“O que posso dizer – e aí independentemente das acusações – é que ele está demonstrando não ter nenhum limite para qualquer ação que seja para concentração de poder. Um ser humano que é capaz de tudo para concentrar o poder, é claro, eleva sobre si as suspeitas. Mas não quero me adiantar ao Judiciário. Ele tem o direito de defesa, e vai responder. Agora, [Cunha] é um ditador”, declarou Glauber, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
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Como exemplo do que seria essa suposta falta de limites, Glauber lembrou que Cunha ignorou em maio o trabalho feito pelo correligionário Marcelo Castro (PMDB-PI), relator da comissão especial da reforma política, e pautou outro conjunto de propostas sobre o tema para votação em plenário. “Os aliados dele têm de ficar de olhos abertos. Ele passa por cima de qualquer aliado eventual se for para atender a seus próprios interesses, no exercício de acumulação de seu próprio poder”, acrescentou.
Um dos parlamentares que irão, na próxima terça-feira (7), ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Cunha, acusando-o de dar “pedalada regimental” na apreciação da proposta da maioridade penal, o parlamentar fluminense diz ser contra o caráter meramente repressivo e punitivo da lei, mas também que entende a força das “tragédias individuais” na sociedade. Nesse sentido, diz defender uma alternativa em que o modelo de punição se combine com medidas socioeducativas, por meio de alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esse processo de ressocialização, pondera, deve ser anterior à própria internação dos jovens infratores, e com acompanhamento constante por parte do poder público. “O Estado não dá conta de fazer assistência social”, sentenciou.
Mas a reclamação principal do deputado é que ideias como essa sequer são levadas em consideração nas discussões da Casa, caso contrariem os interesses de Cunha. “Ele fez com que o regimento pudesse servir aos seus próprios desígnios de não perder uma votação. O que a gente está vivenciando na Câmara, e viveu no dia de ontem, não é uma surpresa – já tinha acontecido na votação do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Há um jogo de cartas marcadas em que, se os interesses do presidente não prevalecem, ele repete as votações até que possa ter sua posição prevalecendo”, acusou, referindo-se ao fato de que Cunha, em menos de 24 horas, pautou a mesma matéria rejeitada na véspera e, na segunda votação, conseguiu aprová-la.
Colocando-se como contraponto ao alegado conservadorismo de Cunha, Glauber define seu mandato como “progressista”, de ideias “mais avançadas”, mas como ressalvas. “É um mandato que faz a defesa das liberdades de natureza civil, mas com crítica àquela posição de que todas as liberdades são possíveis, do ponto de vista econômico. Um mandato liberal nos hábitos e nos costumes, nas relações individuais e nas liberdades civis, mas que acredita que o mercado precisa ter controle por parte do Estado”, explicou.
Ônus do combate
Glauber diz que o confronto com Eduardo Cunha terá continuidade enquanto ele mantiver o “modus operandi” na condução dos trabalhos. A decisão de ir ao STF com representantes de outros seis partidos, como este site noticiou ontem (quinta, 2), serve até para demonstrar que há um grupo de deputados unidos contra os supostos desmandos de Cunha na Câmara.
“Se a gente não fizer isso [ir ao STF], vamos dar todos os instrumentos para a escalada autoritária que se tem desenhado pela presidência de Eduardo Cunha na Câmara. A gente não pode ter um presidente que funcione como mediador, mas como alguém que chantageia”, acusou Glauber, dizendo-se na obrigação de recorrer ao Judiciário “para resguardar o Brasil do ditador, da forma ditatorial com que a Câmara tem sido conduzida”. “O Eduardo Cunha tem todos os elementos para ser considerado, hoje, um ditador”, emendou.
