Época
Para onde vai Ciro?
Chegou a um final melancólico o projeto do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) de disputar, pela terceira vez, a Presidência da República nas eleições deste ano. A decisão de retirar Ciro da disputa, antecipada por época.com.br, foi tomada pela cúpula do PSB durante uma reunião na quarta-feira da semana passada em Brasília. Esse desfecho encerrou uma série de equívocos políticos cometidos por Ciro desde que aderiu ao governo Lula. Forçado pela realidade, ele verá se distanciar mais uma vez o sonho de comandar o país. Em duas tentativas anteriores, em 1998 e 2002, conseguiu concorrer, mas não se elegeu.
O encontro que enterrou a candidatura de Ciro durou mais de duas horas. Participaram o presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o primeiro secretário do partido, Carlos Siqueira, o senador Renato Casagrande (ES) e o líder da bancada na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF). Eles analisaram a situação dos socialistas em cada um dos Estados e, por consenso, chegaram à conclusão de que insistir no nome de Ciro atrapalharia o futuro eleitoral do PSB. Durante um almoço na quinta-feira, Eduardo Campos e o secretário-geral do PSB, Roberto Amaral, acertaram com Ciro um ritual para evitar constrangimentos ao deputado. Uma reunião da executiva do partido marcada para esta terça-feira vai confirmar a saída da corrida presidencial.
O pretexto oficial para o sacrifício de Ciro serão as necessidades regionais do PSB. O partido prepara o lançamento de candidatos a governador em dez Estados. Em outros cinco e no Distrito Federal, fechou acordo com o PT para tentar eleger senadores, casos de Sergipe, Piauí e Bahia. Para a cúpula do PSB, o crescimento das bancadas na Câmara e no Senado é uma prioridade eleitoral, e a candidatura presidencial de Ciro representava um obstáculo para esses planos. “A manutenção do nome de Ciro atrapalhava mais que ajudava nas negociações estaduais e acabava criando dúvidas”, afirma o senador Casagrande.
Margem para erros
O PSDB ainda curtia a ressaca da festa de lançamento da candidatura de José Serra à Presidência, há duas semanas em Brasília, quando a divulgação da mais recente pesquisa do instituto Sensus balançou o partido. Conforme o levantamento, divulgado no dia 13, Serra, líder em todas as sondagens há pelo menos dois anos, estaria empatado com Dilma Rousseff (PT) na dianteira da corrida presidencial. Ambos estariam na casa dos 32% das intenções de voto. Imediatamente, os petistas passaram a alardear o resultado. Esse comportamento segue a lógica da atual fase da campanha eleitoral, na qual as expectativas de vitória de seus candidatos são usadas pelos partidos para angariar apoios e fechar alianças regionais. O PSDB também foi rápido, mas em sentido contrário: apresentou uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a pesquisa.
Três dias depois, o instituto Datafolha divulgou os resultados de seu levantamento. Nele, Serra apareceu com uma vantagem considerável em relação a Dilma. A diferença chega a 10 pontos porcentuais. Na semana passada, uma pesquisa do Ibope se aproximou mais do resultado do Datafolha do que do Sensus: Serra teria 7 pontos porcentuais a mais do que Dilma. Os institutos de pesquisa costumam recorrer a métodos diferentes para realizar suas sondagens. As variações, no entanto, não costumam ser tão discrepantes. O descompasso entre os levantamentos aumentou a polêmica sobre a pesquisa do Sensus e a transparência na realização das sondagens eleitorais no país. Antes mesmo da divulgação de seus resultados, a pesquisa do Sensus fora questionada por causa de um problema no registro na Justiça Eleitoral. No TSE, um sindicato de trabalhadores em concessionárias de rodovias aparecia como o responsável pela contratação da pesquisa, mas quem assumiu o pagamento foi o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada e Afins de São Paulo (Sintrapav).
