O gabinete de Adão Pretto (PT-RS) funciona como uma espécie de embaixada da “Via Campesina”, organização não-governamental que defende interesses de pequenos e médios agricultores, além de defender a reforma agrária. É mais conhecida por um dos seus associados mais famosos, o sindicalista Jose Bové , ativista francês contra a globalização e os transgênicos. Logo na entrada do gabinete, o visitante se depara com uma foto enorme de Adão Pretto ao lado de Fidel Castro, em Cuba.
Aos 58 anos e pai de oito filhos, Adão Pretto participou de praticamente todos os movimentos católicos dos últimos trinta anos: Pastoral da Terra e Comunidades Eclesiais de Base. Ele não hesita em apontar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, como um dos inimigos da reforma agrária.
“Como o ministro Palocci é uma pessoa urbana, que não tem trajetória na questão rural, a reforma agrária não é prioridade entre os seus objetivos. Nós achamos que o Brasil não vai encontrar saída se não fizer a reforma agrária”, afirmou.
Ele falou duas vezes ao Congresso em Foco nos últimos 30 dias. Na primeira entrevista, antes de estourar o escândalo Waldomiro Diniz, ele criticou o andamento da reforma agrária no governo Lula, apontou divisões internas no ministério e avisou que o MST vai continuar a invadir fazendas.
Na segunda parte da entrevista, este semana, ele falou do caso que abalou o Palácio do Planalto e ressuscitou a idéia de uma CPI ampla para investigar a presença de dinheiro do jogo do bicho nas campanhas eleitorais de todos os partidos.
Leia abaixo os melhores momentos das entrevistas com Adão Pretto.
Congresso em Foco – O PT é coerente com sua história política ao se posicionar contra a instalação de uma CPI para apurar o possível envolvimento do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil em irregularidades?
Adão Pretto – Defendemos uma CPI sobre gastos de campanha, que envolveria a questão dos bingos e do jogo do bicho, já que tem muita denúncia de que esses jogos têm contribuído para a eleição de alguns políticos. Mas a direita não aceita esse tipo de investigação. Seria uma apuração mais abrangente, porque investigaríamos todos os partidos, a origem dos recursos utilizados nas eleições.
"Defendemos uma CPI sobre gastos de campanha, que envolveria a questão dos bingos e do jogo do bicho. Seria uma apuração mais abrangente, porque investigaríamos todos os partidos"
Na oposição, o PT sempre criticava o Planalto quando o governo obstruía a instalação de uma CPI. O partido não está repetindo a estratégia do governo anterior para abafar eventuais denúncias contra seus membros?
Não vejo a necessidade de uma CPI para o caso Waldomiro. Ele era um assessor que trabalhava na Casa Civil, o que não é pouca coisa, e temos o maior interesse de averiguar essas denúncias. Para isso, o governo criou uma comissão especial na Polícia (Federal) para investigar isso. Se ele for culpado, como o próprio presidente Lula disse na Festa da Uva em Caxias (RS), nós somos os maiores interessados em descobrir. Se alguém estiver envolvido, não interessa se é companheiro, tem de ser punido. Agora, uma CPI como a direita está querendo não é para investigar o Waldomiro. Eles querem desestabilizar e criar problemas para o governo. Nesse caso, não é viável uma CPI.
O governo acertou ao editar a medida provisória que proíbe o funcionamento dos bingos e outros jogos eletrônicos?
Fez um golaço nisso aí, acertou em cheio. Agora o Congresso Nacional fica responsável por fazer a lei que estava faltando. Desde que cheguei aqui se discute se legalizamos ou proibimos o jogo, mas nada se resolve. Havia deputados que queriam legalizar, outros que eram totalmente contrários e um terceiro grupo favorável a deixar como estava. Enquanto isso, os jogos aconteciam normalmente. Essa medida do governo obriga o Congresso a aprovar uma legislação. Proíbe-se ou libera-se.
Particularmente, qual a posição do senhor?
Em princípio, sou favorável a uma legalização com rígida fiscalização, com cobrança de tributação. Mas, entre liberar completamente e fechar, prefiro que se feche. Do jeito que está não dá para continuar.
Que avaliação o senhor faz deste primeiro ano de governo quanto à reforma agrária?
