ÉPOCA
Retrospectiva anos 00: A década que definiu um novo mundo
Dez anos atrás, as torres gêmeas do World Trade Center estavam de pé. Bill Clinton, então presidente da nação mais poderosa do mundo, comandava um período de prosperidade econômica, preparava-se para eleger seu sucessor – e era o indiscutível líder planetário. Poucos haviam ouvido falar nas palavras Bin Laden, Google ou euro. Muitos já estavam preocupados com a internet – mas quase ninguém com a China. As mudanças climáticas ainda eram vistas pelos empresários mais como motivo para ceticismo que para investimento. Ao longo da década, o mundo virou de ponta-cabeça – mas o Brasil amadureceu.
Dez anos atrás, o presidente era Fernando Henrique Cardoso, e o nome de Lula despertava temores entre economistas respeitados. Ninguém conseguiria acreditar que Lula seria o presidente em cujo governo saldaríamos a dívida externa e teríamos uma das moedas mais fortes do mundo. Em dez anos, o Brasil consolidou a democracia e a estabilidade. Tornou-se o país emergente com maior credibilidade no mercado global. Atingiu a universalização do ensino e a autossuficiência em petróleo. É verdade que ainda padecemos de problemas crônicos: corrupção, violência, um ambiente ainda hostil ao empreendedor e miséria endêmica em algumas regiões. Mas, nos próximos dez anos, deveremos continuar tentando resolvê-los. A seguir, os fatos e as imagens que marcaram a década de 00.
A democracia amadureceu
O Brasil começou a década governado por Fernando Henrique Cardoso e encerrou-a sob a égide do presidente mais popular de sua história, Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar da polarização entre os dois governos, eles guardam mais semelhanças do que diferenças. A mais importante é a estabilidade institucional. Entre FHC e Lula, o país viveu sua primeira transição democrática sem ruptura, após 20 anos de ditadura e o tumultuado impeachment do governo Collor. A segunda semelhança é a estabilidade monetária e financeira, conquistada no Plano Real e garantida por Lula. A terceira semelhança – esta menos lisonjeira – foi a dependência que ambos os governos mantiveram de alianças clientelistas e da troca de favores com velhos caciques. Lula também aprofundou os programas sociais iniciados por FHC e conseguiu transformar o Bolsa Família na maior vitrine de sua gestão. Identificado com os mais pobres e dotado de extraordinário carisma e capacidade de comunicação, Lula conseguiu manter sua imagem incólume a escândalos como o mensalão, os dólares na cueca de petistas ou o apagão aéreo. Tudo o que é bom – como o pré-sal e/ou a ascensão das classes C e D – gruda em Lula. O que é impopular vai para a conta dos outros. Nesta década, enquanto a estrela do PT encolheu como símbolo da ética e dos militantes engajados, a de Lula só fez brilhar. Ungido em 2002 como o operário que virou presidente, ele chega a 2010 e ao último ano do segundo mandato com 72% de aprovação. Mesmo assim, recusou-se a tentar mudar a regra do jogo para disputar o terceiro mandato – outro sinal da força de nossa democracia, hoje maior do que qualquer presidente, chame-se ele Lula ou FHC.
Ela chora, mas não se descabela
Dilma, de visual novo e sem peruca, comemora a consolidação no segundo lugar das pesquisas.
Na manhã da segunda-feira 21, após sua caminhada matinal à beira do Lago Paranoá, em Brasília, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tomou uma decisão que havia tempos adiava: aposentar a peruca. O acessório a acompanhava desde maio, quando ela iniciou o tratamento quimioterápico para combater um câncer no sistema linfático. Há meses, Dilma se queixava da peruca que a incomodava por apertar e esquentar a cabeça. Em casa, na companhia de familiares e assessores, Dilma dispensava o adereço. Em algumas viagens, ela usou lenços para encobrir os tufos de cabelo que cresciam de modo disforme. Dilma só se mostrava de peruca por uma questão de vaidade e para atender aos marqueteiros de sua campanha à Presidência da República.
