Lúcio Lambranho
A CPI das ONGs guarda há quase um ano relatórios ainda sem análise sobre a movimentação financeira de 19 entidades suspeitas de desvios de recursos por meio de convênios com o governo federal. Os dados enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) chegaram à secretaria da comissão no dia 4 de junho de 2008.
Mesmo com informações importantes nas mãos, senadores da base aliada e da oposição preferiram não aprofundar a investigação na comissão, que agoniza desde o ano passado com a falta de quorum. O sopro dado anteontem à CPI com a substituição do relator, Inácio Arruda (PCdoB-CE), pelo líder tucano, Arthur Virgílio (AM), não deve tirar a poeira desses relatórios.
Os oposicionistas querem mirar os convênios das entidades que receberam dinheiro da Petrobras, alvo da CPI que será relatada e presidida por senadores governistas.
O novo relator da CPI reconheceu não saber da existência dos dados do Coaf e nem por que os senadores da oposição deixaram de analisar essas informações. “Tem documentos que ainda não foram analisados e agora serão examinados. Não tenho vocação para passar a mão na cabeça de corrupto”, disse Arthur Virgílio ao Congresso em Foco.
Com o pedido de informações ao Coaf, os oposicionistas da CPI das ONGs buscavam indícios que justificassem a aprovação da quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de organizações não governamentais ligadas ao governo Lula. Em desvantagem numérica em relação à base aliada, ocupando apenas quatro das 11 cadeiras do colegiado, a oposição não conseguia aprovar as quebras de sigilos sem antes ter os dados do Coaf que pudessem revelar o uso indevido dos convênios.
A movimentação financeira envolve entidades ligadas à questão agrária e à saúde indígena. Também há dados sobre repasses para ONGs do programa Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes, para convênios do Ministério de Ciência e Tecnologia e até mesmo para uma organização utilizada pela máfia das ambulâncias para fraudar o Ministério da Saúde.
Antes mesmo de começar a funcionar, após quase três meses de adiamento, a CPI sofreu blindagens de ambos os lados. Como mostrou o Congresso em Foco (leia mais), as investigações travaram quando a oposição quis preservar a análise sobre os convênios da Alfabetização Solidária (Alfasol), fundada pela mulher do ex-presidente Fernando Henrique, Ruth Cardoso. A tentativa de blindar a ONG de Ruth ocorreu em uma das reuniões da CPI realizada reservadamente. Em contrapartida à proteção, haveria outro muro de contenção. A comissão não mexeria na Rede 13, entidade petista extinta em agosto de 2003 e que foi dirigida por Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente Lula.
O esvaziamento da comissão, que chegou a marcar recentemente depoimentos às sextas-feiras, quando o quorum dos senadores é muito baixo, permaneceu mesmo ontem com a posse do novo relator. O líder do PSDB tomou posse na presença apenas de funcionários das comissões. Com ele só o presidente da CPI, senador Heráclito Fortes (DEM-PI).
Durante seu discurso, Arthur Virgílio disse que vai pedir quebra de sigilos por acreditar na “decência” dos seus colegas de comissão. “Não é possível que todos se lixem para opinião pública. Sei que já tem um que disse que se lixava, mas acredito na decência dos meus colegas”.
Para tentar amenizar o clima hostil com o governo na CPI, Heráclito Fortes classificou como “fantástico” o trabalho do ex-relator, Inácio Arruda. O presidente da comissão disse que o colega deu grande contribuição ao propor um novo marco legal para o repasses do governo às entidades.
Como revelou este site (leia mais), a proposta feita pelo relator antes mesmo da conclusão dos trabalhos da comissão abre lacunas em vez de aumentar a fiscalização dos repasses públicos às organizações não-governamentais.
O anteprojeto cria o convênio gerencial, mecanismo pelo qual a entidade poderá “aplicar os recursos livremente” de modo a obter a melhor qualidade e eficiência na realização das atividades. Na justificativa do projeto, o senador do Ceará é ainda mais enfático na sua proposição de liberar o gasto do dinheiro público pelas ONGs.
“Pouco importa como o dinheiro foi gasto pela entidade de direito privado: relevante é saber se as metas ou atividades conveniadas foram devidamente atingidas. Desse modo, o esforço da máquina de controle e fiscalização estatal estará centrado nos fins e não nos meios. Essa é a lógica do convênio gerencial”, sustenta o senador.
A reportagem tentou contato ontem com senador Inácio Arruda e o ex-presidente da comissão, Raimundo Colombo (DEM-SC), para ouvi-los sobre os motivos que levaram a CPI a não analisar os dados do Coaf. Os dois não retornaram o pedido de entrevista até o fechamento desta edição.
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