Essa é apenas uma das dúvidas em relação à pesquisa do Sensus. A principal se refere ao questionário apresentado aos entrevistados pelo instituto. Antes de fornecer o nome dos candidatos, ele pedia aos entrevistados uma avaliação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dono de alta popularidade e pai da candidatura Dilma. Para o PSDB, esse método induziu os entrevistados a optar por Dilma ao serem perguntados sobre suas preferências para a eleição presidencial. Um método semelhante fora usado pelo instituto Vox Populi numa pesquisa divulgada no início deste mês. À semelhança do Sensus, o Vox Populi também indicara um empate técnico entre Serra e Dilma. O levantamento abriu uma disputa entre o Vox e o Datafolha. Também nesse caso, os petistas recorreram ao resultado do Vox Populi para alardear as chances de Dilma e criticar o Datafolha, que apontara vantagem de Serra.
A conta será nossa
O leilão para a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na semana passada, provocou a confusão esperada. Grupos ambientalistas contrários ao projeto tentaram, até a última hora, brecar o processo com ações judiciais. Um dos concorrentes desistiu na reta final e obrigou o governo a montar, às pressas, um novo consórcio para manter a disputa. O leilão deveria escolher um grupo de empresas privadas, que se encarregariam de bancar a construção da usina.
Não foi exatamente o que aconteceu. Com poucos interessados e muita contestação sobre os valores, o leilão foi vencido por um consórcio liderado pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobrás. O governo vendeu para si mesmo. Às incertezas sobre os valores da obra, soma-se agora a certeza de que o contribuinte, que deveria pagar apenas pela energia consumida, terá de bancar a construção e os riscos.
O consórcio formado de afogadilho por nove empresas ganhou a disputa ao se propor a vender a energia por R$ 78 por megawatt/hora, um desconto de 6% sobre o preço máximo fixado pelo governo, que era de R$ 83. Estudada desde 1975 pelo alto potencial gerador de energia, Belo Monte foi orçada pelo governo em R$ 19 bilhões. Construtoras e consultores privados, no entanto, dizem que nada disso deve ser realidade. A usina pode custar até R$ 30 bilhões. A tarifa de R$ 78 seria irreal. Na semana passada, o jornal O Globo revelou um documento no qual técnicos das estatais Eletrosul e Furnas classificam como inviável a construção da usina por menos de R$ 28,5 bilhões. “Existem duas maneiras de cobrar por um serviço público: ou joga o custo para o consumidor ou para o contribuinte”, afirma o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), ex-presidente da Chesf. “Escolheram jogar para o contribuinte.”
Os ongueiros que querem virar governamentais
Motivados pela candidatura da senadora Marina Silva (PV) à Presidência, grupos que antes mostravam pouca disposição para participar da política tradicional parecem decididos a mudar de estratégia. Uma peculiaridade das eleições deste ano deverá ser o crescimento do número de candidatos oriundos de organizações não governamentais (ONGs). São os ongueiros que não abandonaram a causa, mas decidiram que vão tentar virar governamentais, uma tendência que desperta entusiasmo e, ao mesmo tempo, preocupação nas ONGs.
O ongueiro candidato mais célebre é o empresário Ricardo Young, integrante do Instituto Ethos de Responsabilidade Social desde a fundação da entidade, em 1998. Recentemente, Young deixou a presidência do Ethos e anunciou sua pré-candidatura ao Senado pelo PV paulista. O convite partiu da senadora Marina Silva, que tem ligações muito fortes com vários dirigentes de ONGs.
Além de Young, o PV arregimentou ongueiros candidatos para pelo menos três Assembleias Legislativas. Em Santa Catarina, uma das vagas de deputado estadual será disputada pela ambientalista Miriam Prochnow, fundadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida. No Rio Grande do Sul, o partido deverá lançar a candidatura de Gisele Uequed, diretora da Associação Villa Mimosa, uma s ONG de preservação ambiental da cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Em São Paulo, o PV também deverá patrocinar a candidatura do presidente da Associação dos Surdos do Estado, Paulo Vieira. Todos os ongueiros candidatos declaram que resolveram disputar as eleições para tentar aumentar a influência das ONGs e facilitar a implantação de seus projetos.
