Nas últimas eleições para prefeito do Rio de Janeiro, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), integrante da base governista, disputou com adversários o apoio do presidente da República. Teve a companhia do vice, José Alencar, e recebeu de Lula apenas a declaração de que era o seu “candidato do coração”.
Derrotado nas eleições depois de envolvido no incidente que cercou o projeto Cimento Social, quando morreram três jovens entregues por um tenente do Exército a traficantes rivais, Crivella se mantém fiel ao presidente Lula e aos programas sociais do atual governo.
Mas o senador, líder do PRB, tem visão própria quando o assunto é Senado. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, critica a decisão do presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), de arquivar as representações contra Sarney e defende que se busque “a verdade, doa a quem doer, custe o que custar”. Para ele, a crise de agora é uma oportunidade para rever certas práticas vigentes na política brasileira: “Precisamos mudar. Sentar e rever tudo aquilo que nos envergonha.” Mas não deixa de questionar colegas envolvidos com nomeações de parentes e afilhados políticos.
“O presidente Sarney tem 50 anos, quase 60 anos de vida pública. Ajudou a família, ajudou aliados. Eu tenho cinco anos. Eu não tive tempo de ajudar a família nem interesse de ajudar aliados ou de nomear pessoas. O presidente Sarney enriqueceu”, declarou o senador. Ainda sobre o Senado, Crivella destaca as qualidades do líder do PSDB, Arthur Virgílio (PSDB-AM), mas acrescenta que, se o Conselho de Ética usasse o “rigor da lei”, tanto o líder do PSDB como Sarney deveriam ser julgados pelo plenário da Casa.
Cantor gospel e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, ele afirma que nunca houve moral cristã nos atos e nos costumes políticos no país. “Temos que inscrever todos os nossos pecados e dizer o que temos que fazer para que eles não ocorram mais”, completa Crivella, um engenheiro civil, hoje com 51 anos, que estreou na política elegendo-se senador com mais de 3,2 milhões de votos em 2002.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Congresso em Foco – O Senado saiu de uma crise política e entrou num clima de briga de rua. Como o senhor vê o Senado hoje e quais as possibilidades de essa situação ser superada?
Senador Marcelo Crivella – Os costumes políticos no Brasil sempre foram à margem do que a gente pode chamar de ética cristã. E daquilo que todos nós trazemos de berço. Quando essas coisas vêm à tona, chocam a opinião pública. O Senado precisa se aperfeiçoar e, ao invés de olhar para trás, precisa olhar para a frente. Precisamos criar dispositivos para que esse regimento interno não seja mais esse cipoal de regras que a gente não consegue entender. Inclusive por que há diversas portarias que alteram o regimento interno. É uma coisa enorme que dificulta a vida dos senadores, das assessorias e da opinião pública, que tenta conhecer essa Casa como ela deve ser conhecida.
O regimento do Conselho de Ética também precisa ser alterado?
É confuso e admite diversas interpretações. Há um tempo atrás essa era a genialidade política. Era escrever uma norma que permitisse interpretações favoráveis às situações do momento e ao grupo que tivesse a hegemonia do momento.
E foi isso que favoreceu o arquivamento das denúncias contra o presidente do Senado?
Eu acho que não. O arquivamento das denúncias se deu, e a oposição com razão vai questionar, por uma interpretação pessoal que não é permitida nessa fase da investigação. Por que nessa fase são apenas três pressupostos que podem ser usados para não dar seguimento às denúncias. São três hipóteses. O autor da representação não ter legitimidade, o prazo para análise não ter sido cumprido e os fatos terem sido cometidos antes do exercício do mandato. Esses três requisitos foram cumpridos pelas representações. Eu acho que tecnicamente e juridicamente ele [o presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque (PMDB-RJ)] errou. Eu até cheguei a conversar com ele, mas ele não deu prosseguimento ao assunto. Acho que qualquer decisão precipitada neste momento não ajuda o presidente Sarney, não ajuda a Casa e nem tampouco o presidente Lula. Nós só temos uma saída para a crise: é a verdade. Doa a quem doer, custe o que custar. Mas eu creio que quando a sociedade vai julgar, ela é generosa. Uma vez eu li uma entrevista do presidente Fernando Henrique, é um sociólogo importante, onde ele dizia que a classe política se beneficia da corrupção dos políticos. A classe pobre diz o seguinte: “Se eu tivesse lá faria a mesma coisa. Eu também iria me arrumar se estivesse naquela posição”. Já a classe média é extremamente crítica porque não tem acesso. Eu concordo que nós precisamos rever esses conceitos. Sem se preocupar com punição, mas em corrigir isso tudo. O presidente Sarney tem 50 anos, quase 60 anos de vida pública. Ajudou a famílias, ajudou aliados. Eu tenho cinco anos. Eu não tive tempo de ajudar à família nem tive interesse de ajudar aliados, de nomear pessoas. O presidente Sarney enriqueceu. Eu poderia ser acusado de empobrecimento ilícito, se fosse crime. Porque doei mais de R$ 10 milhões para o pobres do Nordeste e agora estou fazendo com recursos próprios o Cimento Social. Ou seja, nós temos biografias opostas. Eu fui massacrado pelo [jornal O] Globo nas vezes em que tentei disputar um cargo eletivo. Como ele está sendo agora massacrado pelo O Globo.
