Mário Coelho
Apesar de a pauta estar trancada por medidas provisórias (MPs), os deputados pretendem votar ainda nesta quarta-feira (4), em sessão extraordinária, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 351/09, que muda as regras de pagamento dos precatórios. Polêmica, a proposta foi aprovada na semana passada em comissão especial.
A PEC permite aos Estados e municípios retardar o pagamento e obter descontos de dívidas estimadas em R$ 100 bilhões com empresas e pessoas físicas. O projeto prevê que 50% dos recursos que serão reservados aos precatórios serão destinados ao pagamento em ordem cronológica de apresentação. Os 50% restantes poderão ser pagos por meio de leilão ou de câmaras de conciliação, onde as duas partes poderão entrar em acordo.
De acordo com o texto de Eduardo Cunha, os débitos de natureza alimentícia de credores com idade acima de 60 anos ou portadores de doença grave terão prioridade. São aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez. “Vamos votar a PEC porque ela é boa para os aposentados também”, disse o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Eduardo Cunha disse ao Congresso em Foco que vai apresentar um relatório com “duas ou três mudanças” em comparação ao texto aprovado na comissão especial. Uma delas é relativa às pessoas com mais de 60 anos. “Existe um vácuo na redação que vamos corrigir”, afirmou. A intenção é reforçar a ideia de que quem tiver mais de 60 tenha prioridade absoluta no recebimento dos títulos.
O montante que os estados, o Distrito Federal e os municípios terão para pagar os precatórios será estabelecido segundo o tamanho do estoque de títulos e a receita corrente líquida (RCL) da “entidade devedora”. A proposta também estabelece os limites para pagamentos de precatórios.
Para os estados e o Distrito Federal, o percentual da receita direcionada à composição dessa conta será de no mínimo 1,5% para os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, além do DF, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder até a 35% da RCL.
Para os estados das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 35% da RCL, o percentual será de no mínimo 2%. No caso dos municípios, o percentual da receita direcionada a essa conta será de no mínimo 1% para municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, ou cujo estoque de precatórios pendentes corresponder a até 35% da RCL. Para as outras cidades, o percentual é de pelo menos 1,5%.
Polêmica
“Hoje não se paga precatório. Com esse projeto, cria-se uma regra para começar a pagar”, disse ao site o líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC). Apesar de considerar a matéria “boa”, Coruja adiantou que vai esperar o relatório de Eduardo Cunha ser apresentado para estudá-lo mais a fundo. Se for o caso, o partido ainda pode apresentar emendas ao texto. A posição de Coruja reflete o comportamento de boa parte dos parlamentares, tanto de oposição quanto de situação. Ex-prefeito de Lages (SC), o líder do PPS acredita que o pagamento das dívidas pode engessar uma gestão.
A pressão contra a PEC vem de fora. Entidades do meio jurídico vêm se opondo ao texto desde que as discussões começaram. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, afirmou em audiência pública na Câmara, em junho, que não se pode admitir que o “credor seja castigado por essa emenda constitucional”.
“Credor esse que já percorreu um longo caminho, que já viu o seu pleito estender-se ao longo do tempo em todas as instâncias judiciais”, afirmou na época.
Valadares disse também que o credor já teve seu direito reconhecido em todas as instâncias, sem mais ter possibilidade de recurso judicial. “Não é admissível, não é aceitável que uma decisão judicial não tenha eficácia.” Para o presidente da AMB, não há por parte da advocacia da OAB, nenhuma tentativa de inviabilizar e de trazer mais obstáculos e mais dificuldades ao gestor público.
“O problema é que a outra ponta não pode ser mais sacrificada, não podemos sacrificar ainda mais aquele que, sem o seu direito reconhecido, perde a perspectiva, após conseguir uma decisão judicial transitada em julgado, do recebimento do direito que já não pode ser mais contestado.”
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, voltou hoje à carga contra a PEC. Ele, que já havia qualificado a proposta como o “maior calote da América Latina”, disse que, se aprovada, a medida vai “tratorar as decisões judiciais que mandam pagar os precatórios”. “[Isso significa] um total desrespeito à magistratura, à coisa julgada e à dignidade da pessoa humana, pois a PEC não respeita direitos dos cidadãos aos seus créditos, muitas vezes para fazer frente a necessidades urgentes”, afirmou.
“Mesmo que a dívida um dia venha a ser quitada, o que no caso de alguns Estados pode chegar a 100 anos, como no Espírito Santo, isso se dará a valores aviltados, o que é um absurdo e um calote sem precedentes”, disparou Britto.
Ele lembrou que a PEC foi proposta pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), após sugestão do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim. “É inadmissível que um ex-presidente da mais alta corte do país seja responsável pela criação desse monstrengo que é a PEC do Calote, que vai aniquilar as decisões oriundas dos próprios magistrados”, concluiu.
Isenção
Outra matéria que pode ser votada na sessão extraordinária ainda hoje é a Proposta de Emenda à Constituição 98/07, conhecida como PEC da Música. A proposta dá isenção fiscal de até 25% para a produção e comercialização de discos e DVDs musicais, como forma de barateá-los.
A intenção é combater o comércio ilegal desses produtos. Em sua justificativa, a PEC se apresenta como “um brado em defesa da cultura nacional, (…) diante da avalanche cruel de pirataria e da realidade inexorável da rede mundial de computadores (internet)”.