Ricardo Ramos e Edson Sardinha
Para o senador tucano Álvaro Dias (PR), o PSDB tem os melhores quadros partidários, mas não consegue mobilizar a sociedade a se insurgir nas ruas contra o governo Lula. Vice-líder da bancada no Senado, o paranaense avalia que o partido também foi atingido pela descrença que se generalizou na sociedade a partir dos recentes escândalos políticos. “A pergunta que a sociedade se faz é: substituir o presidente Lula por quem? Isso inibe e explica por que não há apelo popular para o impeachment. A sociedade aguarda a finalização das investigações e o início do processo eleitoral”, diz.
Integrante da CPI dos Correios, o senador acredita que a oposição perdeu a oportunidade de pedir o impedimento de Lula logo após o depoimento em que o publicitário Duda Mendonça admitiu ter recebido dinheiro de caixa dois do PT no exterior. “A descrença atinge todas as instituições públicas, partidos políticos e políticos de forma geral. Nós só sairemos do chão, em matéria de credibilidade, se concluirmos bem esse processo”, afirma ao Congresso em Foco.
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Segundo o parlamentar, "foi o sonho do projeto de poder a longo prazo" que levou um grupo de petistas a partidarizar o governo e tirar proveito dos recursos públicos. "A idealização não foi de uma única pessoa, mas de um grupo", afirma. "Um grupo de arquitetos formado a partir do presidente da República, passando pelo José Dirceu, mas envolvendo outras lideranças mais afinadas com o presidente. Aí vêm José Genoino, Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, Marcelo Sereno, Silvio Pereira, Luiz Gushiken, um grupo que convivia no interior do partido e depois no interior do governo com o privilégio de circular com facilidade em todos os ministérios", garante.
Apesar da montagem desse "escabroso" projeto, Álvaro Dias considera que a oposição foi cautelosa na reação com o governo petista. Ele atribui a prudência do PSDB em relação a um eventual pedido de impeachment de Lula à dificuldade do partido em preencher o espaço ocupado pelo PT na mobilização da sociedade civil. “O PSDB sempre foi tido como um partido de quadros. Um partido qualificado por possuir os melhores quadros, mas nunca foi um partido de base popular, de militância aguerrida. É um partido que não tem a característica de mobilizar a população nas ruas. E, exatamente pensando nas conseqüências, esta foi uma decisão do partido neste momento: de não provocar mobilização popular. O partido não sentiu ambiente apropriado para esse tipo de procedimento político”, avalia.
A entrevista a seguir foi concedida antes da cassação do mandato do deputado José Dirceu:
Congresso em Foco – Senador, a oposição tem conseguido capitalizar todo o desgaste do PT e do governo Lula nesta crise?
Álvaro Dias – A oposição tem atuado responsavelmente, pensando no interesse do país. É claro que ela investiga, porque é o seu dever, mas não aposta “no quanto pior, melhor”. Há uma exigência da sociedade para que se passe o país a limpo, e a oposição é um instrumento indispensável nessa tarefa. Nós podemos concluir bem esse processo ou desgastar ainda mais a imagem das instituições públicas. Se tivermos competência para apresentar um diagnóstico completo da crise moral que se abateu sobre o país e responder à opinião pública a essa expectativa, poderemos estar preparando o país para um salto de qualidade que ocorreria certamente com as eleições do ano que vem.
O senhor associa esse salto de qualidade a uma eventual vitória do PSDB?
Imagino que, com a valorização dos políticos que honram os compromissos e a condenação, pelo voto, daqueles que não correspondem às expectativas que geraram, independentemente do partido vitorioso, é necessário separar o joio do trigo, separar um dos outros. E esse é o momento adequado para essa avaliação. Com a transparência que a imprensa está proporcionando, a população está tendo mais oportunidade de acompanhar mais de perto o desempenho dos seus representantes.
A base aliada do governo tem dito que a oposição nas três CPIs – atualmente duas, com o fim da CPI do Mensalão – tem utilizado como palanque eleitoral e não para investigar as denúncias. Essa crítica é procedente?