Qual será o papel da internet na eleição?
Neste ano, os candidatos festejaram a conquista de uma nova vitrine para fazer propaganda política: a internet. Todos apostam na rede como um poderoso meio para interagir com os eleitores, medir em tempo real a reação da opinião pública, debater com os adversários e, no limite, estabelecer a agenda da eleição. Dois fatores ampliaram a relevância da campanha on-line. O primeiro – e mais óbvio – é o crescimento do número de internautas no país. De acordo com o Ibope, o Brasil saltou de 32 milhões de pessoas com acesso à internet nas eleições de 2006 para mais de 66 milhões hoje.
O segundo fator é a nova legislação eleitoral sobre o assunto. Ela dá aos partidos uma liberdade inédita na rede. Ao contrário dos anos anteriores, quando a internet estava sujeita às mesmas restrições aplicadas à TV e ao rádio, neste ano é possível organizar debates livremente, mesmo sem a participação de todos os candidatos, usar redes sociais mesmo antes do período oficial de campanha e fazer da internet um campo de provas para todo tipo de ideia exótica na batalha eleitoral.
Os coordenadores dos principais partidos têm uma inspiração comum. Com um misto de deslumbramento e inveja, todos citam o sucesso da campanha presidencial de Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008. Num país onde a renda, o alcance da internet e a cultura de participação política são maiores, Obama soube usar ferramentas como o Twitter – até então pouco conhecido – para se comunicar com seus eleitores, opinar sobre questões cruciais do país, animar a militância e arrecadar fundos. Ao todo, foram mais de US$ 500 milhões doados por cidadãos e empresas via internet, metade de toda a verba recebida pela campanha de Obama. A esperança dos marqueteiros políticos digitais é obter no Brasil um sucesso comparável.
VEJA
A gangorra dos números
As pesquisas eleitorais surgiram no país há mais de meio século. Mais duradouras que a própria democracia, essas máquinas de captar e aferir tendências buscam reproduzir, com base em entrevistas e projeções matemáticas e estatísticas, cenários reais, seja para averiguar quantos ouvintes tem uma emissora de rádio, seja para verificar o nome mais adequado para uma nova marca de sabão em pó. Os institutos de pesquisa, porém, ganham notoriedade, importância e destaque quando o assunto é eleição. Nada mais compreensível, portanto, que, faltando menos de seis meses para o início do pleito que promete ser o mais interessante das últimas décadas, todas as atenções se voltem para os prognósticos produzidos a partir dos dados colhidos pelos quatro maiores e mais tradicionais institutos brasileiros – Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus. Ao contrário do que se espera de um trabalho cartesiano, os resultados apresentados na primeira grande rodada de pesquisas são discrepantes, sugerem realidades distintas e permitem interpretações variadas e contraditórias. Os números indicam que o ex-governador José Serra está liderando a disputa. Dependendo da pesquisa e de como ela é analisada, a ex-ministra Dilma Rousseff também pode surgir na dianteira. Contemplando ainda um terceiro cenário, nem um empate é descartado. Como as três hipóteses não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, a única certeza é que alguém errou – e errou feio.
O Datafolha coloca o candidato José Serra 10 pontos à frente de Dilma Rousseff. A Sensus, a novata dos grandes, informa que essa diferença é de irrisório 0,3 ponto porcentual. O Ibope, dono do levantamento mais recente, crava o tucano a 7 pontos da petista. No Vox Populi, a diferença entre os dois encolhe para apenas 3 pontos. Em comum, todos apontam a liderança do candidato do PSDB.