O deputado diz estar consciente das represálias que podem advir de Cunha e seus aliados devido à sua postura de enfrentamento – veto para sua indicação à relatoria de medidas, boicote a postos em comissões etc. Glauber relatou à reportagem que foi preterido pelo peemedebista quando indicado por um grupo que o queria como presidente de uma comissão temática relacionada à educação. “Internamente, é claro que isso [antagonismo] gera um desgaste quando se está em um processo de confrontação”, disse Glauber, para quem está em curso “um jogo em que ele [Cunha] determina sempre o resultado final”. “Isso não é democracia”, resignou-se.
Mudança de tom
O deputado diz que sua atuação parlamentar mudou em razão do fato de Eduardo Cunha ter sido eleito presidente da Câmara. Com combatividade antes direcionada à discussão de questões diversas, bem como a eventuais adversários ideológicos, agora Glauber diz se sentir obrigado a concentrar esforços nos desmandos do desafeto peemedebista – “Uma modificação no enfrentamento”, diz.
Para Glauber, o problema não é Eduardo Cunha em si, mas o conteúdo da pauta legislativa e a maneira como ela é votada e discutida na Câmara, sob sua orquestração. “As circunstâncias mudaram. No mandato anterior, com todas as mazelas e dificuldades, não havia a necessidade – que se colocava como prática – de se estabelecer uma resistência a esse tipo de ação. Eu não me sentiria confortável de estar abaixando a cabeça, ou não estar me posicionando no momento em que sinto necessidade de fazê-lo. Nesse momento, não dá para conciliar com as coisas que o presidente está fazendo”, completou.
No começo da legislatura, lembra Glauber, Eduardo Cunha ainda não sofria tantas críticas como recebe hoje. Àquele período, o PT já estava fragilizado e não poderia alimentar atritos com o PMDB, ao passo em que o PSDB, principal partido opositor, aproveitava a ação de Cunha contra petistas para “constranger” o governo. “Ou seja, ele ficava em uma situação de poder e domínio total. Houve – e há – necessidade de que parlamentares restrinjam esse poder absoluto do presidente”, acrescentou.
Chantagem e medo
Glauber contestou ainda a versão de Eduardo Cunha, encaminhada à reportagem em 19 de maio, de que seria seu “adversário local” no Rio de Janeiro. Segundo essa tese, desafetos como Glauber não aceitam o resultado de deliberações conduzidas pelo peemedebista na Câmara.
“Primeiro, ele está mentindo, tentando criar uma narrativa que é falsa – eu não sou adversário local dele. Até porque, pelo tipo de campanha que ele faz, com vastos recursos financeiros e com cabos eleitorais espalhados pelo estado, nunca disputei eleitorado com ele no Rio de Janeiro”, afirmou Glauber, reafirmando que é a conduta de Eduardo Cunha, e não a sua pessoa, que o incomoda.
“Minhas críticas a Eduardo Cunha, e eu não quero personalizar isso, são ao mudus operandi, ao que ele está fazendo. Ele é presidente da Câmara dos Deputados! Ele não está, no exercício de suas atividades, dentro de sua vida privada, de sua própria casa, onde ele pode fazer o que quiser e todo mundo tem que se curvar. Ele não pode fazer da chantagem e do medo o seu instrumento de trabalho. Os funcionários da Câmara, hoje, estão vivendo um terror, estão com medo das ações que ele possa colocar em prática. Isso é liderança? Não é”, apontou.
Por fim, o Congresso em Foco convidou o deputado a um exercício de imaginação, considerando a hipótese de um impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Entre os principais nomes na linha sucessória estão três peemedebistas: o vice-presidente da República, Michel Temer, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além do próprio Cunha. Instado a comentar o que acharia do PMDB no comando do país, Glauber foi enfático:
“Acho que esse é o pior cenário que a gente pode vivenciar, em qualquer situação e circunstância. Sem querer personalizar, mas essa cúpula do PMDB nacional, com todo o respeito às exceções que possa haver, para mim representa o que há de pior na política brasileira”, concluiu o congressista, para quem um eventual governo Cunha significaria transferir a “pauta conservadora” do Legislativo para o Planalto.
Cunha nega “pedalada regimental” sobre maioridade penal