Na prática, Cunha determinou que o Projeto de Lei 8220/2014 ande com as próprias pernas. Até a desvinculação, a proposta estava apensada a outro projeto de lei, o PL 5054/2005, de autoria do ex-deputado Almir Moura (sem partido-RJ). Essa proposição torna obrigatória a prestação da prova para quem pretende exercer o ofício da advocacia, como já acontece hoje. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já avisou que vai propor o fim da obrigatoriedade do exame, exatamente na contramão do texto. O parlamentar paranaense já incluiu essa demanda em medidas provisórias editadas neste ano.
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Ou seja: ao invés de se preocupar apenas com o fim da prova de duas fases para o exercício da profissão, representantes da advocacia têm ainda de trabalhar para evitar que o Congresso torne o exame gratuito. A reportagem enviou questionamentos a Cunha sobre o assunto, mas o deputado não deu retorno ao contato até a publicação desta matéria.
“A OAB é uma instituição respeitadíssima. Temos com ela uma relação de altíssimo nível. Jamais ela pode ser penalizada por qualquer disputa aqui dentro. É uma entidade produto da luta democrática. Aliás, devemos muito à OAB o nível deste Parlamento”, disse ao Congresso em Foco o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), que é advogado por formação.
Dizendo não concordar com qualquer iniciativa que tire “poderes da OAB”, Guimarães criticou o fato de Eduardo Cunha, em plena crise político-institucional, tenha tomado decisões como as referentes à entidade da advocacia. “Acho que o que nós temos de discutir é o país. Discutir a retomada do crescimento, quais medidas a serem tomadas. A OAB é a OAB, uma entidade reconhecida nacionalmente. Deixa a OAB funcionar, que é bom para a democracia”, acrescentou o petista.
Outra proposição que Cunha tem às mãos contra a OAB é o Projeto de Lei 804/2007, que aguarda parecer na CCJ da Câmara. De autoria do vice-líder do PR, Lincoln Portela (MG), a matéria institui a eleição direta e o voto secreto para a diretoria do Conselho Federal da OAB, com a participação de todos os advogados registrados na entidade.
Publicidade“Sem advogado não há democracia – este é um dos lemas da Ordem dos Advogados do Brasil. Entretanto, o que causa estranheza, principalmente ao cidadão comum, é o fato da [sic] OAB viver pregando eleições diretas para os cargos eletivos, em todos os níveis e instituições, e não fazê-las dentro da própria instituição”, diz trecho da justificação do projeto.
Parceria condicionada
Membro licenciado do Conselho Federal da OAB, o deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG) deixou de lado a boa relação que diz ter Cunha para defender a classe. “No que toca a esse conflito de interesse havido com a OAB e com a própria classe dos advogados, eu vou ficar em defesa da OAB. Sou contra a extinção do exame de ordem e contra qualquer projeto que restrinja o trabalho da Ordem – seja o trabalho de defesa corporativa dos advogados, seja o trabalho desenvolvido em prol da sociedade brasileira”, disse Pacheco ao Congresso em Foco.
Dizendo alimentar “estima” por Cunha, por quem trabalhou na eleição para a Presidência da Câmara, em 1º de fevereiro, Pacheco diz não acreditar que haja relação entre as recentes decisões do correligionário e o fato de ele estar no foco das investigações da Operação Lava Jato. “São coisas independentes, diferentes. Esse problema da Lava Jato é algo que diz respeito a ele, pessoalmente, e ele fará a defesa no campo próprio. Ele não deixa de ser presidente da Casa por conta disso. E, como presidente da Casa, ele entende que, se há projetos de lei, eles têm de ser pautados”, acrescentou o parlamentar fluminense.
Pacheco disse ainda respeitar a posição do colega, mas promete resistência. “Vamos para o debate e para a votação na Câmara, cada um com seus próprios interesses. Não quero apontar uma causa para esse problema do presidente com a OAB. Eu prefiro acreditar que é uma convicção pessoal, política, ele querer extinguir o exame da Ordem. Há uma série de deputados que são contra a extinção”, arrematou.
“Cartel”
A rixa entre Cunha e OAB é antiga e promete novos desdobramentos. Como este site mostrou em outubro de 2012, Cunha recorreu ao expediente dos enxertos de texto em medidas provisórias para tentar emplacar emenda propondo o fim do exame. Então vice-líder do PMDB na Câmara, Cunha emendava toda e qualquer medida – sete das que foram protocoladas àquela época receberam o mesmo dispositivo (MP 576/2012; MP 577/2012; MP 578/2012; MP 579/2012; MP 580/2012; MP 581/2012; e MP 582/2012). Em abril deste ano, revelamos que o deputado ganhou reforço em sua ofensiva contra a entidade.
“Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a ‘livre expressão da atividade intelectual’, do ‘livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão’. A exigência de aprovação em Exame da Ordem […] é uma exigência absurda que cria uma avaliação das universidades de uma carreira, com poder de veto”, disse Cunha, na justificativa de sua emenda.
No último dia 06 de julho, Cunha classificou a OAB como “cartel” e como entidade “sem credibilidade”. Na ocasião, o peemedebista repercutia pesquisa de opinião encomendada pelo Conselho Federal da OAB apontando que a maioria do povo brasileiro é contra o financiamento empresarial de campanha. Cunha, favorável ao uso do dinheiro de empresas nos pleitos eleitorais, trabalhou para que o tema fosse aprovado na recente votação da reforma política.
Resistência
Três dias depois do bate-boca público, Cunha desarquivou o PL 5062/2005, que submete a OAB ao controle do Tribunal de Contas da União (TCU). O procedimento foi executado de maneira célere e em meio ao calor das declarações de Cunha contra a entidade: em 7 de julho, dia seguinte à acusação de “cartel”, um deputado do Solidariedade, único partido a manifestar apoio ao rompimento de Cunha com o governo, apresentou o pedido de desarquivamento. Dois dias depois, em 9 de julho, o já estava formalizado o desarquivamento pedido por Wladimir Costa (SD-PA).
Segundo o projeto, movimentações financeiras “e demais procedimentos” da OAB passariam a ter controle externo. “As prestações de contas e demais procedimentos a serem adotados pela OAB, inclusive suas Seccionais, serão estabelecidos nas Resoluções e demais normas expedidas pelo TCU”, diz o artigo 3º da matéria. “[…] não parece razoável que a OAB pretenda fugir aos controles legais ou considerar-se de natureza diversa daquela de todas as entidades congêneres”, diz a justificação do texto.
“A OAB é uma entidade de natureza jurídica sui generis, não sei se é o caso de se submeter ao TCU. Preciso fazer um estudo a respeito da constitucionalidade, da pertinência de um projeto dessa natureza”, comentou Pacheco.