O que isso significa? Primeiro que, claramente, quando questionados, há mais eleitores dizendo agora que votariam em José Serra para presidente do que em Dilma Rousseff. Fora isso, todo o resto é menos certo, começando pelo verbo “dizer”, que é bem diferente de “votar”. Se os dois verbos se equivalessem, as eleições no Brasil poderiam ser decididas por aclamação – ou por pesquisas de intenção. Em nenhuma democracia avançada essa possibilidade seria sequer aventada. Os números são ainda menos definidores do quadro político por uma razão adicional: o que se “diz” agora pode não ser o que se “fará” em outubro. Por quê? Principalmente porque a maioria dos 133 milhões de eleitores brasileiros simplesmente não está pensando em eleições e candidatos agora e só vai fazer isso depois da Copa do Mundo, quando a campanha na televisão tiver começado. Mas, do ponto de vista metodológico, a verdadeira barriga de crocodilo das pesquisas de intenção de votos é a margem de erro. Ela é um desvio estatístico inerente à pesquisa – que não existe no voto, que é contado um a um. De modo geral, os institutos de pesquisa assumem que seus resultados são corretos apenas quando considerados dentro de uma faixa que varia 2 pontos para cima ou para baixo. Ou seja, o candidato que aparece com 30 pontos em uma pesquisa pode ter, na margem superior, 32 pontos ou, na margem inferior, 28 pontos. Quando se imagina que um concorrente mais próximo tem sua pontuação submetida ao mesmo sistema, quem aparece em primeiro pode estar em segundo – ou ambos podem estar empatados. Não se fala aqui de Serra e Dilma, mas de candidatos hipotéticos.
Reeleição ou mandato único?
Justifica-se plenamente a percepção geral de que as convicções dos políticos às vezes parecem densas como o ar e sólidas como uma nuvem. Candidato à Presidência da República, o ex-governador José Serra defendeu na semana passada o fim da reeleição e a fixação do mandato presidencial em cinco anos. Serra é do PSDB, partido que patrocinou a mudança na Constituição e permitiu um segundo mandato ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Até bem pouco tempo atrás, o presidente Lula e seu partido, o PT, partilhavam da mesma ideia de Serra. Hoje, no entanto, Lula se transformou em entusiasta da reeleição. Ou seja, nos últimos treze anos, líderes das duas maiores e mais representativas legendas do país mudaram radicalmente de posição. Tucanos, que eram a favor, agora são contra. Petistas, que eram contra, agora são a favor. Reconhecer erros, acertos e propor mudanças pode ser resultado da experiência, do amadurecimento e ponto de partida de um esclarecedor debate sobre os benefícios de cada modelo. Seria muito positivo se esse fosse o caso na discussão atual sobre a manutenção da reeleição ou a volta do mandato único de cinco anos.
Em 1997, quando mobilizou sua base de apoio no Congresso para aprovar a emenda da reeleição, o presidente Fernando Henrique era dono de uma popularidade alta, conquistada, principalmente, com o sucesso do Plano Real. O tucano argumentava que a reeleição era vital para garantir a conclusão do processo de estabilização da economia, o controle da inflação. Teoricamente, nada impediria a troca se outro candidato do partido disputasse e ganhasse a eleição com o mesmo programa econômico de FHC. Mas na prática as coisas eram diferentes. Fernando Henrique temia que as divisões internas sobre a política econômica e o rosário interminável de crises externas se combinassem numa mistura explosiva que poderia pôr a perder os avanços institucionais e a estabilidade conquistados no primeiro mandato. Mas havia mesmo a possibilidade de um sucessor do mesmo partido de FHC embicar o Brasil para um caminho diferente do seguido nos quatro anos anteriores? Havia.
Diz o cientista político David Fleischer, professor da UnB: “Parece óbvio que, se José Serra fosse candidato e tivesse sido eleito presidente em 1998, ele seguiria uma política monetária e econômica diferente da implantada por FHC”.
