Marcelo Rocha, Revista Congresso em Foco
Aos 36 anos, o procurador da República Deltan Dallagnol coordena a investigação que representa um ponto de corte no combate à corrupção no Brasil. Nas ruas desde março de 2014, a Operação Lava Jato tem negociações concluídas para recuperar R$ 10,1 bilhões desviados dos cofres públicos por meio da atuação do Ministério Público e da Justiça Federal em Curitiba, segundo balanço de dezembro. Mais de uma centena de pessoas já foi condenada, entre políticos sem foro, empresários e doleiros. Resultados que Dallagnol atribui às delações premiadas. Na primeira instância, o sucesso das apurações é incontestável.
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Mas uma pergunta fica no ar: qual será o futuro da investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), encarregado de processar autoridades com prerrogativa de foro? Em entrevista exclusiva à Revista Congresso em Foco, o procurador paranaense diz temer que o resultado da Lava Jato seja decepcionante na corte caso os ministros não adotem providências para acelerar a análise das acusações. Dallagnol também demonstra preocupação com as reações legislativas que pretendem inibir a ação de órgãos investigativos e rebate críticas de que a apuração é seletiva, com o objetivo de atingir um único grupo político, mais especificamente o PT, como alegam críticos da operação. Confira a íntegra a entrevista:
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Revista Congresso em Foco – O futuro da Lava Jato parece depender do tamanho da delação de executivos da Odebrecht e de uma eventual colaboração do ex-deputado Eduardo Cunha. Até onde a operação pode chegar?
Deltan Dallagnol – As investigações são muito dinâmicas e é imprevisível o que acontecerá. Não posso comentar casos que não sejam públicos. Em relação ao futuro, deixo aqui duas preocupações. A primeira é como o Supremo vai lidar com o número crescente de casos de foro privilegiado. O ideal seria que a própria corte propusesse uma solução para o Congresso, porque temos um dos mais amplos foros privilegiados do mundo num tribunal assoberbado de casos por julgar. Se nada for feito nesse sentido, apesar da boa intenção, dedicação e capacidade técnica dos ministros, o resultado será provavelmente decepcionante. A segunda coisa que me incomoda é se será possível frear as reações legislativas contra a Lava Jato e, simultaneamente, aprovar reformas necessárias para sairmos do fundo do poço da corrupção.
Setores no Congresso intensificaram os ataques a instituições como o Ministério Público nos últimos meses.
Uma das características mais essenciais do ser humano é o instinto de autopreservação. As investigações estão acuando políticos contra os quais há provas de que praticaram atos ilegais, de modo mais ou menos grave. O número de políticos citados na operação tende a crescer, o que me faz acreditar que serão inevitáveis uma reação legislativa e a falência do foro privilegiado. Quanto à reação legislativa, a Lava Jato poderá virar pó, como aconteceu com a Mãos Limpas, na Itália, se a sociedade não a proteger.
Quais os riscos dessa reação para a Lava Jato e outras investigações?
A ofensiva do momento é o projeto de abuso de autoridade, que tem dois problemas centrais que, juntos, serão um obstáculo para a Lava Jato e outras operações. Primeiro, são criados crimes que podem ser interpretados para enquadrar investigadores que atuam de modo regular. Além disso, os próprios investigados – e não um órgão imparcial – poderão, a seu bel-prazer, acusar criminalmente os investigadores. Isso tornará a atividade de investigar um inferno. A tentativa recente de aprovar uma anistia sorrateira é outro exemplo disso. Já vimos também propostas para dificultar a colaboração premiada e a leniência. Já cogitaram até a criação de foro privilegiado para ex-detentores de cargos públicos e uma nova constituinte para podar os poderes de investigação do Ministério Público.
Por falar em ex-detentores de cargos públicos, o grupo político que estava à frente do poder federal até pouco tempo se diz vítima de uma investigação seletiva. O que há de procedente nesse tipo de crítica?
