Osvaldo Martins Rizzo* |
Há quase três séculos, quando cada morador de Paris podia consumir no máximo um litro de água ao dia, o fisiocrata normando Jacques Turgot escreveu: “a água, apesar de necessária e da multiplicidade de prazeres que oferece ao homem, não é considerada algo precioso em um país bem surtido”. O Brasil do século XXI, detentor de quase 13% de todo o estoque de água doce do mundo, prova que Turgot estava certo, pois seus dirigentes continuam depreciando o assunto ao classificá-lo como de baixa prioridade. A previsão de colapso no abastecimento, que freqüentemente volta à baila, advém da manutenção do comportamento do uso do líquido como se fosse um recurso natural grátis e inesgotável, e não uma mercadoria de oferta finita com preço ditado pelas regras do mercado, apesar da vigência da Lei Federal 9433/97, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e define a água como bem dotado de valor econômico. A crescente demanda urbana, os usos múltiplos e a contaminação estão reduzindo a oferta e, lentamente, definindo seu preço como uma commoditie. As autoridades responsáveis pela questão negam a culpa acusando os períodos de estiagem pelo déficit de oferta. Todavia, o risco de desabastecimento decorre, essencialmente, dos baixos investimentos em saneamento básico realizados nas últimas décadas. Para ilustrar: a maior empresa de saneamento básico das Américas – a estatal paulista Sabesp – que, em 1998, realizou investimentos em um volume superior a R$ 1,1 bilhão, investiu menos de 40% desse valor no ano seguinte e, em 2001, ainda investia menos do que em 1.996, em valores correntes. Nem o dado oficial de que a mais de quarenta milhões de brasileiros falta um sistema regular de abastecimento saudável sensibiliza as autoridades, ocupadas em promover o “assembleísmo” para polemizar opiniões e adiar decisões, atendendo a interesses políticos conjunturais e preservando o daqueles que lucram muito com a proliferação das doenças causadas pela falta de saneamento. Os defensores da estatização se opõem às propostas dos liberais alegando temerem a implantação do chamado modelo “açougue”, que privatizaria os serviços nas regiões metropolitanas superavitárias – o filé – deixando o osso para o poder público que arcaria com o custo de atender às pequenas cidades deficitárias. O recente voto no Supremo Tribunal Federal (STF) – em ação que suspendeu o processo de privatização da Cedae-RJ – a favor dos estados na disputa que travam com os municípios pela titularidade das competências nas regiões metropolitanas, por exemplo, contrariou a diretriz básica do anteprojeto de lei elaborado pelo governo federal para regulamentar o setor, adiando ainda mais o fim dessa polêmica que atrasa a efetivação de mais investimentos privados com a definição de marco regulatório estável, necessários à universalização dos serviços de saneamento. Por sua parte, dirigentes de algumas das empresas concessionárias desses serviços continuam omissos diante da futura crise de oferta que exigirá o racionamento compulsório permanente. A implantação de permanentes campanhas educativas de combate austero ao desperdício – cuja taxa está estacionada, há anos, nos 40% –, para reduzir voluntariamente o consumo urbano, continua sendo postergada devido ao seu potencial de risco eleitoral e ao temor de derrubar as receitas das concessionárias, expondo-as a uma crise de geração de caixa semelhante à vivida pelas distribuidoras de energia elétrica no período do racionamento implantado em 2001, quando o consumo caiu mais de 30%. Na região mais populosa do país – a Metropolitana da Grande São Paulo – a situação é grave, com o consumo praticamente igualando a capacidade instalada de produção de água potável. Há quase dois decênios os técnicos vêm alertando para a necessidade de novas fontes fornecedoras para atender à demanda crescente. As autoridades paulistas foram surdas aos alertas e, hoje, o sistema trabalha sem ociosidade e sob o constante risco de colapso de abastecimento, prognosticando para o futuro a sua total falência. * Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro, consultor e ex-conselheiro do BNDES Os textos para esta seção devem ser enviados, com no máximo 4.000 caracteres e a identificação do autor (profissão e formação acadêmica), para congressoemfoco@congressoemfoco.com.br |
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