Depois do escândalo Arruda, só resta a intervenção federal
Quis a sorte que os destinos de Brasília e do paulistano Antonio Cezar Peluso se encontrassem no mais decisivo momento da vida de ambos. Na sexta-feira da semana passada, Peluso assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Pelos próximos dois anos, portanto, ele será o líder do Poder Judiciário. Como presidente do STF, Peluso terá o difícil encargo de relatar o pedido de intervenção federal em Brasília, proposto recentemente pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, como consequência das investigações que desnudaram a absoluta corrosão institucional da capital do país, hoje carcomida inteiramente pelos cupins da corrupção. Para Brasília, a cidade-monumento que completou cinquenta anos na quarta-feira com o espírito alquebrado, a intervenção resta como última esperança para um futuro livre dos erros do passado. Para Peluso, a intervenção impõe-se como um teste de fogo, no qual ele será chamado a provar que está à altura das difíceis responsabilidades do cargo.
Poucos ministros são contrários à necessidade da intervenção. Entre os receosos, a dúvida reside apenas na eficácia da medida – e no possível uso político dela. Diz um ministro: “O problema é que cabe ao presidente da República escolher o interventor. E se Lula optar por alguém que use o cargo para ajudar na eleição de um aliado?”. Nesse cenário de incertezas, o voto de Peluso será determinante. A Constituição prevê a possibilidade de intervenção federal em estados nos quais o “regime democrático” esteja sob ameaça de ruir. Nunca se havia cogitado o uso desse traumático expediente – até virem a público, no fim do ano passado, os irretorquíveis vídeos mostrando que Brasília está sob o comando de uma poderosa organização mafiosa, infiltrada há vinte anos em todos os escalões do poder público.
Um bando que nasceu sob o gênio político do multiprocessado Joaquim Roriz, governador do Distrito Federal por quatro mandatos e que pretende – e tem grande chance de – voltar ao poder nas eleições deste ano. Uma quadrilha que tinha como expoente o ex-democrata José Roberto Arruda, o primeiro governador preso na história do país, criado dentro desse mesmo manto de corrupção. Uma afronta à sociedade agora na pessoa de Rogério Rosso – eleito na semana passada governador com votos de oito deputados que recebiam propina do esquema -, nada mais que um subproduto do mesmo ecossistema de Roriz e Arruda. Diante de tamanha barbárie política, que resiste à exposição contínua dos intestinos da máfia que domina Brasília, o que fazer? Com a palavra, o novo presidente do Supremo.
Os erros do governo no leilão da Hidrelétrica de Belo Monte
A imensidão da hidrografia brasileira tem sido descrita desde o descobrimento. Por volta de 1500, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón batizou o Rio Amazonas de Mar Doce. Não há no planeta mananciais semelhantes. É graças aos seus rios que o país abastece três quartos de seu consumo de eletricidade. Mas, ao contrário de países como a França, que já construiu todas as suas hidrelétricas, o Brasil utiliza, atualmente, apenas 28% da capacidade de gerar energia de seus rios. A região menos explorada é a Norte, devido aos custos de investir ali. Pois hoje são os rios da Amazônia os mais promissores para comportar grandes usinas e atender às necessidades energéticas futuras do país, utilizando uma fonte menos poluente e mais barata do que opções como termelétricas. Daí a importância de retirar do papel a Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, um projeto de mais de trinta anos. Deve ser saudada, portanto, a notícia de que o governo conseguiu fazer, na semana passada, o leilão que selecionou o consórcio que vai construir e administrar a usina, apesar da gritaria (em boa medida, sem nenhuma base) dos ambientalistas de ocasião. O destino da usina, no entanto, segue incerto. Equívocos do governo nas regras da disputa afastaram os principais grupos privados interessados no projeto. A equipe de Lula corre agora para encontrar uma saída que garanta a execução das obras, recorrendo a bilhões de reais em dinheiro público.
Não precisava ter sido assim. O governo poderia simplesmente ter se espelhado no sucesso de dois leilões recentes, das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Ambos os projetos, apesar de ter estatais como sócias, são liderados por empresas privadas. Ao contrário do modelo usado na construção de Itaipu e de outras grandes hidrelétricas estatais, as empreiteiras de Jirau e Santo Antônio assumirão os riscos e serão remuneradas pela venda de energia. Esse sistema inverte a lógica da ineficiência e do desperdício que imperava no passado. Para os investidores privados, quanto antes girarem as turbinas, mais cedo a usina fará dinheiro. Tanto é assim que Santo Antônio e Jirau deverão iniciar suas atividades em 2012, pelo menos um ano antes do prazo previsto. Mas Lula, que tanto se guia por metáforas futebolísticas, resolveu mexer em time que estava ganhando.
