Um pedido de vistas coletivo apresentado há pouco na CPI do Sistema Carcerário adiou a votação do parecer lido hoje (25) pelo relator da matéria, deputado Domingos Dutra (PT-MA). Em uma reunião tensa, o relator pediu o indiciamento de 32 pessoas de sete estados ligadas ao sistema penitenciário brasileiro, sendo que oito delas de Mato Grosso do Sul. Diante disso, a bancada sul-mato-grossense na Câmara aproveitou vagas no colegiado para incluir, de ontem (24) para hoje, três parlamentares contrários ao parecer: Nelson Trad (PMDB-MS), Waldir Neves (PSDB-MS) e Geraldo Resende (PMDB-MS).
“O que verificamos foi que houve, na última reunião, uma rebelião dos próprios deputados dentro da CPI”, lamentou o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), fazendo analogia a um dos principais e recorrentes problemas em presídios – as rebeliões de presos. Ao Congresso em Foco, Arnaldo disse ainda que mais dois deputados – Dagoberto Nogueira (PDT-MS) e Waldemir Moka (PMDB-MS) – estavam "perturbando" a reunião da CPI sem ao menos pertencerem à comissão.
O presidente da CPI, deputado Neucimar Fraga (PR-ES), leu o requerimento enviado por ele mesmo ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), solicitando o adiamento dos trabalhos do colegiado por mais 15 dias, para que nova diligência fosse feita a fim de averiguar a situação dos presídios de Mato Grosso do Sul. O estado é apontado pelo relator como o mais problemático do país no que concerne ao sistema prisional.
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Ao final da reunião, Neucimar anunciou para ainda hoje outra reunião: a que definiria a convocação do governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), ou de outro estado da Federação. Além disso, seria definida a data para a nova visita ao estado. Além de Mato Grosso do Sul, autoridades de segurança pública dos seguintes estados foram incluídas na lista de indiciamentos: São Paulo, Pará, Piauí, Santa Catarina, Bahia e Rio Grande do Sul.
“Vamos votar o relatório assim que votarmos dessa diligência”, garantiu Neucimar Fraga, acrescentando que “é de ofício”, ou seja, regimental a automática prorrogação dos trabalhos mediante o encaminhamento da solicitação do presidente do colegiado à Mesa Diretora. Um acordo costurado ontem (24) previa a exclusão do nome do secretário de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Wantuir Jacini, da lista de indiciados, em troca da votação do parecer de Dutra ainda hoje. “Foi buscado o entendimento. Não houve. Então, daqui para frente vamos para o voto”, completou Fraga.
Bate-boca
Uma discussão acalorada se deu quando o deputado Nelson Trad interrompeu a leitura do relatório, questionando o suposto “excesso” em relação ao indiciamento de autoridades de segurança pública ligadas à questão prisional em seu estado. Foi quando o presidente da comissão o interpelou e lembrou o fato de que ele fora incluído entre os membros da comissão de ontem para hoje.
“Vossa Excelência está me chamando de intruso?”, rebateu Trad, provocando a intervenção irritada do relator Domingos Dutra, que criticou o pedido de mais tempo feito pelos parlamentares de Mato Grosso do Sul para analisar o relatório. Emocionado e fazendo menção ao difícil trabalho que capitaneara, Dutra pediu “isenção política” aos pares, acusando-os de defender os interesses de seus estados.
Para Dutra, eles temem que as investigações apontem a responsabilidade de algumas autoridades – possivelmente aliados políticos de membros da bancada sul-mato-grossense – em relação ao caos verificado no sistema carcerário. Em seu relatório, Dutra denuncia o “inferno carcerário vigente no país”, e elaborou uma lista de indiciamentos que inclui juízes, promotores, defensores públicos e agentes penitenciários.
Porcos
Irredutível, Domingos Dutra descartou a hipótese de excluir da lista de indiciamentos o nome do secretário Wantuir Jacini. Para Dutra, os agentes de segurança pública do estado cometem seguidas violações aos direitos humanos.
“O que me espanta é que o juiz é bom, o promotor é maravilhoso, o defensor é ativo e deixam os presos dormirem com porcos. O secretário [Wantuir Jacini] fez tudo pra gente não ir à Colônia [Penal Agrícola de MS], tentou obstruir o trabalho da CPI. Eu lhe pergunto: que diabo é isso?”, desabafou Dutra à imprensa, munido de fotos que registraram o local onde os presos teriam dormido com porcos na Colônia Penal, além de instalações do lugar.
“Se a CPI não tivesse ido lá, ainda hoje eles estariam dormindo com os porcos, que era para os agentes penitenciários comerem porco bem gordinho, tratado pelos presos que dormiam no mesmo lugar”, ironizou o relator, reiterando que não será convencido a mudar a lista de indiciamentos. “Se eu puder, indico mais gente para ser responsabilizada, porque o que constatamos é algo desumano, violações continuadas de direitos humanos dos presos.”
“Na verdade, eles [deputados da bancada de Mato Grosso do Sul na CPI] é que deveriam estar no chiqueiro”, emendou Arnaldo Faria de Sá, defendendo que a comissão não se restrinja a punir, mas que apresente propostas consistentes que mudem o “quadro” do sistema prisional no país. “A situação é degradante.”
Por sua vez, Nelson Trad apontou a “intromissão” da CPI no que concerne à “soberania” do estado de Mato Grosso do Sul, ao insistir na convocação do governador André Puccinelli para depor ao colegiado. “Se não me engano, isso é inédito na história das comissões parlamentares de inquérito”, advertiu, reclamando nos cortes de recursos, por parte da União, destinados a projetos de melhoria do sistema carcerário. “O que tem de ser restaurado é o princípio da responsabilidade da União. Os estados não têm condições de suportar esta crescente massa carcerária.”
Em seu relatório, Domingos Dutra lista 28 recomendações de conduta aos estados em relação às políticas penitenciárias. Além disso, registrou sugestões específicas de acordo com a realidade de estados como Santa Catarina e Goiás. (Fábio Góis)
Matéria atualizada às 20:17.