Ao longo de seu discurso de posse, a ministra Cármen Lúcia, que assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (12), citou trechos de canções de Caetano Veloso, Titãs, além de versos de Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e fez menção a Riobaldo, personagem de Grande Sertões: Veredas, clássico de Guimarães Rosa e uma das mais importantes obras-primas da literatura brasileira.
A escolha das referências musicais da ministra dá pistas sobre sua visão acerca do atual momento sociopolítico. Citando o cantor e compositor Caetano Veloso, presente na sessão – que interpretou em voz e violão o hino nacional – Cármen Lúcia concordou que “alguma coisa está fora da ordem”.
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Leia a íntegra do discurso de posse da ministra
“Caetanos e não caetanos deste Brasil tão plural concluem em uníssono: alguma coisa está fora de ordem, fora da nova ordem mundial”, disse a ministra. “O que nos cumpre, a nós servidores públicos em especial, é questionar e achar resposta: de qual ordem está tudo fora…”, acrescentou.
O cantor já se posicionou contra o governo do presidente Michel Temer, nos bastidores da cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2016.
Veja a música citada pela ministra:
A nova presidente do STF também citou a música “Comida”, da banda Titãs. “Cumpre-nos dedicar de forma intransigente e integral a dar cobro ao que nos é determinado pela Constituição da República e que de nós é esperado pelo cidadão brasileiro, o qual quer saúde, educação, trabalho, sossego para andar em paz por ruas, estradas do país e trilhas livres para poder sonhar além do mais. Que, como na fala do poeta da música popular brasileira, ninguém quer só comida, quer também diversão e arte”.
Um dos compositores da canção citada é Arnaldo Antunes, que também se posicionou contra o impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais.
Veja a música “Comida”, citada por Cármen Lúcia:
Versos
Cármen Lúcia também citou versos da escritora Cecília Meireles, ao dizer que “liberdade é um sonho que o mundo inteiro alimenta” – da obra Romanceiro da Inconfidência, lançada em 1953.
“Se, no verso de Cecília Meireles, a liberdade é um sonho, que o mundo inteiro alimenta, parece-me ser a Justiça um sentimento, que a humanidade inteira acalenta”, discursou a ministra.
Mais adiante em seu discurso, Cármen Lúcia fez menção a um personagem do livro Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro (tal como a ministra) Guimarães Rosa. “Riobaldo afirmava que ‘natureza da gente não cabe em nenhuma certeza’. Mas parece-me que a natureza da gente não se aguenta em tantas incertezas. Especialmente quando o incerto é a Justiça que se pede e que se espera do Estado”, disse a nova presidente do STF.
Em seguida, outro escritor mineiro foi lembrado por Cármen Lúcia. “Em tempos cujo nome é tumulto escrito em pedra, como diria Drummond, os desafios são maiores. Ser difícil não significa ser impossível. De resto, não acho que para o ser humano exista, na vida, o impossível”, disse a ministra, em referência ao poema “Nosso tempo”, do escritor mineiro.
A sucessora de Ricardo Lewandowski concluiu o discurso citando um terceiro escritor mineiro: Paulo Mendes Campos. “O Judiciário brasileiro sabe dos seus compromissos e de suas responsabilidades. Em tempo de dores multiplicadas, há que se multiplicarem também as esperanças, à maneira da lição de Paulo Mendes Campos”, disse Cármen Lúcia, em referência ao “Poema Didático”, de Paulo Mendes Campos.
Cerimônia de posse
Cármen Lúcia assumiu a presidência do STF para um mandato de dois anos, e terá como vice o ministro Dias Toffoli. O ex-presidente Lula, responsável pela indicação dela ao Supremo, em 2006, compareceu ao evento de hoje. Foi a primeira vez que Lula e o presidente Michel Temer dividiram o mesmo espaço público desde o rompimento do PT e do PMDB que resultou no impeachment da agora ex-presidente Dilma. Ao longo do processo de cassação da petista, Lula chamou o peemedebista de “golpista” e “traidor”.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além do ex-presidente José Sarney (PMDB), entre outros, também prestigiaram a posse da segunda mulher a comandar o Supremo. A primeira foi Ellen Gracie, no biênio 2006/2008. Cármen rejeitou a festa tradicionalmente oferecida por entidades de magistrados.
“Não gosto de festa, gosto de processo”, justificou-se.
A ministra é conhecida por hábitos simples. Ela gosta de dirigir seu próprio veículo, dispensando motorista e carro oficial.