É um absurdo afirmar que não queremos investigar! Imagine se estivéssemos investigando? O que já existe de provas documentais, testemunhais e de confissões importantes que as CPIs arrancaram é suficiente para um relatório arrasador, com indiciamento de muitas pessoas e a recomendação de providências necessárias, sobretudo no que diz respeito aos crimes praticados contra a administração pública, ou seja, os crimes de improbidade administrativa. Nós já temos condições de apontar a origem dos recursos. São contratos superfaturados, licitações fraudadas, aditivos contratuais ilegais, movimentações no sistema financeiro envolvendo instituições públicas, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, numa relação promíscua com instituições privadas do sistema financeiro. Isso nos permite apresentar um resultado final que revela a disposição de investigar. Não há nenhuma dúvida de que o que se está fazendo é investigação, e não campanha eleitoral.
Mas o PT tem alegado que a oposição não quer investigar as denúncias relacionadas ao PSDB, ao governo anterior…
Mas eles querem investigar Pedro Álvares Cabral, Thomé de Souza… Por quê? Eles trouxeram um episódio isolado em 1998, em Minas Gerais. E querem que fiquemos martelando nesse episódio até quando? É evidente que é preciso tirar as conclusões desse episódio. É evidente que a investigação deve ser isenta e não pode privilegiar esse ou aquele partido. Ocorre que nós estamos investigando, e esse foi o propósito da CPI, um gigantesco esquema de corrupção no governo atual. O PT teve oportunidade e até o dever até de, ao assumir o governo, constatando o esquema de corrupção, tomar providências. Se o PT disse que sabia da existência de corrupção no governo anterior, e na presidência da República não tomou providências, cometeu crime de responsabilidade, porque prevaricou. Creio que essa tentativa diversionista de tentar buscar o passado distante tem o objetivo de deslocar o foco da investigação, que é corrupção no governo, assalto ao dinheiro público.
Mas até por isso não se justificaria a investigação sobre os casos Eduardo Azeredo e Fundacentro?
Não, até porque, relativamente ao episódio da campanha de 1998, ninguém apontou a utilização de dinheiro público. Se é uma questão de caixa dois, ótimo: que se recorra à Justiça Eleitoral e que a Procuradoria Eleitoral faça a investigação necessária e julgue. Nós estamos investigando corrupção no governo Lula.
Numa autocrítica, que erros a oposição tem cometido nesta crise?
Os erros são inevitáveis, até porque, na turbulência política em que nos encontramos, é impossível acertar sempre. Nós temos que procurar refletir a opinião pública. Um momento importante que não aproveitamos devidamente foi o depoimento do Duda Mendonça, quando ele forneceu os elementos necessários para discutirmos o impeachment do presidente. Mas, de modo geral, houve uma posição de paralisia dada a gravidade do momento. É evidente que a instalação de um processo de impeachment depende essencialmente de vontade popular.
Mas parece não haver essa vontade popular…
A população tem que convocar, mas nós temos que oferecer a ela também os elementos para que a sociedade se mobilize por meio das entidades. O que eu sinto é que, nesse episódio, as entidades representativas da sociedade estão distanciadas e, de certa forma, paralisadas. Elas foram decisivas no momento de se instaurar o processo de impeachment do presidente Collor. Se elas estivessem neste momento tão enérgicas como naquela época, as condições seriam outras. Mas eu tenho uma explicação para isso, uma justificativa: a descrença se aprofundou e se generalizou. A pergunta que a sociedade se faz é: substituir o presidente Lula por quem? Isso inibe e explica por que não há apelo popular para o impeachment. Falta a conclusão. A sociedade aguarda a finalização das investigações e o início do processo eleitoral.
O senhor considera que falta uma base de apoio popular ao próprio PSDB e à oposição como um todo para se instaurar um processo de impeachment?
Não, não. Realmente a convocação popular não se dirige a um partido. Ela é conseqüência do momento. Como o momento é de descrença generalizada, ela não se dá. A descrença atinge a todas as instituições públicas, os partidos políticos e os políticos de forma geral. Nós só sairemos do chão, em matéria de credibilidade, se concluirmos bem esse processo.
Mas isso aconteceria mesmo se o PSDB tivesse uma militância como, por exemplo, a do PT?
O PT perdeu a sua militância há algum tempo. Nas eleições municipais nós vimos cabos eleitorais pagos do PT nas ruas, não mais os militantes. A posse do presidente Lula, a mudança do discurso, o descumprimento dos compromissos, o sepultamento dos principais postulados do partido, o rasgar da bandeira da ética, tudo isso levou à pulverização da militância petista. Isso já se verificou no processo eleitoral de 2004.
E a militância do PSDB, onde está?
