STF. Na semana do anúncio da decisão de Lula, descobriu-se que ele recebeu uma condenação de primeira instância no Amapá. Lá, seu escritório atuou em defesa do ex-governador João Capiberibe. A acusação contra Toffoli é de ter feito um contrato de R$ 420 mil, em valores de hoje, sem passar por uma licitação de verdade. Mais tarde, a condenação teve seus efeitos suspensos. No dia da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça, surgiu uma denúncia de deslize ético. Com base numa gravação da Polícia Federal, a Folha de S. Paulo revelou que, na condição de advogado-geral da União, Toffoli indicou um advogado para atuar na defesa do ex-ministro Silas Rondeau, investigado pela acusação de receber propina. Questionado pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR), Toffoli deu uma resposta prudente. Afirmou não se recordar da conversa.
Toffoli diz que já “desencanou” da advocacia
O novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, de 41 anos, diz depositar a sua fé em Deus para enfrentar a “vivência e a alta responsabilidade” do cargo que ocupará a partir do dia 23 de outubro. Católico praticante, Toffoli recebeu a reportagem de ÉPOCA por mais de uma hora nesta sexta-feira (2) ao lado de três dos oito irmãos – entre eles, o padre José Carlos. Na entrevista, concedida na sala de estar da casa onde mora num bairro nobre de Brasília, o futuro ministro da mais alta Corte do país disse acreditar em “céu e inferno”. Afirmou que buscou também na fé o apoio para enfrentar a sabatina dos senadores, descrita por ele como “rigorosa”. Na noite anterior a sua ida ao Senado, disse ter dormido oito horas ininterruptas. Não quis falar sobre nenhum julgamento no STF, mas fez questão de frisar: “já desencanei da advocacia”.
ÉPOCA – Como foi a sabatina?
José Antonio Dias Toffoli – Eu fiquei satisfeito porque o Senado foi extremamente rigoroso, como tem que ser com qualquer indicado a cargo público. O Senado atuou de maneira a que todas as questões fossem esclarecidas.
ÉPOCA – O senhor ficou nervoso? Qual foi o sentimento naquele momento?
Toffoli – De tranquilidade. Se a arguição durasse 10, 14 horas ou dois dias eu estaria com a mesma tranquilidade porque meu dever a ser cumprido como indicado ao Supremo é esclarecer todas as dúvidas que os senadores pudessem ter sobre a minha indicação, sobre os meus conhecimentos jurídicos e meus posicionamentos.
ÉPOCA – O senhor dormiu bem na véspera?
Toffoli – O fundamental para enfrentar um momento como esse é estar descansado. Eu dormi com tranquilidade. Não há um dia que eu tenha problema para dormir porque tenho a consciência tranquila.
ÉPOCA – Nem naquele dia?
Toffoli – Naquele dia eu dormi oito horas.
ÉPOCA – E como foi a preparação?
Toffoli – Eu me dediquei principalmente às visitas individuais. Então, além da arguição que houve na Comissão de Constituição e Justiça, eu tive a oportunidade de ser questionado pessoalmente por praticamente quase todos os senadores. Tive conversas de até duas, três horas. Eu me submeti a sabatinas individuais.
ÉPOCA – O Supremo tem um julgamento bastante polêmico: a extradição do italiano Cesare Battisti. O seu voto pode alterar o desfecho do caso. O senhor se considera impedido de julgá-lo?
Toffoli – Eu não me manifesto sobre casos concretos que estão em julgamento ou que possam vir a ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.
ÉPOCA – E aquela Bíblia aberta em cima da mesa? O senhor tem alguma fé?
Toffoli – Eu sou católico apostólico romano, tenho formação católica sólida, uma família tradicionalmente católica. Tenho um irmão que é padre e um tio já falecido que era monsenhor. Meu pai rezava o terço com os filhos todo dia em casa, ajoelhados. Acredito em Deus, em céu e inferno, na ressurreição de Cristo, na vida eterna. Eu sou uma pessoa de fé religiosa.
Companheiro patrão
Nos últimos meses, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, flertou com diversos partidos políticos. Comandante de uma das mais poderosas associações de classe do país, que congrega 150 mil indústrias, Skaf negociou com PV, PMDB e PR. Na semana passada, Skaf finalmente se decidiu e assinou a ficha de filiação ao PSB, o Partido Socialista Brasileiro. Seu projeto é candidatar-se ao governo de São Paulo em 2010. Skaf levou com ele para o PSB mais uma dezena de empresários. Como Skaf, o empresário Ivo Rosset, dono da fábrica de lingerie Valisère, se filiou ao PT após anos de militância como simpatizante do partido.
Skaf e Rosset inauguram um time novo, mesmo dentro do diverso campo político brasileiro: o dos “empresários de esquerda”. Defensores de bandeiras como a redução da carga tributária, dos encargos sociais e da competição, eles agora integram partidos que defendem posições opostas. Historicamente, PT e PSB são partidos mais identificados com a ideia de que a carga tributária tem de ser suficiente para sustentar uma grande máquina estatal, defendem a redução da jornada de trabalho e não gostam muito de falar em encargos sociais menores. Um olhar distanciado mostra que Skaf e Rosset estariam no campo oposto do ocupado por PSB e PT e que a escolha desses partidos, talvez, se explique pela conveniência de estar próximo do governo Lula.
Carta Capital
A CPI do MST na geladeira
Idealizada como reação à proposta de atualização dos índices de produtividade na agricultura, defendida pelos movimentos sociais e por diversos setores do governo, a CPI do MST foi sufocada antes de deslanchar. Na quinta-feira 1º, a secretaria da Mesa Diretora do Senado arquivou, por insuficiência de assinaturas, o pedido de instalação feito por três parlamentares do DEM, líderes da bancada ruralista, os deputados Ronaldo Caiado e Onyx Lorenzoni e a senadora Kátia Abreu. Foi a terceira tentativa, em cinco anos, de usar CPIs do Congresso para tentar criminalizar as ações dos trabalhadores sem-terra. Antes do arquivamento, foi encaminhado ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), um manifesto pró-MST com mais de 4 mil assinaturas. Fernando Morais, Leandro Konder, Antonio Candido e Sebastião Salgado assinaram o documento.
A prova da fraude
O cancelamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vai custar caro. Estima-se que mais de 30 milhões de reais sejam gastos com a reimpressão das provas, que seriam realizadas nos dias 3 e 4. Até agora não se sabe quem vai pagar a conta: o governo ou o Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção, único participante da licitação para operar a avaliação. As investigações para encontrar o culpado foram abertas pela Polícia Federal.
O cancelamento aconteceu na madrugada do dia 1º de outubro, após o jornal O Estado de S. Paulo ter acesso à versão impressa do exame. Alertado, o ministro da Educação, Fernando Haddad, defendeu a inocência do Inep, órgão do ministério responsável pelo Enem, no episódio: “Não há uma versão do exame impresso no Inep”. O ministro indicou que o vazamento deve ter ocorrido “na gráfica ou no processo de manuseio da prova”. Os testes serão remarcados para novembro.
O escândalo acontece justamente na primeira edição do Enem que trazia mudanças para que o exame se tornasse um vestibular unificado nacional: 24 universidades federais aboliram seus processos seletivos em favor do novo exame.