A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (2), um projeto de lei que prevê a anistia aos policiais militares envolvidos no massacre do presídio de Carandiru, quando uma intervenção da Polícia Militar do estado de São Paulo na penitenciária resultou na morte de ao menos 111 detentos em 1992. O projeto ainda será discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de levado a plenário.
O projeto, de autoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP), prevê que a anistia é concedida “aos agentes de segurança pública do estado de São Paulo processados ou punidos por condutas decorrentes da ação para a contenção da rebelião”, tanto pelo cometimento de crimes previstos no código penal quanto no código penal militar.
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Segundo seu autor, os policiais, condenados pelo Superior Tribunal de Justiça, são muitas vezes condenados de forma indevida. “Parte do Ministério Público e da Justiça, formada na doutrina garantista, sustenta a condenação de agentes de segurança pública somente por estarem no local do fato que ocorreu evento morte para conter o motim, mesmo sem haver a demonstração de nenhuma conduta individual certa e definida”, afirma na justificação.
Essa avaliação judicial, ao seu ver, viola o princípio da individualização da pena, um dos pilares do direito penal brasileiro. “Não há qualquer respaldo constitucional para a condenação desses profissionais sem elementos individualizados que apontem a relação entre os fatos delituosos e a autoria”, avalia. Para ele, os policiais sofreram “punições indevidas com motivação meramente ideológica”.
Na CCJ, um dos opositores ao projeto é o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos. Ao seu ver, a anistia já nasce a partir de uma recusa do autor em aceitar o cumprimento da legislação criminal. “O Código Penal prevê os excludentes de ilicitude, que incluem o estrito cumprimento do dever legal. Se houve a condenação, é porque se verificou que o que se fez ali foi uma matança. (…) A lei pode retroagir, mas não para encobrir crimes como esses que inclusive já transitam em julgado”, explicou.
Além disso, o parlamentar ainda aponta para o risco do projeto comprometer a própria imagem do Congresso Nacional. “Durante a operação, havia total assimetria na relação entre as partes. Houve uma invasão violentíssima, houve uma chacina que repercutiu no mundo inteiro e envergonhou o país. O Congresso Nacional passar pano para uma brutalidade dessa viola a legislação final”, apontou.
Orlando Silva avalia que, por conta da natureza das discussões da Comissão de Segurança Pública, o projeto não deverá prosperar na CCJ ou no plenário. “A comissão virou um biombo de deputados que tem uma relação com a polícia. Ninguém leva mais a sério os debates por lá, não tem mais um critério, apenas a elaboração de discursos e narrativas para falar para uma base de polícias. Isso inclusive já altera o sentido das comissões da Casa”, declarou.
Luis Miranda (Republicanos-DF), favorável ao projeto, já considera que as chances de aprovação em plenário são elevadas. “Nós já vimos que a segurança pública tem em torno de 300 votos, com proporção em todas as comissões. Somando a bancada evangélica, as bancadas que defendem a segurança pública e a direita como um todo, temos essa margem de votos”, explicou. Para aprovação em plenário, o projeto precisa de 257 votos.
O deputado, porém, considera que o projeto ainda deve passar por novas mudanças em sua tramitação. “Vamos trabalhar para que seja aprovado sim, mas sempre observando, podendo excluir um ou outro parágrafo porque discordo em dar anistia à parcela de policiais que de fato cometeram crime. Se ele cometeu, ele tem que pagar. Mas aquele que estava em uma operação, cumprindo ordens, e a operação resultou em um episódio muito triste como o que aconteceu, a gente também não pode punir de forma nenhuma”.
Massacre de Carandiru
Penitenciária de Carandiru é como foi chamada a Casa de Detenção de São Paulo, na zona norte da cidade, e demolida em 2002. Foi o principal presídio da capital paulista, e sofria de problemas internos de superlotação, controle de setores por gangues, falta de saneamento básico, violência entre detentos, surtos de doenças, falta de atendimento médico, entre outras dificuldades.
Em 2 de outubro de 1992, um conflito entre detentos resultou em uma rebelião generalizada em um dos pavilhões do presídio. A tropa de choque da polícia militar, comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para intervir no motim. Além de abrir fogo contra participantes diretos da rebelião, os policiais entraram no pavilhão, matando detentos nas celas. Ao menos 111 pessoas morreram na operação.
O massacre serviu como marco de origem do Primeiro Comando Capital (PCC), facção criminosa originária nos presídios paulistas. Segundo seus fundadores, o grupo surgiu a partir de detentos que se indignaram com a chacina, e se organizaram em resposta.