A primeira aparição pública de Dilma de visual novo ocorreu na cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, no Palácio do Itamaraty. Ali, Dilma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente José Alencar se emocionaram ao assistir a um vídeo sobre a violação de direitos humanos no período do regime militar. As lágrimas destoaram do bom momento vivido por Dilma. Ela coleciona sinais de vencer o câncer – o abandono da peruca é um exemplo – e de que vai entrar com força na disputa presidencial de 2010.
O desafio da corrupção
Nos últimos dez anos, a política brasileira foi um manancial de escândalos, alimentados por uma impunidade crônica. Antes da chegada ao poder, o PT insuflou ilusões de que inauguraria uma nova forma de relacionamento do governo com seus aliados políticos. Essas ilusões foram desfeitas logo no começo do governo Lula. Em 2004, ÉPOCA revelou o caso Waldomiro Diniz, nome de um ex-assessor da Casa Civil da Presidência da República, flagrado ao pedir propina para um empresário da área de jogos. A derrocada moral do PT veio em 2005 com o escândalo do mensalão, que respingou também no PSDB, o principal adversário dos petistas. Os anos 00 terminam sem que nenhum partido brasileiro importante possa exibir ficha limpa. Tampouco houve progressos na reforma de um sistema político que incentiva a corrupção. Os brasileiros levam para a próxima década a incômoda sensação de que, apesar de avanços institucionais, econômicos e sociais, a decomposição da política é uma das principais fragilidades do país.
O queridinho do mundo
A agência classificadora de risco Moody’s se atrasou para dar ao Brasil o “grau de investimento” (ou seja, um atestado de destino seguro para aplicações), em setembro passado. Quando a nota chegou, o país já contava com muito mais credibilidade internacional do que as próprias agências, que não souberam alertar o mundo para riscos que levaram à crise global. O Brasil, ao longo da década, já mostrara que sabia fazer uma transição política tranquila. Seguiu na rota da estabilidade, com inflação sob controle e juros em queda. A expansão da atividade e do crédito reduziu fortemente a pobreza. “Abandonamos o populismo, reduzimos a desigualdade e exibimos boa regulação financeira”, diz o economista Aloísio Araújo, da FGV. Com a ajuda da crise (que ressaltou nossas qualidades), o Brasil passou a ser, definitivamente, um astro da economia global.
VEJA
Especial 2010: O ano zero da economia sustentável
Svante Arrhenius era um desconhecido físico sueco quando, em 1896, fez um alerta: se a humanidade continuasse a emitir dióxido de carbono na atmosfera no mesmo ritmo que fazia desde a alvorada da Revolução Industrial, em 1750, a temperatura média do planeta subiria de maneira dramática, em decorrência do efeito estufa.
Pouca gente escutou o apelo de Arrhenius em seu tempo, um período sem carros, sem megalópoles, com apenas 1,2 bilhão de pessoas no mundo. Quase ninguém seguiu seu raciocínio na maior parte do século seguinte. Foi assim até que novas evidências científicas surgiram, além das catástrofes naturais. E nos anos 1960 brotou uma ideia romântica, utópica e alternativa de preservação da natureza. Ela hoje entrou na corrente principal do pensamento ocidental, ajudou a transformar os processos de produção industrial e moldou o perfil dos líderes empresariais que conduzem o capitalismo no século XXI. Há muito ainda a ser feito. Evidentemente, é um frágil equilíbrio, mas trata-se, agora, de agir já para pagar menos depois.
