Do pescoço pra baixo é canela. A tropa de choque do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), entrou ontem (3) em campo para fazer valer a máxima de que ninguém pode atirar a primeira pedra. Entre bate-bocas, intimidações e um clima generalizado de mal-estar, a Casa parte para a reunião do Conselho de Ética amanhã (5) em ritmo de guerra declarada: se os desafetos de Sarney querem seu afastamento, terão de fazer muito mais do que apenas proferir bravatas e pedir investigações no colegiado.
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O colegiado analisará 11 pedidos de investigação contra Sarney, acusado de irregularidades que vão de uso particular da estrutura do Senado até a edição de atos secretos em benefício próprio e de aliados. Três das cinco representações são assinadas pelo PSDB.
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O presidente do colegiado, Paulo Duque (PMDB-RJ), já sinalizou que as denúncias podem ser unificadas e arquivadas em uma só canetada. Na hipótese de os pedidos de investigação contra Sarney serem acolhidos por Duque, o senador maranhense tentará se fiar no apoio da maioria dos integrantes do Conselho de Ética. O peemedebista conta com o voto de dez dos 15 membros do colegiado.
“O PMDB vai trabalhar para arquivar. É uma disputa política sem levar em consideração a análise dos fatos”, afirma o senador Renato Casagrande (PSB-ES). Na volta das atividades do Congresso, Sarney tratou de descartar qualquer intenção de renunciar ao cargo (leia) que ocupa pela terceira vez, e com a unção do partido – à exceção dos inimigos públicos Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), dois peemedebistas com atuação independente tanto na legenda quanto em relação ao apoio a Lula.
No caso de aprovação de algum dos requerimentos de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, Sarney fica imediatamente afastado da presidência, como determina o regimento interno. A partir daí, os 15 membros do Conselho de Ética decidirão se aprovam ou rejeitam o pedido de cassação. Na primeira hipótese, uma vez instalado o processo por quebra de decoro, o caso é remetido a votação secreta em plenário, onde 41 votos determinariam o rumo político do ex-presidente da República. No caso de cassação, Sarney perde os direitos políticos por oito anos.
Caso Sarney renuncie, o vice-presidente do Senado, Marconi Perillo (PSDB-GO), fica incumbido de convocar novas eleições, no prazo de cinco dias. Se o senador apenas se licenciar, situação que não está prevista no regimento interno da Casa, Marconi assume com todas as prerrogativas de presidente enquanto durar o afastamento.
O Palácio do Planalto abomina a ideia de ver a Casa comandada por um oposicionista. No dia 15 de maio, uma sexta-feira esvaziada no Senado, o tucano assumiu a Mesa, convocou uma sessão não deliberativa e, como queriam impedir os governistas, declarou em plenário a criação da CPI da Petrobras (leia), cujo início dos trabalhos está previsto para esta semana.
Estratégias
Esta terça-feira (3) será um dia de reuniões estratégicas no Senado para as bancadas do PT, do PSDB e do DEM – siglas que têm defendido o afastamento ou renúncia de Sarney da presidência. Para o PT, principal partido do bloco de apoio ao governo, a questão é mais delicada: embora os petistas tenham sinalizado abandonar o barco pró-Sarney, alegando não ter votado no peemedebista para presidir o Senado, o presidente Lula continua urdindo nos bastidores o apoio à permanência do aliado no posto.
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Renato Casagrande ressalta que os dois lados estão dispostos a chegar às últimas consequências em relação à permanência de Sarney no comando da Casa. Para Casagrande, o bate-boca que marcou ontem o retorno das atividades legislativas dará o tom da sessão da próxima quarta.
O PMDB já tem prontas representações contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio, e estuda estender outros pedidos de investigação contra outros críticos de Sarney – um exemplo seria o tucano Tasso Jereissati (CE). “As representações do PSDB forçam o PMDB a um comportamento igual”, destacou Renan ontem.
Outro senador que demonstra preocupação com o radicalismo dos colegas é Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). “Não sei qual será o fim dessa história. Mas não vai ser bom para o Senado”, complementa o senador sergipano. Antes cotado para presidir o Conselho de Ética – indicação preterida pelo próprio Renan –, Valadares formalizou ontem sua renúncia ao colegiado. Às vésperas da definição do comando do Conselho, o senador sergipano chegou a perguntar a Renan o que ele teria contra sua indicação, mas o colega peemedebista desconversou.
A postura do comando do PMDB é clara: quem não acatar as orientações da legenda está desde já convidado a deixá-la. Em nota veiculada na página do partido na internet, a executiva recomenda aos descontentes que simplesmente se desfiliem e adotem outra sigla. “O PMDB acata com humildade o descontentamento de alguns poucos integrantes. (…) Podem deixar a legenda o quanto antes sem risco algum de perder o mandato”, diz trecho da nota, assinada pelo presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), e pela presidente em exercício, Íris de Araújo (GO).
A nota deixa nas entrelinhas a disposição do PMDB – partido com a maior bancada no Congresso – de manter o comando do Senado mesmo na hipótese de Sarney deixar a presidência do Senado. Com seis representantes em ministérios, o partido trata seus dissidentes como parlamentares em busca da “fama efêmera oriunda de acusações vazias”, como destaca outro trecho da nota.
Desde que tomou posse pela terceira vez no comando do Senado, em fevereiro, José Sarney tem sido obrigado a se defender das mais variadas acusações – de uso de seguranças da Casa para fins particulares até a mais recente: o envolvimento na nomeação de parentes por meio de ato administrativo secreto, por meio do ex-diretor-geral Agaciel Maia, um dos responsáveis pela formalização dos documentos sigilosos. Mesmo depois de a bancada do PT no Senado ter seguido a orientação de partidos como PSDB, DEM e Psol e ter formalizado a posição em favor do afastamento, Sarney ainda conta com o apoio do presidente Lula, razão considerada crucial para que ele se mantenha no cargo.
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