Dizer que todos esses servidores do Ministério Público, da polícia e do Judiciário, concursados e independentes, fizeram conluio para prejudicar determinados partidos, traindo seu dever funcional, é criar uma teoria da conspiração que não tem qualquer fundamento. Grande parte dessa equipe se formou quando se apuravam apenas crimes financeiros de doleiros, antes mesmo de a Lava Jato chegar à corrupção na Petrobras. O que descobri nessa investigação é que políticos jamais são “criminosos”. Eles são sempre “perseguidos”.
A corrupção alcança mais algumas legendas do que outras?
Quando a defesa jurídica não satisfaz porque as provas são fortes, os fatos são graves e as investigações são regulares, eles lançam mão da defesa política. Buscam tirar a credibilidade do investigador mediante todo tipo de ataque pessoal e alegação de abusos. Vimos isso acontecer diversas vezes na Lava Jato e em outros casos, como o mensalão. É claro que a corrupção não é um problema exclusivo de determinados partidos. Pesquisas, a própria história brasileira e a Lava Jato nos mostram que a corrupção está enraizada e disseminada em diferentes órgãos e esferas de governo. O fato de os três partidos mais envolvidos na Lava Jato serem o PT, o PP e o PMDB não é uma escolha dos investigadores, mas decorre do fato de que, desde 2003, as diretorias da Petrobras e demais cargos de direção do Executivo federal eram ocupados por pessoas indicadas pelas agremiações da base aliada, não da oposição.
O balanço da Lava Jato indica uma recuperação, até o momento, de R$ 3,6 bilhões para um total de R$ 6,4 bilhões em recursos públicos desviados. Existe algum dado histórico que permita comparar essa investigação a outras quanto a valores restituídos?
O caso que virtualmente mais recuperou recursos antes da Lava Jato obteve um valor inferior a R$ 100 milhões. A regra, contudo, é não se recuperar nada, porque os casos de corrupção em geral prescrevem ou são anulados. Anões do orçamento, Marka FonteCindam, propinoduto, a maior parte do caso Banestado, as operações Castelo de Areia, Boi Barrica e Satiagraha e a Ação Penal 461, contra Paulo Maluf, são exemplos. Além disso, nos poucos casos em que o processo criminal chega ao fim com algum sucesso, não há instrumentos legais eficientes para trazer o dinheiro desviado de volta.
A que o senhor atribui o desempenho da Lava Jato?
A Lava Jato é uma exceção por causa dos acordos de colaboração premiada em que os investigados restituíram, voluntariamente, bilhões desviados da Petrobras e de outros órgãos públicos. Contudo, no Brasil, as colaborações são raras porque não existe incentivo quando a regra é a impunidade. Por que alguém faria um acordo em que reconhece os crimes, devolve o dinheiro e se submete a uma pena se existe uma boa chance de se safar completamente? Na Lava Jato foi diferente porque é um ponto fora da curva da impunidade.
Tem provocado grande polêmica o pacote de medidas da força-tarefa da Lava Jato contra a corrupção. O senhor acredita na aprovação desse projeto?
É possível que alguém discorde legitimamente das soluções oferecidas pelo Ministério Público e endossadas pela sociedade, mas é necessário que se formulem soluções alternativas; do contrário, os problemas continuarão. O Congresso é o ambiente adequado para esse debate e aperfeiçoamento das propostas. Temos observado uma boa vontade de alguns parlamentares para encontrar saídas para cada um dos problemas levados ao Legislativo. Isso é uma demonstração de respeito com os mais de 2 milhões de pessoas que, mais do que manifestar apoio às medidas, depositaram suas esperanças de um país melhor sobre o Congresso. A modernização das leis, nesse sentido, é uma sinalização positiva do Congresso para a sociedade, contribuindo para a recuperação da confiança da sociedade no Parlamento após os escandalosos crimes de corrupção expostos pela Lava Jato.
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