Na reta final dos trabalhos da CPI da Covid-19, o relatório de Renan Calheiros (MDB-AL) não é o único a trabalhar a narrativa defendida pelo G7 (senadores da oposição no colegiado). O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) elabora um relatório alternativo a fim de reforçar o de Renan. Antes de se eleger ao Senado, Vieira era delegado de polícia. Seu texto busca apresentar seu olhar de policial e operador de Direito diante dos fatos apurados pela CPI.
Enquanto Eduardo Girão (Podemos-CE), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO) trabalham, individualmente, em relatórios favoráveis à narrativa de Jair Bolsonaro, que procura se eximir de responsabilidade sobre as mortes resultantes da pandemia e atribuir culpa aos governos estaduais. Alessandro Vieira costura uma linha narrativa próxima da defendida por Renan Calheiros, que atribui ao governo federal o alto índice de mortalidade da covid-19 no Brasil.
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Vieira considera que o relatório de Renan deve tratar as investigações de forma mais politizada, e procura oferecer uma versão com teor mais técnico, a fim de alcançar maior segurança jurídica para o parecer final. Confira a seguir a conversa com o senador sobre seu relatório:
Congresso em Foco – Qual objetivo se busca alcançar com um relatório alternativo?
Alessandro Vieira – A nossa preocupação não está em colocar um relatório em disputa com o do senador Renan Calheiros. O que queremos é apenas formalizar um texto que tenha a nossa visão sobre os fatos todos que foram apurados, tentando evitar um excesso de romantização, politização dos fatos, e uma dispersão de autorias. É basicamente isso, e devemos estar apresentando já na próxima semana.
Quais são os principais eixos desse relatório?
O básico é garantir as respostas às perguntas que a CPI foi colocando. A CPI foi criada para apurar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia. Ao longo dos trabalhos, percebemos casos graves de ação e omissão do governo: mais precisamente omissão na compra de vacinas e uma ação deliberada de desinformação para a população.
Esses dois fatores somados geram mais gente contaminada e mais gente morta. Esse é o cerne. E quem são os responsáveis por essa conduta: uma cadeia de comando que começa com Jair Bolsonaro e segue até os servidores da Saúde. Junto com essa turma, temos algumas figuras que realizam uma ação tangencial, no sentido de formular as teses ou defender suas teorias. Mas não necessariamente a conduta dessas pessoas é crime. O relatório se concentra nos fatos e figuras centrais, para que não se jogue energia de forma totalmente aleatória em condutas que não serão crimes em análise posterior da justiça.
Eu tenho sintetizado isso em uma frase que é grosseira, mas é correta: não é crime ser idiota. É crime fazer política pública com base na opinião do idiota, pois a Constituição não dá esse direito. Bolsonaro não tem o direito de fazer aquilo que ele quer. Ele tem a obrigação de fazer aquilo que a Constituição exige: dar cumprimento à gestão pública buscando manter a razoabilidade, economia e respeito à vida. Ele rasgou tudo isso.
Quais são os tipos penais identificados pelo relatório contra Jair Bolsonaro?
Temos muito claramente crimes comuns, em particular o descumprimento de determinação de restrição sanitária, bem como um caso de epidemia agravada pelo resultado de morte. Bolsonaro não criou a pandemia, mas de forma intencional ele acelerou a sua disseminação com as consequências graves que nós conhecemos. Esse foi o raciocínio feito pela comissão de juristas comandada pelo professor Miguel Reale Jr.
Sob o ponto de vista de crime de responsabilidade, o que temos é a infração à exigência constitucional de garantir ao cidadão brasileiro o acesso pleno à saúde. Bolsonaro deliberadamente impediu ou restringiu esse acesso, e isso configura crime de responsabilidade, a ser apurado pela Câmara dos Deputados.
Houve genocídio?
O que se tem é um crime contra a humanidade, na medida em que essas ações deliberadas, intencionais e conscientes do governo geraram um volume de mortos e doentes muito grande. Mas não seria correto chamar essas condutas de genocídio.
Em um genocídio, essa violência é gerada por uma questão étnica, racial, religiosa. Mas não é o caso do Brasil. Aqui a coisa foi para todos os brasileiros, com maior impacto em algumas regiões, mas para todos os brasileiros. Então não cabe falar em genocídio, mas cabe sim falar em crime contra a humanidade, cabendo nesse caso encaminhar o caso ao Tribunal Penal Internacional.
Como será a apresentação do relatório? Não há o temor de dividir opiniões dentro do G7?
Vamos apresentar antes o texto. Eu não tenho qualquer intenção de disputar espaço ou autorias com Renan. Ele vai ter acesso à documentação e os colegas também para fundamentar o voto. Essa me parece ser uma contribuição importante que eu posso dar neste momento, vamos ver o que o Renan faz com isso.
A produção de relatórios alternativos é absolutamente natural, isso faz parte do roteiro de qualquer CPI. Eu não tenho a preocupação de que isso possa dividir o G7 , até porque a ideia não é colocar o relatório para votação e disputa, mas sim apenas fornecer uma visão técnica sobre os fatos.
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