A construção de uma carreira parlamentar depende, direta e indiretamente, de uma série de fatores que vão desde o aspecto partidário e das habilidades pessoais do político, passando pelo financiamento de campanha e índice de renovação na Casa Legislativa, até custos de imagem e o modo como estão organizados os trabalhos no Congresso.
O primeiro aspecto, de natureza partidária, possui várias dimensões e podem se constituir em facilidades ou obstáculos a uma carreira parlamentar bem sucedida. Pesam numa direção ou noutra a doutrina e o programa do partido, o tamanho da bancada, sua credibilidade em âmbito nacional e local, a forma como distribui missões aos seus parlamentares, entre outras.
No Parlamento, o único ator institucional é o partido e, portanto, qualquer posto, cargo ou missão parlamentar depende da escolha ou designação da liderança partidária, daí a quase completa dependência do titular do mandato em relação à direção e/ou lideranças do partido.
É comum parlamentares com boa formação, habilidosos e talentosos serem literalmente ignorados nas indicações para a Mesa Diretora, para a presidência de Comissões ou mesmo para a relatoria de matérias relevantes pelo simples fator de não gozarem da simpatia ou por divergirem da cúpula do partido. Ou seja, muitas vezes o critério é mais de afinidade e lealdade ao líder, ao partido, do que propriamente de conhecimento e capacidade para bem conduzir a matéria.
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Pode-se afirmar que, com raríssimas exceções, dificilmente um parlamentar será considerado influente se não ocupar postos relevantes, seja como líder, vice-líder, presidente de comissão, membro da mesa ou relator de matérias importantes.
As exceções ficam por conta de políticos com notória especialização, de pessoas com trajetória político/profissional anteriormente reconhecida, ou de grandes lideranças setoriais e celebridades, as quais podem ser oferecidas oportunidades para participar dos debates, articulações, negociações e formulações das políticas públicas de modo suprapartidário.
PublicidadeEm geral, são três os aspectos considerados para efeito de influência parlamentar: o aspecto institucional ou o posto que parlamentar ocupa no partido ou na estrutura da Casa; o aspecto reputacional ou como o parlamentar é visto por seus colegas, por jornalistas, analistas políticos e consultores legislativos e outros atores importantes; e o decisional ou como se comportam os parlamentares frente ao processo de debate, votação, articulação etc.
O segundo aspecto, os custos de campanha, é fundamental para a decisão política de tentar ou não renovar o mandato, já que o preço das campanhas tem se tornado proibitivo no Brasil. Uma campanha para deputado federal varia entre um e cinco milhões de reais.
As campanhas tem se mercantilizado. Muitos parlamentares, especialmente os que são eleitos pelo voto de opinião, desistem ou não renovam seus mandatos em função dos custos de campanha. Ou acham humilhante pedir doação; ou não existem pessoas dispostas a financiar sua campanha; ou os recursos próprios não são suficientes para uma campanha competitiva com seus adversários.
O fato é que, mesmo o Estado assumindo os custos do horário eleitoral gratuito, a produção dos programas e a confecção de material, além dos gastos com profissionais, alugueis de comitês, transporte e alimentação da equipe e cabos eleitorais são exorbitantes.
O terceiro aspecto que interfere na carreira parlamentar está relacionado ao índice de renovação no Congresso, especialmente na Câmara, que historicamente tem sido superior a 40%, ultrapassando os 50% nos momentos de grandes crises éticos-morais no Parlamento, conforme tabela abaixo.
Quadro resumo do resultado de eleições para a Câmara no período de 1990 a 2014 (fonte: Diap)
Ano da eleição | Composição da Câmara no ano da eleição | Nº de Candidatos à reeleição | Índice de re-candidatura | Nº de reeleitos | Índice de reeleição | Índice de renovação |
1990 | 495* | 368 | 74,34% | 189 | 51,35% | 62% |
1994 | 503** | 397 | 78,92% | 230 | 57,93% | 54% |
1998 | 513 | 443 | 86,35% | 288 | 65,01% | 43% |
2002 | 513 | 416 | 81,09% | 283 | 68,02% | 46% |
2006 | 513 | 442 | 86,16% | 267 | 52,04% | 47% |
2010 | 513 | 407 | 79,33% | 288 | 56,14% | 44% |
2014 | 513 | 387 | 75,43% | 273 | 70,54% | 47% |
*A composição da Câmara para legislatura de 1991 a 1995 passou de 495 para 503 deputados em razão da transformação dos territórios dos Amapá e Roraima em Estado, que aumentaram suas bancadas de quatro para oito deputados;
**Lei Complementar aumentou a bancada de São Paulo de 60 para 70 deputados. A composição da Câmara para a legislatura de 1995 a 1999 passou de 503 para 513 deputados. |
O índice de renovação, apesar das vantagens comparativas dos candidatos à reeleição frente aos que estão fora do mandato, é muito alto no Brasil.