Um relatório produzido em 2006 pelo economista inglês Nicholas Stern, então no Banco Mundial, indica que investir imediatamente, a cada ano, 1% do PIB global pode evitar perdas de até 20% desse mesmo PIB até 2050. É informação que os líderes reunidos na COP15, em Copenhague, neste mês, tinham com nitidez. Esses números não os fizeram avançar muito, em uma cúpula que entrará para a história pelos tímidos resultados que ofereceu. Não há problema. Existe uma mensagem clara: os estados não se entendem, escorregam na burocracia e em interesses egoístas, mas a iniciativa privada saiu na frente. As empresas e a sociedade já fazem mais e melhor que os governos no combate ao aquecimento global. Eles ainda patinam para entregar sua principal – se não única – contribuição, a de definir um quadro institucional estável e favorável à livre-iniciativa, à inovação e ao empreendedorismo.
Nas próximas 62 páginas, VEJA faz um amplo painel dos lançamentos de produtos, das ideias e das posturas que, a partir de 2010, começarão a delinear mais claramente o cotidiano baseado na economia limpa.
– Retropectiva 2009: O que lembrar e o que esquecer de um ano especial
– Retrospectiva da Década: Por que os dez primeiros anos podem definir o caráter de todo um século
Balançou, mas não caiu
Foram três meses de denúncias sucessivas, uma mais cabeluda do que a outra, mas nada conseguiu fazer José Sarney desgrudar da cadeira. Auxiliado pela proverbial incapacidade dos políticos de enrubescer, e pelo braço amigo do PT, o presidente do Senado aferrolhou-se ao cargo a despeito dos seguintes episódios: a divulgação da existência de centenas de atos secretos no Senado; a descoberta de que esses atos incluíam a nomeação de quatro parentes seus; a revelação, feita por VEJA, de que ele mantinha uma conta secreta no exterior; a notícia de que havia recebido auxílio-moradia mesmo tendo casa em Brasília (que, aliás, não constava da sua declaração de bens); e a denúncia de que a Fundação José Sarney havia desviado dinheiro de um convênio com a Petrobras.
A criação de Dilma
Foi um ano de duras batalhas para a ex-guerrilheira Dilma Rousseff. A maior de todas, um câncer no sistema linfático, foi enfrentada com dignidade e vencida com bravura. Em setembro, depois de cinco meses de tratamento, a ministra veio a público anunciar que estava curada. Menos definitivo foi o resultado de seu embate com a ex-secretária da Receita Lina Vieira em torno de um encontro de desdobramentos suspeitos cuja existência ela nega e a ex-secretária reitera. Palavra contra palavra, ficou por isso mesmo, e Dilma encerrou 2009 inteira e sacudindo a poeira. Como o Adão de Michelangelo, sua candidatura à Presidência veio do nada e materializou-se por obra e graça de um dedo (que, nesse caso, não era divino, mas quase).
Mais vale um tucano à mão…
Risinho aqui, alfinetadinha acolá e muito jogo de cena depois, sobrou só um tucano para alçar o voo mais alto. Aécio Neves, que começou o ano arrastando caminhões de apoio às suas pretensões de candidato à Presidência da República, foi, devagarinho, colocando o nome em cima do telhado. Primeiro pressionou pelas prévias até outubro, depois aceitou postergar a data e mais tarde desistiu da consulta. Por fim, anunciou a retirada da pré-candidatura, deixando o caminho livre para Serra, hoje o mais que virtual candidato do PSDB. A pergunta que agora ecoa nas hostes tucanas é: aceitará Aécio ser vice de Serra, carregando consigo um dos mais altos índices de aprovação registrados por um governador e uma miríade de votos do segundo maior colégio eleitoral do país?
CARTA CAPITAL
A sombra de Meirelles
Incomodado com a possibilidade de Michel Temer ser indicado pelo PMDB a vice de Dilma, Lula estimula as especulações em torno do presidente do BC.
Aécio Neves avança
O governador de Minas Gerais anunciou sua desistência da disputa pela indicação do PSDB para a candidatura à presidência da República em 2010. Ao contrário do que parece, ele não recuou, mas avançou.