Ainda não perdi a esperança, apesar de que no primeiro ano o governo deixou muito a desejar. Não perdi a esperança porque o companheiro Lula é apaixonado pela reforma agrária. Estive junto com ele várias vezes em acampamentos e assentamentos. Vi, num acampamento de brasiguaios, brasileiros que emigraram para o Paraguai e voltaram para o Brasil, o Lula dizer para as crianças que, se algum dia ele fosse presidente do país e não pudesse fazer nada, pelo menos a reforma agrária ele iria fazer. Ele dizia isso com lágrimas nos olhos. O Lula não é o governo que nós queríamos, que nós sonhávamos, não a pessoa do Lula, mas o resultado eleitoral.
"O Lula não é o governo que nós queríamos, que nós sonhávamos, não a pessoa do Lula, mas o resultado eleitoral"
Como assim?
No Rio Grande do Sul, a maioria dos eleitores que votou no Lula também votou no Germano Rigotto (PMDB), no Zambiasi (senador pelo PTB) e nos deputados da direita. Assim como em São Paulo, onde o eleitor votava no Lula, no Maluf e no Enéas. Foi assim no Brasil inteiro. Esse voto despolitizado fez com que nós elegêssemos o Lula com 52 milhões de votos e, dos 513 deputados, ficássemos com 93. Dos 81 senadores, elegemos 14. Dos 27 governadores, elegemos 3. O governo Lula teve de montar esse governo que está aí e que nós não queríamos. Aí tem ministro que defende a reforma agrária e ministro que é contra a reforma agrária, claro que não diz isso publicamente, mas tem esse obstáculo. Com a lei que nós temos está difícil fazer reforma agrária no Brasil. Tem de mudar a lei.
O que tem de mudar na legislação?
Por exemplo, no Rio Grande do Sul está muito difícil fazer assentamento, pelo seguinte: a lei que nós temos tem um limite, que para ser desapropriada a terra tem de ser improdutiva. Ela, tendo um boi em um hectare, já é considerada produtiva. O governo não pode pagar mais do que a média da região, porque tem um limite. Até aquilo que o governo pode pagar, o mercado paga mais. Ninguém vende pro governo.
Tem de mudar os critérios de classificação da terra?
Claro. Terra, para ser produtiva, tem de ter mais de um boi por hectare. Outra questão que o governo Lula tem de enfrentar é o trabalho escravo. Está na Constituição que a terra onde tem trabalho escravo deve ser desapropriada. Tem que vistoriar e com segurança. Não é desapropriar, é confiscar mesmo. O governo tem mecanismos para desencadear a reforma agrária e, por isso, mantenho a esperança. Isso depende muito da pressão do povo. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra vai ter de arregaçar as mangas, fazer mobilização, porque, na via institucional, o Lula está com poucos recursos, porque os ministros não são aqueles que nós queríamos. No Congresso, temos uma ampla maioria, mas é uma base de apoio falsa, porque ela vai até uma altura. Onde começa a contrariar os seus interesses pessoais, eles recuam. A questão da reforma agrária é uma delas.
"O MST vai ter de fazer mobilização, porque, na via institucional, o Lula está com poucos recursos, porque os ministros não são aqueles que nós queríamos"
Como o senhor vê a situação do ministro Miguel Rossetto (do Desenvolvimento Agrário), que é de um grupo mais à esquerda e pareceu um pouco isolado e sem recursos nesse primeiro ano?
Eu não culparia esse ou aquele ministro, mas os problemas decorrem dessas questões conjunturais.
Falta sensibilidade para o ministro Palocci para a questão social?
Tem ministro que está a favor da reforma agrária e ministro que não tem muito entusiasmo pela reforma. Como o ministro Palocci é uma pessoa urbana, que não tem trajetória na questão rural, a reforma agrária não é prioridade entre os seus objetivos. Nós achamos que o Brasil não vai encontrar saída se não fizer a reforma agrária.
O senhor fala em mobilizar mais. Os sem-terra vão ter de fazer mais invasões? Qual a forma de chamar a atenção para a reforma agrária, bandeira histórica do PT?
Até agora, no Rio Grande do Sul, por exemplo, nós temos mais de 12 mil famílias que foram assentadas e ninguém conseguiu terra sem antes passar por essa luta – acampamento, ocupação de terras, protesto. Foi tudo na base da pressão. O companheiro Lula falou, em um encontro da CUT em São Paulo, que está na hora de as galerias descerem da arquibancada e entrarem em campo. Quer dizer, o povo tem de ajudar o país. Estive em um encontro de pescadores em Luziânia (GO) e vi o Lula dizendo para os trabalhadores que eles tinham de cobrar do governo porque aí ele teria mais força para fazer as coisas.
O senhor acredita que o MST deve aumentar as invasões este ano para chamar a atenção para esse problema?
