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A fala também foi criticada, em nota oficial, pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia. Ao elogiar a Ficha Limpa, Lamachia declarou que a afirmação feita pelo ministro não condiz com a postura que se espera de um magistrado. O presidente da OAB foi além. Diante das alegações de Gilmar, Lamachia pediu para o magistrado apresentar à sociedade uma proposta capaz de aperfeiçoar a legislação.
“O presidente do TSE deveria reconhecer e apoiar todas as iniciativas que aperfeiçoam o sistema eleitoral. A linguagem usada por ele, inclusive, não se coaduna com a postura de um magistrado, notadamente um ministro do STF, na hora de exercer seu direito de crítica, seja ela direcionada à sociedade, proponente da lei, seja aos parlamentares que aprovaram a matéria, seja ao chefe do Executivo que a sancionou. A Lei da Ficha Limpa é amplamente reconhecida pela sociedade como um avanço da democracia e do sistema eleitoral, impedindo a candidatura de quem tem ficha suja. Tanto é assim que foi apresentada como projeto de lei de iniciativa popular. Todas as entidades que apoiaram a Lei da Ficha Limpa, entre elas a OAB, estavam absolutamente conscientes da importância dessa medida”, diz a nota da OAB.
Depois da manifestação da Ordem, Gilmar voltou a se posicionar sobre o tema hoje (quinta, 18). Desta vez, o presidente do TSE alegou que “bancou-se um pouco de Deus” na criação do texto da lei.
“Não vamos criar polêmica nesse assunto. O que eu disse é que a lei foi mal feita, tem carências e não pode ser canonizada. A lei chegou ao ponto de dizer que se alguém for excluído de entidades profissionais, como a OAB, por algum fundamento, fica inelegível. Quer dizer, bancou-se um pouco de Deus nessa matéria. E é preciso um pouco respeitar a inteligência alheia, é preciso que a própria legislação não aproveite momentos emocionais para trazer coisas absolutamente irracionais”, enfatizou o ministro.
Desrespeito
PublicidadeO Congresso em Foco entrou em contato o ex-juiz Márlon Reis. De acordo com o especialista, o pronunciamento foi feito por Gilmar porque ele “não gosta da lei em si”: “Ele é contra toda a lei, ele declarava a inconstitucionalidade de toda a lei, é bom lembrar disso. Ele é contrário à Lei da Ficha Limpa, obviamente ele utiliza esse tipo de ataque no sentido de descredibilizar uma das mais importantes conquistas brasileiras, uma rara lei de iniciativa popular, abraçada por toda a sociedade”, ressaltou.
“Foi uma frase desrespeitosa à OAB, à CNBB e à muitas organizações que elaboraram o projeto. Também desrespeita o Congresso Nacional já que o projeto depois de apresentado passou por toda a tramitação legislativa, desrespeita o próprio Supremo Tribunal Federal que ele integra, que declarou essa lei constitucional”, enfatizou o ex-juiz.
“Não queremos que essa manifestação individual de discordância com a Lei da Ficha Limpa, pela forma como foi feita, supere o que é realmente importante nessa questão, que é a liberação feita das candidatura dos que tiveram contas rejeitadas. Estamos tendo muita preocupação porque essa frase dura proferida pelo ministro não chame mais atenção do que o grande dano à República causado pela liberação das candidaturas de quem teve contas rejeitadas”, acrescentou Márlon.
Em nota, o MCCE também repudiou as críticas feitas pelo presidente do TSE. De acordo com o texto, “o ponto mais importante do debate é o relativo à permissão para que vereadores sejam os responsáveis por julgar as contas de prefeitos que usurparam a função de ordenadores de despesas”.
“O regime de julgamento das contas previsto na Constituição expressamente estipula que os tribunais de contas julgam as contas dos que movimentam verbas públicas, sem excluir os chefes do Executivo que tenham praticado tal conduta”, alega o documento.
Entenda
No último dia 10, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a candidatura de ao menos 80% dos políticos inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa a concorrer as eleições de 2016. Em julgamento conjunto de dois recursos extraordinários (REs 848826 e 729744), ministros entenderam que é exclusividade da Câmara Municipal a competência para julgar as contas de governo e da gestão de prefeitos. De acordo com a deliberação do plenário, cabe ao tribunais de contas apenas auxiliar o Poder Legislativo municipal, emitindo parecer prévio e opinativo, mas que poderá ser derrubado por decisão de dois terços dos vereadores.
Em junho deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cerca de 6.700 nomes de gestores públicos que tiveram as contas rejeitadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais. A rejeição, de acordo com a Lei Orgânica do TCU, é aplicada quando são constatadas omissão de dever de prestar contas; gestão ilegal, ilegítima ou antieconômica, ou ainda infração à norma legal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; dano ao erário, desfalque ou desvio de dinheiro público.
“Essa é de longe a causa de inelegibilidade que mais impede candidaturas de agentes ímprobos. Segundo dados da Faculdade de Direito da USP, 86% dos casos de inelegibilidade se referem a rejeição de contas públicas. Se o STF atribuir a palavra final às Câmaras de Vereadores, esse dispositivo da Lei da Ficha Limpa ficará sem qualquer eficácia”, explica o MCCE, que já avisou que vai recorrer à decisão do Supremo.
“Essa decisão amplia o descontrole. É óbvio que vereadores não vão julgar tecnicamente as contas. As contas de gestão são contas técnicas, não políticas. Um vereador não pode aprovar contas de um prefeito que não fez licitação quando deveria fazer, por exemplo. Mas o Tribunal de Contas pode dizer: ‘Não, a lei mandava fazer licitação nesse caso’”, detalhou Márlon Reis à reportagem. “Foi um grave equívoco cometido pelo STF”, acrescentou.
Leia a íntegra da nota enviada pelo MCCE:
“O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, rede de organizações da sociedade brasileira que conquistou a Lei da Ficha Limpa, vem a público emitir seu pronunciamento sobre episódios recentes envolvendo a eficácia das novas normas sobre inelegibilidades.
Trata-se de uma lei surgida do esforço de grande número de juristas de notável respeitabilidade, com a colaboração de todas as organizações representativas das carreiras jurídicas, que cooperaram com a sociedade civil organizada para a construção de um marco legal inovador e de alta qualidade sobre os requisitos para as candidaturas. Além disso, foi aprovada pelo Congresso e declarada constitucional pelo STF, tendo sido aplicada nos dois últimos processos eleitorais.
Ressaltamos que o ponto mais importante do debate é o relativo à permissão para que vereadores sejam os responsáveis por julgar as contas de prefeitos que usurparam a função de ordenadores de despesas. O regime de julgamento das contas previsto na Constituição expressamente estipula que os tribunais de contas julgam as contas dos que movimentam verbas públicas, sem excluir os chefes do Executivo que tenham praticado tal conduta.
A partir de hoje, o MCCE mobilizará a sociedade brasileira em defesa do estrito cumprimento da Lei da Ficha Limpa em relação ao julgamento das contas dos prefeitos ordenadores de despesa.”