Eduardo Militão
A comissão de sindicância da Câmara apontou nomes de funcionários e ex-funcionários responsáveis pela venda ilegal de passagens das cotas parlamentares. Falta, agora, a Corregedoria investigar o envolvimento de deputados nas irregularidades. A leitura do relatório final da comissão mostra que alguns congressistas devem muitas explicações sobre como usavam os bilhetes aéreos pagos com dinheiro público.
Um dos casos mais graves se refere a passagens usadas em 2008 pelo ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), numa viagem de São Paulo para o Rio de Janeiro, a convite da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), conforme mostrou o Congresso em Foco.
Embora as passagens tenham sido pagas pela universidade, os bilhetes foram também cobrados na cota do deputado Fernando de Fabinho (DEM-BA). O relatório aponta um servidor de Fabinho, Ronan de Jesus Costa, como responsável para que a cota beneficiasse Eros Grau, sem conhecimento do ministro do STF. O pagamento foi feito pela Uerj à agência Capri Turismo.
Entretanto, a comissão não explica porque a requisição de passagem aérea (RPA) foi assinada pelo próprio deputado. “Contudo, deve-se salientar que a RPA 310637/2008, à fl. 97, a mesma que deu origem à passagem do ministro Eros Grau, foi subscrita pelo próprio parlamentar Fernando de Fabinho”, diz o relatório. A comissão não tinha poderes para inquirir os congressistas – o que só deve ser feito pela Corregedoria quando julgar necessário. A reportagem tentou, mas não localizou Fabinho ontem.
Funcionário agenciador
De acordo com o relatório, o voo de Eros Grau também contou com a participação do servidor Marco Aurélio Cunha Vilanova, que trabalha com Márcio Junqueira (DEM-RR). Procurado ontem em seu gabinete, o deputado não retornou os recados do Congresso em Foco.
A gerente da Capri Turismo, Marcelina Duarte, disse à comissão que as passagens de Eros Grau foram emitidas, na verdade, pela Special Tour. Seu contato na empresa era Marco Aurélio Vilanova, funcionário de Junqueira. Confrontado com as declarações, Vilanova negou conhecer Marcelina e negócios com a Capri. Para o colegiado de investigação o funcionário prestou um “depoimento evasivo” e foi considerado um agenciador.
Os servidores e agentes citados no relatório também não foram localizados pela reportagem.
Como vender MCOs?
A cota do deputado Paulo Roberto (PTB-RS) foi usada para compor parte de uma viagem do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Segundo relatório da comissão, o servidor Luiz Flávio Nogueira emitiu a requisição de passagem aérea que gerou a viagem do presidente do STF. Entretanto, a assinatura do documento seria de seu pai, o ex-servidor Luiz Gustavo Nogueira.
O ex-funcionário disse à comissão de sindicância que certa vez o deputado Paulo Roberto demonstrou interesse em vender seus créditos de passagens aéreas. Em 2007, três ou quatro meses depois do início do mandato, o parlamentar consultou Luiz Gustavo sobre o tema:
“Que cerca de 3 ou 4 meses após o início do mandato, o deputado Paulo Roberto perguntou ao declarante como faria para comercializar seus MCOs, o que foi respondido que não sabia como fazer”, diz a transcrição do depoimento à comissão. Os MCOs são os créditos das viagens.
Confrontado pela comissão com uma reportagem do Congresso em Foco sobre viagens internacionais, Luiz Gustavo afirmou que foi ele o responsável pela viagem da filha de Paulo Roberto, Jéssica Pereira, para os Estados Unidos.
Ontem, o parlamentar não foi localizado pelo seu gabinete para comentar o assunto. Em entrevista ao site em abril, Paulo Roberto afirmou que havia pago a viagem da filha com recursos próprios e que acreditava que seu ex-funcionário tinha embolsado o dinheiro.
Luiz Gustavo foi demitido do gabinete do deputado. O motivo foi a suspeita de que ele desviava a verba de passagens de Paulo Roberto, segundo depoimento de seus colegas à comissão e entrevista do próprio deputado ao Congresso em Foco.
Serviço de hospedagem
A viagem de Gilmar Mendes foi paga também com recursos da cota do líder do PPS, Fernando Coruja (SC). De acordo com o relatório, o servidor de gabinete Aquísio Bites foi o emissor da requisição das passagens que gerou o crédito usado no voo do presidente do Supremo.
Em depoimento à comissão, ele diz que “doou” cerca de R$ 2.500 ao agente de turismo Vagdar Fortunato Ferreira por um serviço de hospedagem de pessoas que vinham a Brasília em busca de consultas médicas e audiências em tribunais. Arquísio diz que o serviço era informal e de “suporte” a ele.
Procurado pelo site, o deputado Fernando Coruja negou que os trabalhos tenham sido prestados para seu gabinete. “Desconheço se ele fez isso. O gabinete não estava orientado a fazer isso”, explicou o líder do PPS. Coruja diz que é comum receber pessoas de fora de Brasília na Câmara, mas não com a ajuda de terceiros. “Essa pessoa [Vagdar] eu não conheço e nem tinha ouvido falar.”
O líder do PPS afastou Arquísio da função de emissor de passagens logo após a reportagem do Congresso em Foco sobre voos internacionais. Dias depois, mandou demiti-lo. Segundo Coruja, Arquísio trabalhava com ele há dez anos e, até então, nunca demonstrou nenhum comportamento questionável.
O parlamentar estranhou, ao ver a reportagem com a lista de voos em seu nome, os nomes de uma família que ele desconhecia. Coruja foi questionar Arquísio: “Primeiro, ele falou que doou. Depois em enrolou. Afastei, depois demiti”.
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