O PSDB sempre foi tido como um partido de quadros. Um partido qualificado por possuir os melhores quadros, mas nunca foi um partido de base popular, de militância aguerrida. É um partido que não tem a característica de mobilizar a população nas ruas. E, exatamente pensando nas conseqüências, esta foi uma decisão do partido neste momento: de não provocar mobilização popular. O partido não sentiu ambiente apropriado para esse tipo de procedimento político.
Esse distanciamento da sociedade é um dos erros do PSDB?
Exatamente. O partido se qualificou pelos quadros que granjeou. São os mais preparados da política. Agora se confirma isso, quando o PT teve oportunidade de ser testado.
Mas até que ponto a CPI ainda pode chegar? Em que linha as investigações ainda podem avançar?
Acredito que o trabalho dela é mostrar, com maior clareza, a origem dos recursos. Além de mostrar a origem e o caminho da origem até o destino, apontar com bastante coragem as pessoas responsáveis, os arquitetos do plano e os operadores do sistema, que é a conseqüência dessa relação promíscua Executivo-Legislativo, envolvendo alguns partidos e muitos políticos. E, é claro, abrindo espaço para a presença privada nesse modelo de corrupção. A CPI tem a responsabilidade de apontar, com muito rigor, que o Executivo é o grande corruptor nesse processo. O governo Lula se constituiu num corruptor com capacidade de envolver muita gente. Certamente, não vamos alcançar todos os envolvidos, mas muitos deles.
Quem é o grande responsável por esse esquema?
Foi o sonho do projeto de poder a longo prazo. A idealização não foi de uma única pessoa, mas de um grupo. Um grupo de arquitetos formado a partir do presidente da República, passando pelo José Dirceu, mas envolvendo outras lideranças mais afinadas com o presidente. Aí vêm José Genoino, Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, Marcelo Sereno, Silvio Pereira, Luiz Gushiken, um grupo que convivia no interior do partido e depois no interior do governo com o privilégio de circular com facilidade em todos os ministérios. A quebra do sigilo telefônico revela isso com clareza. A parte escabrosa desse projeto de poder a longo prazo foi a captação de recursos para dar sustentação financeira à estrutura partidária. É claro que houve partidarização do Executivo com esse objetivo na medida em que se priorizou esse projeto de poder e se esqueceu do projeto de nação, priorizando-se a militância partidária em cargos importantes, principalmente aqueles que movimentaram valores financeiros comprometendo a qualidade administrativa. Em vez da qualificação técnica, optou-se pela qualificação partidária em todas as áreas, mas, sobretudo, em áreas que mobilizavam recursos financeiros.
O senhor considera que o ministro da Fazenda saiu-se bem em suas explicações ao Congresso?
Estrategicamente ele é o melhor comunicador do governo. Ele tem tido mais sucesso ao estabelecer a sua própria estratégia de defesa. O discurso dele é adequado em relação à crise que envolve o governo. Por isso, Palocci acaba se sustentando dentro do governo. Agora, a questão é a seguinte: ele ainda não chegou aonde deve chegar para responder às denúncias. Ele esteve em comissões para discutir política econômica e não para responder a denúncias de corrupção. Quem tem prerrogativas para investigar corrupção é CPI O relatório final da CPI não pode ficar apenas na denúncia. Até por uma questão de oferecer oportunidade de defesa, o ministro tem que ser chamado para que possa responder às denúncias, a fim de que o relatório final não seja parcial. É claro que na CPI ele terá um questionamento mais duro. Não só sobre a sua gestão em Ribeirão Preto, como também sobre a sua gestão na coordenação da campanha do presidente Lula. Há fatos que dizem respeito a Ribeirão, alguns à coordenação de campanha e outros ao exercício da função no ministério. Gtech, por exemplo, é um fato já decorrente da administração Lula.
O que a oposição pode explorar nesse eventual depoimento do ministro da Fazenda?
Todas as denúncias feitas até agora. Principalmente a participação dos seus assessores próximos nos episódios que resultaram em denúncias: Buratti, Poleto, Dourado, pessoas que já estão atingidas e que repassaram responsabilidade. E nós temos que chegar, no Brasil, a esta fase: a autoridade é responsável pelos atos de seus subalternos. Nós temos que chegar à fase em que se estabelece a obrigação de saber. A autoridade tem obrigação de saber. Os atos praticados pelos seus subalternos têm que ser do conhecimento da autoridade. Ela tem que assumir inteira responsabilidade.