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Na prática, é como se o Conselho de Ética tivesse se reduzido a um “Conselho de Amigos”. Desde o início da legislatura, a Mesa Diretora – órgão que comanda a Câmara e é presidido pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) – e a Corregedoria da casa avaliaram que dez parlamentares mereciam ser investigados pelo Conselho de Ética. As denúncias envolviam desde empurrões e declarações polêmicas, como no caso do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), até corrupção, venda de emendas parlamentares e, ainda, a revelação de vídeo em que a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) apareceu recebendo propina para formação de caixa-dois para sua campanha eleitoral.
O caso dela foi o único aprovado pelo colegiado, em agosto de 2011. Jaqueline acabou sendo absolvida sob o manto do voto secreto em plenário. Os demais processos foram arquivados ou previram punições mais brandas aos denunciados. O Congresso Nacional promulga, nesta quinta-feira, a emenda constitucional que institui o voto aberto para os processos de cassação em plenário e para a análise de vetos presidenciais.
Para o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PSD-SP), o atual cenário no colegiado é ruim e desgastante. “Alguns chegam ao final da sessão e votam de qualquer jeito”, revela o deputado. “Outros preferem não se queimar com os colegas. Isso é frustrante em muitos casos. O Conselho de Ética não serve só para fiscalizar a conduta dos parlamentares, mas também para dar uma resposta à sociedade.”
O cientista político David Fleisher, da Universidade de Brasília (UnB), resume: há espírito de corpo entre os políticos. “Infelizmente, é o corporativismo dos parlamentares. Mas a conta é dos líderes partidários. Eles indicam como membros do conselho quem não vão criar muitos problemas”, avalia.
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Grupo do “deixa disso”
O deputado Vilson Covatti (PP-SP) foi um dos que mais participaram das 15 votações realizadas no período. Esteve em dez votações. Em todas, votou contra a abertura de processos ou pelo arquivamento de denúncias. “Não sou absolvedor nem condenador. Sou advogado criminalista e entendo de provas”, diz Covatti. “Cada caso é um caso. Entendo que nós temos que nos revestir de julgadores e, como tal, analiso as provas”, acrescenta.
O deputado Wladimir Costa (Solidariedade-PA) teve o mesmo comportamento de Covatti em oito votações. Os dois e Mauro Lopes (PMDB-MG) foram os únicos, entre 14 parlamentares, que votaram contra o parecer de Carlos Sampaio (PSDB-SP) pela cassação do mandato de Jaqueline Roriz. A defesa da deputada afirmou que ela não era culpada porque os fatos ocorreram antes de tomar posse na Câmara.
Para Covatti, não cabia à Câmara decidir o destino da colega. “Avaliei que ela tinha de ser julgada pelo foro competente, o STF [Supremo Tribunal Federal], e não pelo Conselho de Ética, porque não tínhamos a legalidade e a constitucionalidade para julgá-la”, declara. “Se fosse juiz no outro fórum, minha conduta poderia ter sido diferente”, emenda.
Já o deputado Augusto Coutinho (Solidariedade-PE) atribui os seus votos às particularidades dos casos. Ele participou de seis votações nos últimos dois anos, votando sempre para impedir processos. “Não que eu tenha posição firmada. Depende de cada caso e, nos que eu analisei, não encontrei nenhuma prova para o processo prosseguir. Nas votações, acompanhei o voto da maioria”, afirmou.
Coutinho disse que sempre votou com a sua consciência. “Não é uma coisa deliberada de sim ou não”, explica. Os outros 17 deputados que nunca votaram a favor de uma cassação, votaram menos de cinco vezes no período de três anos.
O que é ética
Para Covatti, o conselho precisa de mais regras para tornar claro o que é falta de ética e decoro parlamentar. “Falta regulamentação. O que é ético ou não ainda é uma questão muito vaga. Todo mundo comete alguma coisa, e a falta de parâmetros mais claros atrapalha, porque pode ser usado para absolver ou condenar”, critica. Augusto Coutinho diz que regra não resolve. “As representações sempre vão acontecer e, às vezes, é difícil definir o que é quebra de decoro”, disse.
Para o parlamentar, o conselho precisa abolir a “admissibilidade” das denúncias, o termo técnico significa avaliar se existem condições mínimas de o processo ser aberto no conselho. Atualmente, somente após passar por esse filtro, é que o caso é julgado no mérito em nova votação.
Se o processo é admitido, o relator pode apresentar um parecer por alguma penalidade: a censura verbal ou escrita, a suspensão das prerrogativas regimentais ou a suspensão do exercício do mandato por até seis meses ou a perda do mandato.
Ricardo Izar também defende o fim do juízo preliminar dos casos. “Vai ser bom também para o investigado, porque, se não tem nada contra ele, a investigação será encerrada e o processo poderá ser arquivado com embasamento, com a certeza de que o deputado é inocente. Se o cara não deve, não teme.”
Donadon e mensalão
O Conselho de Ética não deve ser chamado a opinar sobre o destino dos deputados condenados no processo do mensalão. Apesar de a perda do mandato ter sido imposta na pena, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), promete repetir o mesmo procedimento adotado com Natan Donadon (RO), primeiro deputado presidiário do país.
Condenado a 13 anos, ele concilia o mandato – mantido em votação secreta na Câmara – com o cumprimento de uma pena de 13 anos de prisão no Complexo Penitenciário da Papuda. O processo dele passou pela Comissão de Constituição e Justiça antes de chegar ao plenário. O mesmo caminho devem percorrer as ações contra os deputados José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).