Itamar Garcez*
A renúncia de Eduardo Cunha (PMDB) à presidência da Câmara dos Deputados foi um cálculo político. Como no provérbio, vão-se os anéis, ficam os dedos. O cada vez mais encurralado parlamentar tentará doravante preservar seu mandato e, com ele, a imunidade parlamentar.
Seu aguardado afastamento do cenário político – pelo menos como protagonista – encerra um momento tormentoso na Câmara Baixa. A sucessão passará agora pelos 512 colegas e pelo presidente Michel Temer (PMDB), o interino, que vai aproveitar para ter pelo menos um aliado no comando do Legislativo – já que a Câmara Alta é presidida pelo senador Renan Calheiros.
Para que o País possa voltar a ter alguma normalidade institucional – em que pese a continuidade da Operação Lava Jato – resta ainda a saída da presidente Dilma Rousseff (PT), a afastada. “Agora é a vez de Dilma”, reagiu rápido minha filha, enquanto ouvíamos pelo rádio o lacrimoso pronunciamento de Cunha. Heureca!
Assim como os generais do golpe de 1964 não vão se livrar da pecha histórica de tiranos, Dilma será lembrada como a presidente de um dos períodos mais calamitosos da República – com golpes na economia, na política e na ética. Ela certamente não tem culpa de tudo, mas ajudou bastante.
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Por que não renunciar e, aproveitando a deixa de seu algoz no Legislativo, antecipar o desfecho da agonia cívica que vivenciamos? Diferente de Cunha que renuncia acossado por denúncias de malversação do erário, a mandatária aceitaria a derrota iminente com a grandeza e a humildade que lhe faltaram nos cinco anos à frente do Palácio do Planalto.
PublicidadeEla poderia negociar uma ida ao Parlamento e, encarando seus carrascos, ler um derradeiro discurso. Descreveria o que chama de “golpe”, tacharia de “farsa” a Comissão do Impeachment do Senado, nominaria seus verdugos. E, com júbilo, desancaria Michel Temer.
Com a Nação petrificada, Dilma lembraria o passado brizolista. Citando o ex-presidente Getúlio Vargas, diria que sai da política para entrar na história.
Gesto repleto também de pragmatismo, pois Dilma fará um último pronunciamento à Nação de qualquer jeito. Então por que não em alto estilo e com desprendimento? Como a enxadrista que derruba o rei no tabuleiro e, com isso, tira do adversário o prazer do xeque-mate.
Certo, a ideia pode parecer pueril, ingênua até. Mas bem que alguém poderia convencer a mandatária. As crianças, às vezes, simplificam o que os adultos pretendem sofisticado.
* Itamar Garcez é jornalista desde 1984. Graduou-se na UFRGS. Trabalhou n`O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil e Diário Catarinense, entre outros periódicos. Acompanha política no Congresso Nacional e Palácio do Planalto, em Brasília, desde 1988. Assessorou protagonistas da política brasileira, todos aqui representados pelo ex-governador de Sergipe, Marcelo Déda.
** Texto originalmente publicado no Blog do Moreno, no jornal O Globo