O senhor também acredita na tese de que as denúncias contra Sarney fazem parte de uma complô da imprensa?
Fazem parte de uma estratégia eleitoral. Eu gostaria que fosse uma coisa de pureza da alma. De realmente passar o Brasil a limpo e de construir uma sociedade melhor. Mas eu vejo que por trás de muitas dessas matérias o que existe são interesses corporativos e estratégia eleitoral. Há uma reação política quanto a isso. Por que os políticos não são otários, não são bobos e têm acesso às informações. E aí começa um jogo de desculpas, de maquiagem e que não vai aperfeiçoar o processo. Não vai dar em nada. Devemos aqui no Senado aproveitar essas crises para escrever normas para que isso não se repita. Também não me preocupo com punições excessivas nem com cassação.
O vice-presidente José Alencar se posicionou contra a defesa que o governo vem fazendo em favor de José Sarney e disse que ele deveria renunciar. Como o senhor lida com essa posição dentro do seu partido?
Eu nunca discordei do José Alencar. Não por ser líder do meu partido e por eu ser um homem de partido. Mas por uma profunda convicção de que ele foi trazido pela mão de Deus para dar um extraordinário serviço ao país. Hoje ele é uma unanimidade e ocupa os píncaros da moralidade deste país, de maneira destacada. Mas eu não tive tempo, quando o partido discutiu a questão do presidente Sarney, de me aconselhar com o vice-presidente. Pelas circunstâncias, deveria ser uma sugestão [do vice]. Seria um conselho de amigo e respeitaríamos a decisão dele. Ele preferiu a decisão mais dolorosa. O processo mais difícil, a linha do calvário. Nós aceitamos com resignação, mas achamos que não seria o melhor para ele. Hoje eu não sei se é o melhor momento, também não sei se o José Alencar lhe aconselharia a fazer isso. Mas num determinado momento a renúncia seria a melhor saída. O que as pessoas lá fora precisam entender é que, na política, é o homem e as suas circunstâncias. Que tem que colocar as coisas na balança. Não estou dizendo aqui que vamos fazer conluio e ter compromisso com erro. Mas o PMDB é fundamental para o governo do presidente Lula. Sem o PMDB, o governo não consegue aprovar nem um adido para ocupar lugar em qualquer embaixada menos expressiva. Nem um adido.
O senhor disse que as denúncias contra o presidente do Senado não deveriam ser arquivadas. E as denúncias contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-MA) devem ter o mesmo caminho?
Não quero ser leviano, mas ele mesmo levanta suas faltas. Ele não se perdoa. Ainda que o Senado votasse perdão, ele iria amargurar isso até o último suspiro da sua vida. O que mostra para nós que esse sujeito tem ética e é digno. Mas que, num momento de infortúnio, cometeu algo que fere o decoro. O empréstimo do Agaciel e, principalmente, a questão do assessor pago enquanto estava no exterior, na qual ele foi o mais prejudicado, porque perdeu o assessor. Se nós fôssemos julgar no rigor da lei, ele não teria escapatória. Agora eu pergunto: Até que ponto isso fará mesmo justiça? Sei que o presidente Sarney tem uma vida de serviços prestados ao país, mas se também formos ao rigor da lei, não estou aqui de maneira nenhuma para ser mais justo que os justos, certamente iríamos encontrar razões efetivas para um julgamento no plenário. Mas estou mais preocupado que essas coisas não venham a se repetir. Temos que inscrever todos os nossos pecados e dizer o que temos que fazer para que eles não ocorram mais. Eu acho que as duas investigações deveriam seguir o seu caminho e esclarecer tudo o que aconteceu para a opinião pública.
Como o senhor vai lidar, já que é vice-presidente da CPI da Petrobras, com as denúncias da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira de que a estatal fez manobras contábeis para pagar menos imposto? E também da denúncia de que a ministra Dilma Rousseff pediu a ela para acelerar a apuração sobre o senador José Sarney e sua família?
Amanhã [hoje, dia 11] nós vamos ouvir a Receita Federal. Como o depoimento da Lina foi deixado para um segundo momento, ela foi incentivada pela oposição e pelo o que ela acredita a fazer isso publicamente nos jornais. Não sei agora se valeria a pena chamá-la para que ela fale tudo isso de novo. Diante disso, eu farei uma série de questionamentos ao atual secretário da Receita. Acho que, se a Petrobras fez manobras para pagar menos imposto, a sociedade brasileira foi prejudicada e isso tem que voltar aos cofres públicos. Também defendo punições para quem fez isso de maneira sorrateira, e neste momento se não fosse a descoberta da imprensa, nós nunca íamos saber disso.