O primeiro equívoco foi ter fixado o teto do preço da energia num valor considerado baixo demais. O resultado foi que as duas construtoras mais capacitadas para executar o projeto, a Odebrecht e a Camargo Corrêa, nem chegaram a entrar na disputa. Ofereceram lances apenas dois consórcios. A surpresa maior veio quando saiu o resultado do leilão. O vencedor foi o grupo formado de última hora, liderado pela estatal Chesf, que reúne empresas com poucas credenciais para um projeto de tamanha magnitude. O principal investidor privado é o grupo Bertin, experiente como frigorífico mas neófito no setor de energia. Saiu derrotado o consórcio mais sólido, no qual estavam companhias do porte da Vale, da Votorantim e da Andrade Gutierrez. “Foi a vitória do consórcio estatal sobre o privado”, resumiu a VEJA o diretor de uma grande construtora.
Isto É
A base quer Ciro, a cúpula do PSB, não. Ele ficará sozinho?
Passando por cima do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), da militância socialista e do desejo de cerca de dez milhões de eleitores, a cúpula do PSB fez um acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para retirar a candidatura própria do partido ao Palácio do Planalto. Submetido a um escancarado processo de fritura, Ciro foi informado da decisão da cúpula socialista em reunião realizada na quinta-feira 22. “A situação da candidatura ficou insustentável, Ciro. Precisamos priorizar as eleições estaduais”, disse, em tom seco, o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O encontro ocorreu na sede da Alcântara Cyclone Space e foi testemunhado pelo vice-presidente da legenda, Roberto Amaral. Um quadro relacionando supostos interesses políticos do PSB em cada Estado foi utilizado pelos dirigentes socialistas para convencer Ciro a desistir da empreitada. A leitura do quadro levado pelos chefes do PSB indica que o partido não quer um candidato próprio à sucessão de Lula. O problema é que tudo pode não passar de mais uma manobra mal elaborada. Durante a semana passada, ISTOÉ fez consultas a todos os diretórios regionais do PSB (leia quadro na pág. 38) e, ao contrário do que os dirigentes nacionais do partido tentaram mostrar a Ciro, a maioria da militância apoia a candidatura. Em 13 Estados, incluindo colégios eleitorais como São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará, os socialistas são favoráveis à candidatura de Ciro. Em outros nove Estados os militantes se declaram indecisos e em apenas cinco, incluindo Pernambuco do presidente socialista Eduardo Campos, a legenda se posicionou contra a candidatura. “Essa decisão pegou a gente de surpresa. É muito ruim não ter um candidato. A tendência do partido é sumir do debate nacional”, desabafou o deputado federal Beto Albuquerque, précandidato ao governo do Rio Grande do Sul.
Para não transmitir a impressão de que tomou uma decisão de cima para baixo, como faz parte da tradição do PSB, a cúpula socialista adotou um discurso para uma saída honrosa da disputa. Afirmou que vai consultar as bases na terça-feira 27, na reunião da Executiva Nacional, antes de oficializar o sacrifício de Ciro. Mas é pura encenação. O tiro de misericórdia na candidatura própria foi disparado depois que os caciques socialistas se reuniram com o presidente Lula, com o governador do Ceará, Cid Gomes, e até com a ex- ministra Dilma Rousseff, que permaneceu mais de uma hora na sede do governo no final da tarde da quinta-feira 22. Em entrevista na manhã seguinte, Ciro mostrou que não cairá em silêncio e que o projeto arquitetado por Lula e Eduardo Campos para colocar o PSB na cesta de apoios a Dilma ainda no primeiro turno poderá se transformar em gol contra. “Tiraram de mim o direito de ser candidato. Lula está navegando na maionese. Ele está se sentindo o todo-poderoso e acha que vai batizar Dilma presidente da República”, disse o parlamentar. “Mas ele não é Deus. Pior, ninguém chega para ele e diz ‘tenha calma’.” Também indignado com a cúpula do partido, Ciro disparou contra Eduardo Campos e Roberto Amaral: “Não estão no nível que a história impõe a eles.”
