Declarações feitas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Oriente Médio indicam que pode ficar pelo caminho a ideia de sabatina, no Congresso, de indicações presidenciais para o comando de empresas estatais. A possibilidade, que consta de anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais assinado nesta semana por Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), implica uma sessão de interrogatório por parlamentares e, em seguida, votação secreta no Plenário do Senado.
Depois da reação de descontamento do Palácio do Planalto, que levou a um recuo inicial de Renan, foi a vez de Cunha sinalizar que o Congresso pode abrir mão da sabatina. Em missão oficial a Israel e Rússia, jornada em que é acompanhado por aliados e suas esposas com despesas pagas pelo contribuinte, o deputado ressaltou que a matéria ainda está no início da tramitação.
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“Nós apresentamos um anteprojeto, que será avaliado por uma comissão em até 30 dias. Não podemos afirmar, de antemão, que aquilo ali [o texto] virou uma Bíblia. Aquilo é para discussão. São ideias que foram colocadas, e a comissão vai fazer um relatório final. Eu nem digo que é ruim, nem que é bom”, ponderou Cunha, falando do Oriente Médio.
Ele se refere ao trabalho a ser realizado por uma comissão especial mista (deputados e senadores) para criar instrumentos de controle e qualidade da gestão de empresas públicas e sociedades de economia mista. O colegiado foi criado na segunda-feira (1º), com prazo de 30 dias para apresentar um projeto de lei definitivo sobre o tema. Além da sabatina, que englobaria empresas como Petrobras e Banco do Brasil, o anteprojeto impõe qualificação mínima comprovada para indicados à presidência ou a conselhos administrativos das corporações, entre outras questões (leia mais abaixo e no quadro ao lado).
Eduardo Cunha afirmou ainda que a questão central da proposta não é a sessão de sabatina, mas seus propósitos de transparência. O peemedebista argumentou que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) serviu como modelo para o texto, no que concerne ao tratamento correto das contas públicas em estados e municípios. “Queremos transparência e governança nas contas das estatais. Se esta lei estivesse em vigor, provavelmente o caso da Petrobras teria sido muito diferente”, acrescentou Cunha, referindo-se aos estragos da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que desvendou esquema bilionário de corrupção na estatal petrolífera. O próprio Cunha é um dos investigados por suspeita de envolvimento nos desvios.
Ao promover a diminuição dos poderes do Executivo sobre o comando das estatais, o anteprojeto já é visto como mais uma ação de intimidação de Renan e Cunha ao governo Dilma. No entanto, ambos são investigados por suspeita de envolvimento nas negociatas com a Petrobras, o que os submete à ação da Justiça e os coloca em situação de fragilidade diante da opinião pública e dos próprios colegas.
O anteprojeto
Além da sabatina dos indicados, que seria feita em comissão do Senado antes da votação secreta em plenário, o texto do anteprojeto exige que os escolhidos pela Presidência da República para comandar empresas de economia mista tenham ao menos um ano de experiência no mercado – sugestão vista com bons olhos pelo governo. Conselhos de administração elegeriam os diretores, que deveriam atestar cinco anos de atuação em função profissional semelhante.
O texto também prevê vedação para políticos em postos-chave: ficariam impedidos de integrar conselhos de administração das estatais ministros ou titulares de cargos em até terceiro escalão. Conselhos fiscais e auditorias seriam instituídos para promover a publicação periódica e sistemática dos gastos das empresas públicas, com detalhamento de tais despesas ao Congresso.
No texto do anteprojeto há ainda uma espécie de recall (exoneração ou perda de mandato dos titulares) imposto às diretorias com desempenho comprovadamente insuficiente. O comando deve ser destituído caso a respectiva estatal não cumpra metas e deixe de apresentar resultados pré-definidos por dois anos consecutivos.