E com relação a essa questão da ministra Dilma?
Nós devíamos esclarecer isso chamando a ex-secretária Lina. Em relação à Petrobras, ela já disse o que deveria ter dito. Mas com relação à ministra, caberia sim, não na minha comissão, mas no Conselho de Ética, onde se investigam esses procedimentos. Seria interessante que ela viesse aqui para dizer com todas as letras como ela interpretou esse pedido. É uma coisa que merecia um esclarecimento melhor, mas isso não está ligado à questão da Petrobras.
Na questão administrativa, o Senado ainda pode recuperar a imagem depois de tantas denúncias?
Agora é o momento de reconstruir o Senado do jeito que a sociedade espera. Se você olhar meu quadro de funcionários vai ver que ficam vagas sem preencher por meses e até anos. Mas há senadores que lotaram, aqui, no Interlegis, arrumaram cargos na Mesa, na TV Senado, e eu sou o mais prejudicado por essas coisas porque eu sou só senador. Querendo ou não, eu tenho o ônus dessas práticas que estão erradas. Viagens custosas e tratamento médico. Meu Deus, se eu nesses anos todos gastei mais de R$ 100 mil com tratamento médico foi muito. Mas sei que aqui tem senador com R$ 700 mil de despesas de um único parente. Contratos com aditivos sem nova licitação. Mas é preciso que a gente não perca o caminho com essas ofensas.
O senhor falou em Interlegis e o Congresso em Foco mostrou que não existe transparência sobre R$ 84 milhões gastos no projeto feito em parceria com o BID. Como o senhor vê essa questão?
Eu li. Vejo com tristeza e desalento. E com vergonha. Jamais imaginei que teria que vir para cá e fiscalizar os costumes desta Casa. Chamei minha assessoria e pedi explicações ao diretor do Interlegis. E ele me disse que era tudo feito assim mesmo. E se era feito sempre assim, permite que as coisas erradas continuem sendo feitas erradas. Precisamos mudar. Sentar e rever tudo aquilo que nos envergonha. Isso é um vexame e uma coisa impossível de acontecer. Vamos escrever as normas com as devidas punições para evitar tudo isso.
Como o senhor acha que a classe C, que subiu socialmente no governo Lula, vai se posicionar nas eleições de 2010?
Eu conheço essa fatia por que foi nela que a Igreja Universal cresceu há 30 anos. Motivando essas pessoas com os princípios da fé e sem qualquer assistencialismo. Foi isso que nos levou a chegar a 170 países no mundo. Sem ajuda de um rico caridoso ou qualquer subsídio do Estado. O presidente também conhece bem essa classe emergente e ajudou essas pessoas de maneira sincera, o que é fundamental. As pessoas sabem discernir politicagem de política e aproveitaram as oportunidades. O Prouni, por exemplo, é um sucesso extraordinário.
Então essas pessoas vão retribuir em votos essa ajuda dada pelo governo?
Nessa classe, absolutamente e completamente. Será uma retribuição firme à candidatura daquele que for suceder o presidente Lula com seu apoio. Claro, nós vamos enfrentar uma campanha difícil por conta do processo eleitoral ter sido deflagrado com muita antecedência. Mas vamos com uma empolgação de um governo que até antes da crise tinha um sucesso extraordinário. E a crise ainda mostrou que o governo estava bem para suportar a ventania. Agora de certa maneira, eu vejo na mídia principal, no Rio e em São Paulo, no sul do país e em Minas, críticas acentuadas contra o governo Lula, sempre tentando realçar os seus defeitos. A candidata do presidente Lula também tem um problema de saúde e não tem um perfil tão popular quanto o presidente. Mas eu acho que o presidente Lula terá a gratidão e o reconhecimento dessa classe que conseguiu ter suas aspirações na vida.
O senhor então acha que o Bolsa Família não é um programa assistencialista?
Eu acho que o Bolsa Família é o mínimo que o Estado tem a fazer por tanto anos de estagnação econômica e por ter colocado uma parcela imensa da nossa população na miséria, sobretudo no campo. Muitos são idosos e, hoje, não têm condições de ser empregados novamente. Para aqueles que têm condições, o governo está fazendo. O ministro Patrus [Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome] tem feito relatórios e eu tenho lido de ações de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho. Existem também muitas viúvas que não podem sair de casa porque estão cuidando de netos. Mas é muito importante dizer que o presidente Lula fez o maior número de escolas técnicas desde Nilo Peçanha e até Fernando Henrique. Aliás, o Fernando Henrique não fez nenhuma. Isso é uma coisa fundamental e acaba com aquela coisa do jovem dizer que se formou e não tem condições de trabalhar porque não passou por nenhuma experiência. Na escola técnica, o sujeito já sai com experiência.
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