Entre as vantagens dos candidatos à reeleição, pode-se mencionar: i) serviços prestados à população e ao estado; ii) estrutura de gabinete, com verba e pessoal; iii) nome e número conhecido; iv) bases eleitorais, financiadores de campanha e cabos eleitorais fidelizados; e v) fácil acesso às autoridades e aos veículos de comunicação.
O índice de aproveitamento dos candidatos à reeleição tem sido superior a 70%. Ou seja, dos que concorrem à reeleição, pelo menos dois terços conseguem renovar seus mandatos. Isto se deve, em grande medida, às vantagens dos detentores de mandato em relação aos novos postulantes ou candidatos sem mandato.
Portanto a renovação – que em grande medida representa circulação no poder, com o retorno de quem já exerceu outros mandatos no Executivo ou no Legislativo – é resultado da desistência da reeleição de pelo menos 20% dos titulares de mandato e o restante decorre de derrota dos que tentaram renovar seus mandatos.
É comum, em momentos de crise, não haver distinção entre os inocentes e culpados, em que parlamentares exemplares são punidos com a não-reeleição em função da ira popular ou eleitoral em relação a desvio de conduta ou prática de corrupção por parte de outros parlamentares.
O quarto aspecto, de custo de imagem, possui forte apelo negativo entre parlamentares e postulantes ao parlamento que tenham vida profissional organizada, porque deixariam sua atividade original – de assalariado, profissional liberal ou empresário – para continuar ou ingressar na vida política, com toda ordem de constrangimento a que estão ou estarão sujeitos em período de grandes escândalos, já que o senso comum não costuma separar o joio do trigo.
Em geral, os potenciais postulantes a mandatos são desaconselhados pela família, por amigos, por vizinhos, por colegas de trabalho e por clientes, entre outros, porque ficarão expostos aos holofotes, podendo ter que responder por comportamentos alheios. A tendência natural é transformar o erro individual no erro da instituição.
Este aspecto, certamente, favorece aqueles que decidem continuar na vida pública, já que candidatos com grande potencial de eleição – e, uma vez eleito, de fazer um bom mandato – desistem de concorrer para evitar esse tipo de desgaste, ampliando as possibilidades de reeleição dos que já detém mandato.
O quinto aspecto, relacionado ao modo como se desenvolvem as atividades na Câmara, também interfere na carreira parlamentar.
Normalmente, o critério utilizado pelos líderes contribui para desestimular os bons parlamentares de continuarem no exercício de mandatos. Muitos deles se sentem inúteis por não serem recrutados para relatoria, presidência de comissões, liderança ou vice-liderança, atividades que permitem participação efetiva na formulação, no debate ou negociação do conteúdo das políticas públicas.
De fato, como já citado anteriormente, todo o trabalho do Congresso – Câmara e Senado – gira em torno das lideranças partidárias, que possuem a prerrogativa de indicar os relatores, escalar os vice-líderes, escolher os presidentes de comissões, bem como definir os nomes que assumirão missões relevantes em nome do partido.
Além da dependência dos líderes, os deputados são reféns da permissividade regimental, que possibilita à oposição, e também ao Governo, obstruírem de modo até irracional o processo de deliberação, com pedido (requerimento) de retirada de pauta, de inversão de pauta e de adiamento, inicialmente por dez, depois por nove, oito, sete, seis, cinco ou duas sessões, interrompendo as deliberações por tardes, dias, semanas e até meses.
Imagine um parlamentar ficar de seis a dez horas por dia à disposição das lideranças – sem poder ler um livro, sair para lanchar, comparecer a uma audiência ou mesmo estudar matéria que esteja relatando – apenas para derrubar ou aprovar um requerimento de obstrução da oposição ou do próprio Governo, para não correr o risco de ser tido como gazeteiro.
O direito de obstrução deve ser assegurado, especialmente para a minoria, mas há que se ter um mínimo de racionalidade, sob pena de desmoralização desses recursos legítimos da disputa política. Não parece racional se permitir tantos requerimentos de adiamento nem tampouco tantas pessoas poderem falar contra e a favor desses requerimentos com o nítido interesse de protelar a decisão.
Nesse ambiente complexo, o sonho de consumo de muitos parlamentares de boa formação e com capacidade de liderança, além de vontade de deixar sua marca na vida pública, é migrar para o Poder Executivo, no qual o resultado do trabalho parece mais visível.
Com isto, a carreira parlamentar cada vez mais, com raras exceções, fica restrita a parlamentares provincianos, endinheirados, beneficiados por relação de parentesco com caciques políticos, celebridades, membros de corporações, pastores evangélicos e apresentadores de rádio e TV, tornando-se cada vez menos atraentes para quem efetivamente tem visão republicana e compromisso com os interesses coletivos.