Fábio Góis
A insatisfação dos senadores em relação ao excesso de medidas provisórias levou há pouco o líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO), a rasgar ? e jogar ao chão ? um documento que tinha em mãos no plenário. Aos gritos, Demóstenes protestava contra a Medida Provisória 513/10, em 19 de abril aprovada com alterações na Câmara e, justamente por isso, transformada em Projeto de Lei de Conversão 9/11.
?Isso é uma indignidade! Não podemos aceitar! Temos que honrar os nossos mandatos de senadores, senhor presidente. Não podemos fazer isso com a nação brasileira. Nós precisamos ter um mínimo de dignidade jurídica! Como é que nós votamos isto aqui? Nós estamos rasgando a Constituição! Que Constituição é esta, em que votamos e jogamos fora??, bradou Demóstenes, rasgando o texto da MP.
O protesto foi em vão: com a base governista mobilizada, e a oposição fora do plenário em protesto, a proposição foi aprovada em votação simbólica (sem conferência de votos). A matéria, que agora vai a sanção presidencial, autoriza o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) a assumir direitos e obrigações do Seguro do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), mas reúne outros três temas no texto enviado em novembro ao Congresso (leia mais abaixo).
?Nós vamos abandonar o Plenário do Senado em protesto contra a atitude do Senado de chancelar tudo o que vem do Executivo, inclusive medidas dessa qualidade?, avisou Demóstenes, dirigindo-se ainda aos gritos ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), depois de jogar os papéis rasgados ao chão. Ele acrescentou que iria ao Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a matéria.
Não por coincidência, a Comissão de Constituição e Justiça decidiu, em reunião realizada mais cedo, adiar a apreciação do projeto que altera o rito de tramitação de medidas provisórias. Em diversas ocasiões de plenário nesta legislatura, senadores da base e da oposição já haviam se revezado em inflamados discursos contra as MPs, o que levou ao arquivamento de duas dessas matérias (leia aqui e aqui).
Votação do trâmite das MPs fica para próxima quarta
Depois da saída da oposição, a matéria continuou sob análise. Outros senadores ameaçaram ir ao STF contestar o modelo de envio (por parte do Executivo) e de apreciação de MPs no Congresso. ?A Minoria toda vota contra, senhor presidente?, disse Mário Couto (PSDB-PA) dando socos na mesa do púlpito, quando ainda estava na tribuna do plenário. ?Chegamos ao pior momento deste ano, com uma medida provisdória humilhante. Isso é aqui é uma imoralidade, é querer tirar a moral de todos os senadores. Eu lamento que o relator tenha se esforçado [o alagoano Renan Calheiros, líder do PMDB]?, acrescentou o tucano.
?O bloco oposicionista na Casa se retira em protesto contra a oposição desta medida provisória?, emendou o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR). ?Imagino o constrangimento do senador Renan Calheiros ao proferir o parecer favorável à constitucionalidade dessa matéria, porque ela é frontalmente inconstitucional. É uma afronta à Constituição.?
Já o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), teve reação diplomática diante do levante oposicionista, mas manteve críticas firmes ao atual rito de MPs. ?Nós ficaremos em plenário para o debate, e emitiremos nossa opinião sobre essa matéria no momento oportuno?, disse.
?Abandonar é prerrogativa de todo o senador. Não concordar em votar uma matéria também. Mas não dá para fazer essa saída a partir dessas outras ilações e dizer que a MP é imoral. Imoral é não atender a demandas que não necessariamente são atendidas por essa medida provisória?, rebateu Walter Pinheiro (PT-BA).
Confira o texto como foi enviado ao Senado
O que diz a MP
A principal alteração no texto principal, operada pelo relator da medida na Câmara, Wellington Fagundes (PR-MT), foi o aporte extra de R$ 400 milhões, com juros subsidiados pela União, para microempreendedores e produtores rurais de municípios da região serrana do Rio de Janeiro assolados pelo excesso de chuvas no início do ano. Pernambuco e Alagoas, atingidos por desastres ambientais em junho de 2010, são os outros estados atendidos pela MP ? esses dois estados tinham até maio para fazer os empréstimos, prazo estendido pela medida.
Outros assuntos foram incluídos na redação final elaborada pelo deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF) ? como a possibilidade de o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) poder assumir direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), extinto em 2010 ? esse é um dos pontos polêmicos da matéria. Na exposição de motivos da MP, o Executivo diz que ela protegerá os mutuários de 450 mil contratos de financiamentos incluídos na apólice de seguro do SFH ? o FCVS estava suscetível a diversos tipos de ação judicial, até a edição da MP, uma vez que não há qualquer respaldo jurídico para tais contratos.
A MP também altera o artigo 19 da Lei 11.314/06, que dispõe sobre a reestruturação do sistema de transporte terrestre, permitindo que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) utilize, até 31 de dezembro de 2012, recursos federais para executar obras, serviços e estudos de engenharia para o setor ? outro elemento controverso, que tem objeção frontal de Mário Couto, desafeto do diretor-geral do DNIT, Luiz Antônio Pagot.
Leia também