Juristas ouvidos pelo Congresso em Foco entendem que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo na linha sucessória à Presidência da República, pode ser imediatamente afastado do comando da Casa se virar réu da Operação Lava Jato. Ou seja, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite a denúncia que a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve apresentar contra Cunha, em breve, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
No entendimento dos especialistas, como Cunha pode vir a ocupar a Presidência da República em eventuais ausências da titular, Dilma Rousseff, e do vice, Michel Temer, também está sujeito a ser enquadrado no artigo da Constituição que trata do afastamento do chefe do Executivo. O dispositivo estabelece que o presidente tem de ser afastado do cargo, por determinado período, caso vire réu no Supremo.
De acordo com o idealizador da Lei da Ficha Limpa e coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), juiz Márlon Reis, o STF pode afastar Eduardo Cunha de ofício, com a aplicação do artigo 86 da Constituição.
O artigo 86, combinado ao parágrafo 1º, inciso 1º, define que o presidente da República “ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal”. Para Márlon, isso se aplica diretamente àqueles que estão na linha sucessória presidencial, como o vice-presidente da República e os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal – este, o último da linha sucessória.
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“A intenção do legislador ao incluir estes aspectos é de não contaminar o andamento do processo. É uma questão que pode ser definida, por exemplo, em uma simples questão de ordem se o STF acatar a denúncia da PGR”, afirmou Márlon ao Congresso em Foco.
Esse afastamento, no entanto, seria por um período de 180 dias. “Esse prazo é determinado para que o processo tramite o mais rápido possível”, assinalou o juiz.
PublicidadeA mesma tese é defendia pelo jurista Luís Flávio Gomes, ex-juiz e ex-promotor de Justiça, considerado uma das principais autoridades brasileiras no estudo do Código Penal. Para ele, é possível também um afastamento de ofício de Cunha caso seja aplicado o artigo 319 do Código Penal. Esse dispositivo versa sobre as possibilidades de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.
Segundo o jurista, como o presidente da Câmara não pode ser preso, por ter foro privilegiado (parlamentares só podem ser presos em caso de homicídio ou crimes hediondos com flagrante ou condenação sem possibilidade de recurso), o STF pode determinar seu afastamento por meio da aplicação do artigo 319. De acordo com Luiz Flávio, isso também pode ser feito por determinação dos próprios ministros. “É um afastamento preventivo para se evitar a contaminação das provas”, disse o ex-juiz.
Precedentes
No transcurso da Lava Jato, os ministros do STF já aplicaram o artigo 319 quando revogaram a prisão preventiva de nove empreiteiros, em abril deste ano, da UTC, da OAS, da Engevix, da Galvão Engenharia, da Mendes Júnior e da Camargo Corrêa. Apesar da revogação, os ministros os proibiram de manter contato com seus empregados ou de participar diretamente do processo decisório das companhias.
“Como os empresários, neste caso, foram afastados de suas funções, poderia acontecer o mesmo com o presidente da Câmara. Até para se resguardar as provas ou evitar novos possíveis atos de corrupção”, assinalou Luiz Flávio Gomes.
De acordo com fontes ligadas à PGR, pesam contra o presidente da Câmara acusações tanto do doleiro Alberto Youssef, quanto do ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo. Youssef afirmou, em delação premiada ao STF, que Cunha foi o destinatário final de propina paga pelo aluguel de navios-sonda da Petrobras.
Pelas revelações de Youssef, esse pagamento ocorreu após Júlio Camargo interromper pagamentos sistemáticos da Toyo Setal ao PMDB. Já Camargo também declarou em delação premiada que Cunha pediu U$$ 5 milhões como propina para a obtenção de contratos com a Petrobras.
Além disso, os investigadores apuram uma possível participação de Cunha na apresentação de requerimentos da Câmara contra as empresas Samsung e Mitsui, representadas no Brasil por Camargo. As solicitações de processo de investigação contra as empresas foram assinados em 2011 pela então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), aliada de Cunha.