Quando há pressão popular, muita gente, inclusive petista, diz: estão atrapalhando o Lula a governar. Não é verdade. Nós estamos ajudando, porque o governo está em disputa. Existe um grupo mais à esquerda e outro mais à direita.
"O governo está em disputa. Existe um grupo mais à esquerda e outro mais à direita"
Quem o senhor citaria mais à direita?
Não vou citar nomes, para não causar problemas. O eleitor sabe quem está mais à direita ou à esquerda.
Diz-se muito hoje que o MST deixou de ser um movimento e já é quase um partido político socialista. Como o senhor reage a isso?
Há um ditado que diz que a melhor defesa é o ataque. A direita, para evitar ser atacada, ataca. Essa questão de que o movimento prega a luta armada é fácil de o eleitor que tem um pouco de sensibilidade compreender. Basta olhar o número de fazendeiros e de sem-terra que foram assassinados. Quantos fazendeiros e quantos sem-terra foram presos? É uma guerra suja, desigual, em que estão matando trabalhadores desarmados que têm simplesmente a necessidade de trabalhar para não deixar os filhos passarem fome. Do outro lado, há um grupo que não quer trabalhar, é dono da terra e anda fortemente armado. Fica inclusive na televisão exibindo armas e nada foi feito para desarmar essa gente e punir esses criminosos. Que o movimento é um partido político não aceito. O MST nunca foi de um partido, apesar de a grande maioria ser petista. A direção, numa decisão que acho justa, decidiu não carregar mais a bandeira do PT, para poder somar mais com outros partidos aliados, como o PSB, o PCdoB, o PSTU e o PV.
"Quantos fazendeiros e quantos sem-terra foram presos? É uma guerra suja, desigual, em que estão matando trabalhadores desarmados"
O MST pode assustar determinados setores da sociedade com o aumento das invasões?
Ninguém vai acampar ou invadir uma fazenda porque gosta, mas por necessidade. O operário, quando está com salário atrasado, faz greve até o patrão negociar com ele. Então, o protesto do MST é fazer ocupação, acampamento e marcha. É claro que aqueles que são contra a reforma agrária dizem “olha, está perigoso”. Os fazendeiros dizem para quem tem uma pequena propriedade que o MST vai invadir a terra deles. A luta desse povo (sem-terra) só tem dois caminhos: ou ele vai lutar pela terra ou ele vai para as favelas da cidade procurar emprego que não existe.
O senhor acredita que podemos chegar ao caso de ter um conflito armado maior, a exemplo do que ocorreu no México?
Acho que não, porque a mudança mesmo vai ser feita quando o povo entender a necessidade de mudar. Não é o canetaço do governo que vai fazer as transformações. O MST não luta apenas pela terra. Nada adianta dar a terra para quem não tem se aquele que tem não consegue financiamento ou seguro-agrícola. Essa é a luta dos agricultores sem-terra. Nós queremos construir uma nação. Não podemos dizer que o Brasil é uma nação, porque quem determina as regras do mercado são as multinacionais. O trabalhador, tanto urbano quanto rural, é considerado um sujeito do trabalho. Queremos que ele seja um cidadão, que este país tenha como objetivo primeiro o seu povo. A luta do MST é para que todos tenham direito à educação, ao lazer, a viver dignamente, e que não tenha ninguém esbanjando nem morrendo de fome. Isso se chama sociedade socialista.
"Não é o canetaço do governo que vai fazer as transformações"
Se ele prega o fim da sociedade de classes, o movimento não seria quase um partido político?
De cada 100 brasileiros, 85 são pobres, dez são da classe média e apenas cinco são ricos. Quando esses 85% compreenderem que uma nova sociedade pode beneficiá-los, que eles vão deixar de ser explorados, e para isso os patrões, os grandes patrões, os grandes banqueiros vão ter de ceder um pouco de suas mordomias, não teremos briga. Briga estamos tendo agora, que estão até matando fiscais. Isso é guerra. Tem morrido mais gente no Brasil, nos conflitos, do que nos países em guerra. Queremos acabar e não fazer a guerra.
O que a Igreja poderia fazer para ajudar?
A Igreja teve fundamental importância, tem que formar suas lideranças e não tutelar o movimento. Ela teve de dar o pontapé inicial e, quando o povo começou a caminhar, ela teve que ficar só na vigilância e no auxílio. A autoridade dos bispos é muito grande para chegar num governo e puxar a orelha. Quando há conflito, a Igreja é fundamental até para pacificar e fazer com que a sociedade compreenda que o violento não é a vítima.
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