Serra cava o apoio dos verdes
No comando da campanha de José Serra (PSDB) existe a convicção de que os votos da senadora Marina Silva (PV) poderão ser decisivos em um eventual segundo turno na disputa presidencial e de que os verdes podem estar bem mais próximos dos tucanos do que do PT. Os líderes do PSDB calculam que Marina poderá somar cerca de dez milhões de votos e desde já trabalham para trazer para seu ninho boa parte deles. Para isso, procuram construir ainda no primeiro turno algumas pontes mais consistentes, com a partilha de palanques estaduais. As negociações estão bastante avançadas no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e em São Paulo. Na quinta-feira 22, Serra esteve em Natal (RN). Não chegou a se encontrar pessoalmente com a prefeita Micarla de Souza, principal liderança dos verdes no Estado, mas boa parte das articulações tinha o PV como objetivo. A prefeita mantém uma boa parceria com o líder do DEM no Senado, Agripino Maia, responsável pela ponte com os tucanos. “O DEM e o PSDB apoiaram a candidatura de Micarla em 2008 e o PT local faz uma oposição muito forte à prefeita”, diz o presidente do PSDB no Rio Grande do Norte, deputado Rogério Marinho. “Posso assegurar que há 90% de chances de no segundo turno o PV estar com a candidatura de José Serra”, conclui.
Nas 12 horas em que Serra permaneceu em Natal, o ex-governador concedeu entrevistas a rádios e tevês e, além de políticos, manteve contato com empresários locais. Discreta, a prefeita não manifestou apoio direto ao candidato do PSDB, mas não demonstrou nenhuma resistência em estar ao seu lado na disputa presidencial. “Serra é alguém com muitas qualidades. É inteligente e teve a oportunidade de administrar bem o Estado de São Paulo”, afirmou. Ela ressalva, porém, que, apesar da oposição petista a seu governo, conseguiu manter uma boa relação com a ex-ministra Dilma Rousseff nos últimos dois anos.
Carta Capital
Dilma ou Serra?
Estariam os deuses do Olimpo dispostos a exercer sua poderosa influência sobre o resultado de nossa eleição presidencial? Ocorre-me a guerra de Troia. Afrodite, deusa do amor, protegia Páris, filho de Príamo, rei troiano. Pallas Ateneia inspirava o grego Ulisses, rei de Ítaca. Foi ele o inventor do célebre cavalo que enganou os troianos e selou sua derrota.
Afrodite deixou cantar sua vocação e seu destino, preferiu o troiano, belo mancebo, dado mais ao galanteio do que ao duelo, responsável pela guerra ao seduzir e raptar a deslumbrante Helena, mulher de Menelau, irmão de Agamemnon, comandante supremo do exército grego. Pallas, nascida do cérebro de Zeus, fortaleceu em Ulisses a astúcia e a audácia. Deu no que deu.
Decidi recorrer a Homero, o vate cego que contou essa história. Poderia haver por parte dos deuses gregos algum interesse pela refrega que por aqui está a começar? Evitou uma resposta direta, recordou apenas que aquelas divindades tão humanas há muito tempo abandonaram o Olimpo, por não achá-lo suficientemente majestoso, um montezinho, pouco mais que um morro.
Procurei, então, a Sibila de Cuma, celebrada na antiquíssima Roma. Ao soldado que perguntava se voltaria da guerra, respondia: “Ibis, redibis, non morieris in bello”, irás, voltarás, não morrerás na guerra. Caso o militar morresse e a família batesse à sua porta para queixar-se, esclarecia prontamente ter dito: “Ibis, redibis non, morieris in bello”.