O ex-presidente Lula negou ter atuado para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme delatou o ex-senador cassado Delcídio do Amaral (MS), e diz que o ex-líder do PT e do governo no Senado sofreu “odiosa pressão física e psicológica” para colaborar com as investigações. Em defesa relativa ao processo a que o petista responde por tentativa de obstrução da Justiça, os advogados do ex-presidente pedem que seja anulada a abertura da ação por falta de provas e por se basear unicamente na delação de Delcídio. O documento, de 159 páginas, foi entregue nessa segunda-feira (5) à 10ª Vara Federal de Brasília.
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A defesa desqualifica a colaboração do ex-senador com os investigadores da Operação Lava Jato com base em dois argumentos: o de que Delcídio foi coagido a fazer a delação e que os termos de seu depoimento vazaram para a imprensa, contrariando o sigilo imposto pela legislação sobre o assunto.
No documento, os defensores de Lula criticam o uso de delações premiadas pela Lava Jato, convertida, segundo eles, em um “verdadeiro balcão de negócios delatórios, com especialistas regiamente remunerados e possibilidade de fruição de parte do resultado econômico do delito por parte do delator agraciado”. Entre as 13 testemunhas arroladas no processo, está o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Quarto escuro
Os advogados de Lula argumentam que o ex-líder do governo no Senado só aceitou ser delator após ser trancado em um quarto sem luz na Polícia Federal em Brasília, que enchia de fumaça do gerador do prédio. “Aquilo encheu o quarto de fumaça, e eu comecei a bater, mas ninguém abriu. Os caras não sei se não ouviram ou se fingiram que não ouviram. Era um gás de combustão, um calor filho da puta. Só três horas mais tarde abriram a porta. Foi dificílimo”, contou Delcídio, segundo relato publicado pela revista Piauí reproduzido pela defesa.
Publicidade“Também deixou de cumprir o caráter sigiloso até a denúncia, tal como assegurado pela lei (Lei nº 12.850, art. 7º, §3º) e pelo próprio acordo de colaboração, uma vez que o teor da delação foi vazado à revista IstoÉ, em edição antecipada para 03.03.2016”, acrescenta os advogados.
Denúncia aceita
Em 29 de julho, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, aceitou denúncia apresentada pelo Ministério Público e transformou em réus Lula, Delcídio, o ex-chefe de gabinete do ex-senador Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves, o advogado Édson Ribeiro, o pecuarista José Carlos Bumlai e o filho dele, Maurício Bumlai.
Delcídio foi preso em novembro do ano passado, após ter sido gravado pelo ator Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, prometendo à família do ex-diretor da Petrobras que conversaria com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar libertá-lo. Nos áudios, o então líder do governo oferece um plano de fuga para Cerveró – então preso em Curitiba – e uma ajuda mensal de R$ 50 mil aos familiares do ex-diretor. Ele foi solto em fevereiro após fechar acordo de delação premiada com o Ministério Público. Cerveró passou para prisão domiciliar depois de também decidir colaborar com as investigações.
Em seus depoimentos, Delcídio envolveu a então presidente Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e Lula. Segundo o ex-petista, o ex-presidente marcou a conversa entre ele e o filho de Cerveró, que acabou culminando em sua prisão. De acordo com o ex-líder do governo, partiu de Lula a ordem para pagar pelo silêncio do ex-diretor da estatal e outras testemunhas.
Delcídio afirma que o ex-presidente lhe pediu “expressamente” para ajudar o pecuarista José Carlos Bumlai, citado nas delações de Fernando Baiano e do próprio Cerveró. O senador disse que Bumlai tinha “total intimidade” e exercia o papel de “consigliere” da família Lula, expressão italiana usada em referência aos conselheiros dos chefes da máfia italiana. O ex-presidente, segundo ele, sabia do esquema de corrupção da Petrobras e agiu pessoalmente para barrar as investigações.
Os advogados confirmam alguns pontos citados em depoimento de Delcídio, como a amizade de Lula com José Carlos Bumlai e a reunião que o ex-presidente teve com o então líder do governo para discutir “aspectos” da Lava Jato. Mas nega que o petista tenha participado ou soubesse dos pagamentos prometidos a Cerveró para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras.
“A defesa do ex-presidente Lula confia na imediata rejeição da denúncia ou, ainda, que eventual instrução probatória irá mostrar, com absoluta clareza, a inocência do seu cliente”, diz nota divulgada pelos advogados do ex-presidente.
Em maio o caso estava no Supremo Tribunal Federal, onde tramitam as investigações envolvendo parlamentares e outras autoridades federais com prerrogativa de foro. Com a cassação do mandato de Delcídio por quebra de decoro, o processo baixou para a primeira instância. Embora o Ministério Público Federal defendesse que os autos fossem remetidos ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, o processo acabou na 10ª Vara Federal de Brasília, sob o argumento de que os supostos crimes ocorreram na capital federal.