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No início do ano, entre março e abril, insatisfeitos com as condições de trabalho, um grupo de operários iniciou um motim que culminou em incêndio na madrugada do dia 2 abril, quando parte dos alojamentos da usina de Jirau foi totalmente destruída. Ao todo, 36 das 57 instalações à margem direita do Rio Madeira foram incendiadas.
Assista a cenas do incêndio nas instalações da hidrelétrica:
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Como reação, a polícia prendeu 25 pessoas durante os protestos grevistas, 13 das quais estão desaparecidas, e duas presas. As informações foram levadas à CDH por um representante do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo), José Pimenta, que acompanhou o operário Raimundo Braga Souza, 22 anos, no depoimento ao colegiado.
Tráfico de pessoas
Naquela madrugada, Raimundo foi preso e, sem qualquer procedimento judicial, ficou entre o centro de detenção local e um presídio por 54 dias. Foi nesse período que, diz o operário, foi torturado para confessar participação no motim. Ele disse que foi submetido a condições sub-humanas, com longos intervalos de tempo sem comida, água para beber ou escovar os dentes. Nem a banho os detentos tiveram acesso, disse o operário, interiorano do Piauí que foi recrutado por um aliciador de mão-de-obra (o chamado “gato”), a quem devia R$ 500 como condição para a contratação nas obras da usina. Segundo a Comissão de Direitos Humanos, trata-se de crime de tráfico de pessoas previsto na Convenção Internacional de Palermo, instrumento de cooperação jurídica assinada por 192 países em 15 de novembro de 2000.
“A cela tinha três metros de comprimento por metro e meio de largura. Tinha mais seis pessoas. Não tinha colchão, era no chão puro. Sou pobre, porém mereço respeito. Não faria nada daquilo que me acusaram, mesmo porque eu precisava do trabalho”, afirmou Raimundo, que teve pertences e documento retidos pela Construtora Camargo Corrêa, responsável pelas obras civis da usina. O operário foi solto por faltas de prova, e mesmo assim por intervenção da Associação dos Advogados do Povo, que atua em Rondônia.
Além da Cebraspo, a Liga Operária de Rondônia participou da reunião da CDH. As entidades elaboraram petição pública e encaminharam a órgãos do governo federal em busca de providências sobre as denúncias e punição aos responsáveis pelo desaparecimento dos grevistas.
Providências
Tanto a Comissão de Direitos Humanos da Câmara quanto a CPI do Tráfico de Pessoas, instalada em 3 de abril, já estudam ações sobre as denúncias dos trabalhadores. A comissão de inquérito realiza hoje (terça, 10), em sessão secreta, oitiva com Dalton dos Santos Avancini e Victor Paranhos, representantes do consórcio UHE Jirau. Também falarão ao colegiado Cleonilde Nunes Serrão e Ermógenes Jacinto de Souza, que prestarão esclarecimentos sobre a contratação de operários de outros estados nas obras da usina.
O vice-presidente da CDH, o deputado Padre Ton (PT-RO) disse ao Congresso em Foco que as condições de trabalho nos canteiros de obras de Jirau são análogas à escravidão. “O relato desse rapaz foi uma bomba. Isso é uma vergonha para o nosso país, sexta economia do mundo, que cresce economicamente. É um absurdo ainda termos um exemplo como esse dentro de obras feitas com recursos do próprio governo federal. É uma situação análoga à escravidão”, lamentou o deputado, que visitou as obras em 22 de março com o presidente da comissão, Domingos Dutra (PT-MA), e com ele atestou as violações trabalhistas, que coincidem com a recente aprovação da PEC do Trabalho Escravo.
Padre Ton disse que o depoimento de Raimundo será anexado ao relatório da diligência feito com Dutra sobre a situação nas obras da usina. O deputado rondoniense disse que, mesmo na condição de parlamentar a serviço de uma comissão do Congresso, teve de esperar por quase duas horas do lado de fora das instalações até ser autorizado a falar com a chefia do empreendimento. Foi quando percebeu algo além das condições insalubres de trabalho.
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“Quase não vemos trabalhadores de Rondônia nas obras. As pessoas estão trabalhando em confinamento, sem ter direito a lazer nem a escolhas, sem ter direito a ir à cidade. Isso causa um estado de aflição e insegurança”, acrescentou o deputado, apontando o tráfico de pessoas e lembrando que grupos de trabalhadores, “visivelmente apreensivos”, evitavam dar informações, com medo de retaliações dos policiais do Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar Rondônia. Homens da Força de Segurança Nacional também foram deslocados para Jirau depois do incêndio. “Eles estavam dando segurança para a empresa, e não para os trabalhadores. Eles estavam coagindo os trabalhadores.”
Dilma preocupada
Padre Ton disse ainda ter ouvido relatos de um assassinato de um operário em Jaci Paraná, município a cerca de 20 quilômetros do canteiro de obras e a 80 quilômetros da capital Porto Velho. “A presidenta Dilma está muito preocupada com a situação”, concluiu o deputado, que já se reuniu diversas vezes com o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e com representantes do sindicato da construção civil de Rondônia, entre outras entidades, mesmo antes da visita a Jirau.
Presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) disse à reportagem que o empreendimento não pode continuar nos moldes atuais. “É inaceitável. É um relato surreal o que ouvimos do Raimundo, um trabalhador aliciado por um ‘gato’ no interior do Piauí e atraído por conta da sua baixa escolaridade e refém das estatísticas absurdas de desemprego do Brasil. Ele ficou um mês lá e gastou todas as economias que levou, e depois ficou submetido às condições sub-humanas verificadas”, declarou o deputado. Segundo Arnaldo Jordy, representantes do governo federal, do consórcio responsável pelas obras de Jirau e da Eletronorte, entre outros, já têm requerimento de convocação formalizado na CDU e terão de prestar esclarecimentos.
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