Fábio Góis
“O Arnesto nos convidou / prum samba ele mora no Brás / nós fumo e não encontremo ninguém…” O português propositadamente errado do clássico “Samba do Arnesto” (confira abaixo), do cantor e compositor Adoniran Barbosa (1910-1982), ganhou tons solenes nesta quinta-feira (16), no plenário do Senado. Entoada por senadores como Eduardo Suplicy (PT-SP) e Inácio Arruda (PCdoB-CE), a música foi uma das várias obras celebradas na sessão de homenagem ao centenário do nascimento de Adoniran e de outro gigante da cultura nacional, Noel Rosa (1910-1937). Cerca de 15 dos 81 senadores prestigiaram a solenidade – um dia depois de, no mesmo recinto, o Parlamento ter saído do tom e, legislando em causa própria, aprovado o impopular reajuste de mais 60% nos próprios salários.
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“Quero aqui relembrar com alegria o noticiário desses últimos dias, que tem sido transmitido a mim por pessoas de todo o Brasil, no último sábado [11], quando Noel Rosa teria completado 100 anos”, reverenciou Suplicy, em discurso antes de dar suas canjinhas. “Lá por São Paulo, ao longo das últimas semanas, todos os bares, do Brás, do Bixiga, de Jaçanã, onde Adoniran Barbosa morou por bom tempo, todos os lugares, tarde e noite, estavam cantando as músicas de ambos os cantores e compositores maravilhosos.”
Teve até Geraldo Mesquita (PMDB-AC) cantando, afinadamente, “Último desejo”, de Noel Rosa (“Nosso amor que eu não esqueço / e que teve seu começo / numa festa de São João…”), depois de discurso em que questionou as críticas contra quem canta em plenário. “O senador Inácio, de repente, na forma de prosa, declinou aqui versos de algumas canções belíssimas. E olhem como as coisas são: aqui, a gente vê com um certo preconceito o apego que alguns colegas têm à música. Senador Suplicy é alvo, vira-e-mexe, de ironia, porque solta a voz em algumas oportunidades. Eu já ouvi piada acerca de uma oportunidade em que a senadora Ideli [Salvatti, PT-SC], também empolgada, emocionada, cantou alguns versos. Vejam só aonde nós chegamos!”, reclamou o peemedebista, para quem a política pode ser suavizada por meio da música.
“Se a política a gente fizesse entremeada de música, Senador Inácio, eu tenho certeza que a gente conseguiria quebrar algumas resistências, avançar em alguns pontos onde a gente emperra”, acrescentou.
Durante a cantoria, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV-AC) folheava os papéis que levaria à tribuna para seu discurso de despedida, enquanto um sorridente ex-presidente da República Fernando Collor, entre uma mensagem e outra no celular, parecia gostar da roda de samba. “Como todo espetáculo dessa natureza, toda a platéia pede bis”, pediu Heráclito Fortes (DEM-PI), diante do Coral do Senado e dos senadores comovidos – Suplicy, cantando a plenos pulmões, parecia uma criança a ensaiar passos de samba.
Imediatamente, Mão Santa, que presidia a sessão, levantou da cadeira central da Mesa Diretora e pediu que todos aplaudissem de pé Adoniran e Noel. Todo o plenário atendeu ao apelo. “Que genética bela a sua…”, disse Mão Santa ao rapaz que, com um brinco em cada orelha, aproximou-se para agradecer depois dos apupos. Era o sobrinho-neto de Noel, Davi Medeiros Rosa de Mello, que foi ao plenário representar o mestre.
“Me sinto muito honrado de poder representar minha mãe e minha tia, que são as verdadeiras sobrinhas de Noel e, infelizmente, não puderam vir. A sessão foi muito bonita. O Senado tomou uma providência para que esse centenário não passasse em branco”, disse Davi ao Congresso em Foco, gentil ao se referir à performance do senador petista. “O Suplicy sempre canta bem [risos]. Acho que vale mais sentimento do que a interpretação.”
O Congresso em Foco reforça a homenagem. Confira:
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