Aécio não suportava mais manter a pressão sobre o partido para que apressasse a definição do candidato tucano. Há meses expõe seu ponto de vista: acha que a oposição não deve cair no jogo do governo e transformar a eleição em um “plebiscito”, que chame o povo a votar contra ou a favor de Lula e sua candidata. Para ele, esse é o caminho da derrota, dada a popularidade gigantesca do presidente e o cenário favorável que se vislumbra para nossa economia no ano que se inicia.
Com esta avaliação, imaginava-se mais competitivo do que José Serra, apesar deste liderar as pesquisas de opinião hoje. Aécio, mineiro, simpático e agregador, acredita ser mais capaz de atrair novos aliados e fugir do confronto direto com o governo. Mas, para isso, precisava de tempo, para correr o País e agregar apoios, inclusive na base governista. Entendia que, assim, iria subir pouco a pouco nas intenções de voto, enquanto que Serra, dada sua identificação com os governos FHC e seu inexistente carisma, tendesse a estacionar ou até declinar nas pesquisas.
O vice na berlinda
Preservado, até agora, do terremoto político que se abateu sobre Brasília desde a deflagração da Operação Caixa de Pandora, o vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio Pereira, está prestes a entrar na alça de mira da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Presidente do DEM no DF, Paulo Octávio seria a opção da sigla depois da desfiliação do governador José Roberto Arruda, em 10 de dezembro, como resultado do escândalo de pagamentos de propinas a políticos e empresários locais. Seria. PO, como é conhecido pelos amigos, também está sob suspeição dentro do partido, que se recusa a defendê-lo incondicionalmente, por temor de que apareçam novas provas contra ele. Dono da maior construtora do Centro Oeste e considerado o homem mais rico da capital federal, Paulo Octávio também acumula o cargo de secretário de Desenvolvimento e Turismo do DF, responsável por diversos contratos sem licitação, inclusive um de 3 milhões de reais para pagar a escola de samba Beija Flor de Nilópolis, do Rio de Janeiro.
Paulo Octávio não aparece, pessoalmente, em nenhum dos vídeos apresentados, até agora, pelo ex-secretário de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa. O nome do empresário, no entanto, é relacionado em duas das gravações por conta da aparição do executivo Marcelo Carvalho, nada menos que o diretor da holding Paulo Octávio e, portanto, braço direito do vice-governador do DEM. Nos vídeos, de acordo com o inquérito da PF, Carvalho conversa com Barbosa sobre a partilha de recursos de caixa dois arrecadados junto a empresários para pagamentos de propinas. Segundo o ex-secretário de Relações Institucionais, de todo dinheiro recolhido, 40% iam para Arruda, 30% para Paulo Octávio e os outros 30% eram pulverizados entre deputados e secretários distritais ligados ao esquema.
E que modelo de gestão…
Auxiliar de Arruda firmou contratos irregulares em São Paulo.
O administrador de empresas Ailton de Lima Ribeiro é um gestor na área de saúde pública. Filiado ao PSDB, trabalhou ao lado do governador José Serra no Ministério da Saúde e na prefeitura de São Paulo. Prestou serviços também na gestão de Gilberto Kassab (DEM). Desde março de 2009, tornou-se um dos colaboradores de José Roberto Arruda, o democrata do Distrito Federal envolvido no escândalo de pagamento de propina a políticos.
Ao desenrolar o novelo do Arrudagate, o fio das investigações aponta para um esquema formado por uma rede de empresas beneficiadas por contratos milionários no DF e em São Paulo. Na quarta-feira 16, o deputado Simão Pedro (PT) começou a recolher assinaturas na Assembleia Legislativa de São Paulo para pedir uma CPI, a fim de investigar as relações entre o escândalo do DF e as contratações de empresas do mesmo esquema em São Paulo. Um dos responsáveis por parte das contratações na prefeitura de São Paulo, segundo políticos oposicionistas, seria Ribeiro. Seu nome passou a ser citado em denúncias nas últimas semanas. O administrador tucano negou todas as acusações a CartaCapital.
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