Fábio Góis
Em decisão unânime, o Conselho Regional de Medicina, seccional DF (CRM-DF), acatou denúncia contra 18 médicos que atuaram no caso do ex-sargento do Exército Laci Araújo, que ficou preso por quase um mês em um hospital militar, com problemas de saúde, por ter admitido publicamente ser homossexual. Companheiro do sargento da reserva Fernando Alcântara de Figueiredo, Laci trouxe à tona, em meados de 2008, o primeiro caso de homossexualismo declarado nas Forças Armadas, com desdobramentos inclusive no Congresso – com direito a subcomissão, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores do Senado, para analisar o caso.
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Os médicos (veja relação abaixo) foram acusados por “indícios de infração” a nove artigos do Código de Ética Médica (CEM). Provocada pelo próprio Laci, a sindicância de número 227/2006, cujo resultado foi registrado em ata da centésima nona reunião do CRM-DF, apresenta a denúncia de que o fisioterapeuta Ivanildo Clementino dos Santos, responsável pelo setor de pessoal do Hospital Geral de Brasília, insistia em “mantê-lo nas escolas diárias de instrução, a despeito das restrições médicas impostas por sua médica assistente, doutora Regina Caldeira, por ser portador de vertigens, síncopes, vômito e cefaléias intensas”.
Denunciado à Justiça Militar em 18 de agosto daquele ano por “transgressão disciplinar”, Laci reclamou ainda que os médicos Américo Birajara Barbosa Bicca, Andréa Barra Murta, Leandro Marcelino de Lima, Carlos A. dos Santos Zembrzuski subscreveram parecer considerando-o apto para atividades militares mesmo em face à doença. O acatamento da denúncia, apresentada em 2006 – ou seja, antes de o caso ter sido revelado e gerado repercussão nacional –, atendeu ao parecer do conselheiro Antônio Carvalho da Silva.
Entre os atos considerados irregulares por parte dos médicos estão: discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto; envolvimento ou conivência com prática de tortura ou outras formas de procedimento degradantes, desumanas ou cruéis, bem como omissão diante do fato; procedimento profissional danoso ao paciente (imperícia, imprudência ou negligência); cumplicidade com quem exerce ilegalmente a medicina, “ou com profissionais e instituições médicas que pratiquem atos ilícitos”; e falta de esclarecimento ao paciente a respeito das “determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença”.
“Diante de tanta truculência, de tantas atrocidades e de tantas aberrações, considerando, inclusive, que o Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, já procedeu a tipificação do delito cometido, e identificou a responsabilidade do principal denunciado, diretor do Hospital Geral de Brasília, Antônio André Cortez Marques (…), não no resta alternativa outra senão sugerir a instauração de Processo Ético Profissional”, registra a conclusão do parecer da CRM-DF, constituída por médicos civis, englobando “todos os médicos militares (…) que, com menor ou maior gravidade, contribuíram para o clima de tortura psicológica que viveu à época e talvez ainda viva hoje, o sargento Laci Marinho de Araújo”.
Em tratamento
Presidente do Instituto Ser de Direitos Humanos, Fernando Alcântara disse ao Congresso em Foco que foi informado ontem (quarta, 24) sobre a decisão do CRM-DF. “É uma coisa inédita. Para mim é extraordinário, porque é [a resolução] é dentro do CRM, em que as pessoas têm essa visão de preservar os médicos por questões corporativas, de ética interna”, declarou o sargento da reserva, para quem a “perseguição explícita” a ele e ao companheiro nos domínios do Exército foi determinante no acatamento da denúncia.
Segundo Fernando, havia um entendimento da Justiça Militar de que os médicos militares não poderiam ser processados pelos conselhos regionais de medicina, cujos membros são civis. Ele disse, então, ter pesquisado e encontrado jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que se sobrepõe a essa interpretação.
“Fomos adiante com esse processo, e graças a Deus ele prosperou”, festeja o sargento, dizendo que irá até as últimas consequências, no Conselho Federal de Medicina, para conseguir a pena máxima aos envolvidos, que é a cassação do registro profissional. “Não são médicos de fato.”
Fernando disse ainda que estava preocupado com a “morosidade” do processo, que perderia validade em cinco anos (em 2011). E que Laci – que recebeu da neurologista civil Candice Alvarenga diagnóstico de epilepsia no lobo temporal e síndrome ansiosa-adeepressiva –, ainda em tratamento psicológico “por conta da perseguição” dos militares, ficou emocionado ao saber da decisão do CRM-DF. “Ele teve inclusive uma crise de choro.”
Responderão ao processo os médicos Andréa Barra Murta Lima (CRM 8398); Karl Matsumoto (CRM 9218), Marcelo Costa Cronemberger Marques (CRM 9248), Daniela Vasconcelos Claro (CRM 9253), Américo Birajara Barbosa Bicca (CRM 10267), Carlos Alberto dos Santos Zembrzuski (CRM 10290), José Henrique Fernandes Rosalino (CRM 11469), Roberto Henrique Guedes Farias (CRM 12343), Edgar Francisco Hruschka Filho (CRM 13001), Leonardo Bezerra (CRM 13100), Cecília Cardinale Lima de Melo (CRM 13526), Cláudia Simone Grossi Nocito (CRM 14140), Antônio Ferreira da Silva Filho (CRM 14616), Leandro Marcelino de Lima (CRM 14719), Kizi Mateus Kawano (CRM 14857), Renata da Silva Fontana (CRM 15099), Sebastião José da Rocha Neto (CRM 15402) e Antônio André Cortez Marques (CRM 16187).
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