O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), encerrou sessão da Casa legislativa na quinta-feira (20) antes mesmo das 15 horas. Atitude atípica para quem, desde que assumiu o alto cargo, acha que qualquer hora é momento de votar, até mesmo invadindo a madrugada. Se alguém reclama, finge que não escuta, corta o microfone e passa para o próximo… Acabou o tempo. Dessa vez, provavelmente não quis fingir, preferiu não ouvir. A Procuradoria-Geral da República (PGR) protocolou, às 15h40, denúncia contra o parlamentar fluminense no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras.
Leia também
O senador Fernando Collor (PTB-AL) também foi denunciado pelos mesmos motivos. Se a suprema corte aceitar a denúncia, eles se tornarão réus por crime de lavagem de dinheiro, corrupção e formação de quadrilha. Na quarta-feira (19), mesmo antes de a denúncia ser oferecida, Cunha já se manifestou dizendo que não se afastaria da Presidência da Câmara em hipótese alguma. Com o PSOL à frente, um grupo com deputados de dez partidos divulgou um manifesto pedindo o afastamento do peemedebista enquanto as investigações não forem concluídas.
No entanto, essa discussão pode ir para além do espectro político até chegar ao jurídico. Conforme explicam os juristas Márlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), e Luiz Flávio Gomes, ex-juiz e ex-promotor de Justiça, como Cunha pode vir a ocupar a Presidência da República em eventuais ausências da titular, Dilma Rousseff, e do vice, Michel Temer, também está sujeito a ser enquadrado em artigo da Constituição que trata do afastamento do chefe do Executivo. O dispositivo estabelece que o presidente tem de ser afastado do cargo, por determinado período, caso vire réu no Supremo.
A semana, então, que começou indo em favor dos interesses de Cunha e de seus aliados, com manifestações antigoverno e pró-impeachment da presidente Dilma em todas as capitais do país, entrou na contramão. Além da denúncia da PGR, Cunha também ouviu ecos de manifestantes pró-governo e contrários ao afastamento da presidente na Esplanada dos Ministérios. No entanto, os atos, que ocorreram na quinta-feira (20), em todas as capitais do país, divergiam quanto aos interesses comuns. Entre os organizadores, a CUT e a UNE foram às ruas em defesa de Dilma, e manifestaram sua interpretação a possível pedido de impeachment: golpe. Já o PSOL e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) não aceitaram gritar qualquer palavra de ordem que pudesse ser vista como governista. Para eles, o protesto é contra o ajuste fiscal e a Agenda Brasil.
O contraponto de Dilma mais uma vez divide a linha tênue entre os interesses das causas populares e os planos para a política econômica do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). As articulações políticas que levaram Renan para o lado petista renderam frutos. O Senado aprovou projeto de lei que reduz a desoneração da folha de pagamento de empresas, na prática aumentando a carga tributária para 56 setores da economia em tempos de ajuste fiscal. A medida fazia parte do pacote de arrocho do governo.
No braço de ferro, Cunha não aliviou na ‘pauta-bomba’ – proposições que, se aprovadas, aumentam os gastos públicos –, e colocou para votar projeto de lei que reajusta a remuneração do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com índices maiores que os atuais (taxa referencial mais 3% ao ano). Ameaçado de derrota, o governo teve de negociar. Chegou-se a um meio-termo. No texto aprovado pelos deputados na terça-feira (18), os depósitos feitos a partir de 1º de janeiro de 2016 serão reajustados com base na taxa referencial mais 4% ao ano. O rendimento anual do fundo sobe para 4,75% em 2017 e para 5,5% em 2018. Em 2019, será aplicada a regra utilizada atualmente para a correção da poupança: 6,17% ou 70% da taxa básica de juros (Selic) quando ela for menor ou igual a 8,5%.
Fora do orçamento público, Cunha não deixou de assanhar o formigueiro. Na quarta-feira (19), os deputados aprovaram em segundo turno, por 320 votos a favor e 152 contra, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 que determina a redução da maioridade penal. Agora a proposta seguirá para análise do Senado. A PEC reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos – como estupro e latrocínio – e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Ainda pela emenda aprovada, os jovens de 16 e 17 anos deverão cumprir a pena em estabelecimento separado dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e dos maiores de 18 anos.
* Este texto faz parte da seção Flashback, do projeto Truco no Congresso, feito pelo Congresso em Foco e a agência Pública.
Deixe um comentário