Em depoimento encerrado há pouco na CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas da Câmara, o diretor-adjunto afastado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), José Milton Campana, admitiu ter sido vítima de rastreamento telefônico. "Não tenho dúvida", disse Campana, que ficou por cerca de seis horas discutindo o episódio do grampo telefônico que flagrou diálogo entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Ao ouvir a afirmação de Campana, o deputado Pompeo de Matto (PDT-RS), que o interpelava, rebateu: "Se o senhor não tem dúvida, que dúvida terei eu?", disse o parlamentar gaúcho, para quem todos os presentes à oitiva estariam com os telefones grampeados.
Segundo Campana, seria "quase impossível" uma investigação chegar à autoria de grampos, uma vez que a tecnologia empregada no processo teria evoluído exponencialmente nos últimos anos. Ele disse concordar com a idéia da banalização do mecanismo, apresentada pelos parlamentares da CPI.
Leia também
Defesa
Antes do encerramento do debate, o presidente do colegiado, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), anunciou para a próxima quarta-feira (10) o depoimento do ministro Nelson Jobim (Defesa), conforme requerimento aprovado hoje (3).
Nos últimos instantes da oitiva, Campana chegou a se contradizer quando afirmou que os equipamentos adquiridos pela Abin, em parceria com o Exército, não executavam grampos. Ele afirmou que os aparelhos são capazes de fazer escutas telefônicas em um campo aberto (sem obstrução) de até 100 metros. A informação foi confirmada pelo diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações da Abin, Otávio Carlos Cunha da Silva, que participou do depoimento.
O ministro Jobim foi justamente convocado para esclarecer em que termos se deu a aquisição de "maletas" com equipamentos aptos a executar escutas telefônicas.
Interlocutores do governo informam que a revelação da compra das maletas foi feita pelo próprio Jobim, em reunião realizada na segunda-feira (1º) no Palácio do Planalto, entre o presidente Lula e os ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso (vice do STF) e Carlos Ayres Britto. A informação de Jobim teria sido determinante para o afastamento temporário da cúpula da Abin.
Reticências
Ao Congresso em Foco, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), membro da CPI, disse que o depoimento de hoje ainda deixou algumas perguntas sem resposta. No entanto, considerou, o colegiado avançou em alguns pontos sobre a questão das escutas ilegais.
"Há ao menos uma suposição de que o ministro Jobim afirmou que a Abin detém o equipamento que deu margem para o monitoramento, sem o conhecimento da direção da Abin, que pode ter justificado o afastamento dos diretores", declarou Fruet, para quem ainda é preciso esclarecer se os equipamentos adquiridos pela Abin fazem escutas. "Para isso está sendo feita a perícia."
Já Marcelo Itagiba demonstrou ter restrições ao que foi dito pelo diretor e pelo técnico da Abin em relação às referidas maletas. "Eu não convencido de nada", disse o deputado, para quem a perícia será essencial para esclarecer a capacidade do aparelho. "O próprio Departamento de Polícia Federal possui esse equipamento, o que é um perigo", acrescentou o parlamentar fluminense, explicando que a PF poderia, a qualquer instante, interceptar pessoas sem autorização judicial.
Há 25 anos à frente da segurança comunicacional da Abin, Otávio disse à reportagem que desenvolve "algoritmos e dispositivos criptográficos" para a segurança da comunicação de dados e voz da agência. E que sua participação no depoimento se resumiu a assessorar o "Doutor Campana" nas questões "mais técnicas" que foram abordadas pelos deputados. (Fábio Góis)
Leia também:
CPI: diretor afastado da Abin diz ser vítima de grampo
Abin não fez e não faz grampos, diz Campana
Campana: Abin quer fazer escutas telefônicas
Equipamento não faz escuta telefônica, diz Campana
Diretor-adjunto da Abin confirma parceria com a PF
CPI convoca Jobim e diretores da Abin e da PF
CPI quebra sigilo das operações Chacal e Satiagraha
Lula recebia relatórios de grampos ilegais, diz oposição
Depoimento de Jobim será na próxima quarta-feira
MPF-DF investigará maletas para escutas telefônicas
Tarso enviará projeto ao Planalto que pune grampos
Congresso quer criar ouvidoria dentro da Abin
Grampos: Garibaldi dá 5 dias para investigação interna
Comissão aprova convite para Mendes e Demóstenes
Presidente da OAB critica “estado de bisbilhotice”
Procurador critica e pede punição para grampos ilegais
Atualizada às 21:36.