O Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, critica o que chama de submissão do Legislativo ao Executivo. “Os parlamentares poderiam ter feito por iniciativa própria uma série de emendas se tivessem a determinação que eles apregoam”, avalia Ziulkoski.
Para ele, o problema está na falta de regulamentação do artigo 23 da Constituição, que delega para lei complementar a definição do regime comum de competências entre União, estados e municípios. “O processo não é enfrentado porque, quando se discute se a questão ambiental ou a educação pré-escolar é do município, quem está com esse dinheiro não quer largar”.
Congresso em Foco – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, durante a VI Marcha dos Prefeitos, que só este ano o movimento poderia avaliar o que mudou concretamente na relação dos municípios com o governo federal. O que mudou realmente?
Paulo Ziulkoski – Houve mudanças nas relações institucional e federativa, com uma parceria mais efetiva na busca de soluções para os problemas vividos pelas comunidades locais. Não atingimos aquilo que precisávamos, mas o que foi possível. Desde o ano passado, o viés mudou e passamos a ter o apoio do governo para a solução de alguns problemas federativos crônicos, o que se traduziu na alocação de um pouco mais de recursos, e começamos a redefinir algumas competências.
Essa mudança está relacionada ao amadurecimento do movimento ou à personalidade do atual presidente?
O governo anterior nunca passou por uma discussão mais próxima com os municípios. A personalidade do presidente Fernando Henrique Cardoso era mais intelectualizada. Os membros do atual governo têm uma inserção no movimento operário. O presidente Lula, desde quando militava na oposição, sempre teve uma relação mais interligada com o municipalismo.
Esse apoio é suficiente para fazer as mudanças?
O mais importante é que o Executivo ajude o país a mudar em dois pontos: no desenvolvimento e no pacto federativo. Essa é uma questão aparentemente mais difícil de ser entendida no cotidiano das pessoas, mas é nela que reside toda a questão. O cidadão paga cada vez mais impostos. Só que ele não distingue para quem está pagando. Ele quer retorno, mas não sabe que as competências não estão definidas. Precisamos caminhar para essa regulação, não só de direito, mas também na prática.
“O cidadão paga cada vez mais impostos, mas não distingue para quem está pagando. Ele quer retorno, mas não sabe que as competências não estão definidas”
Mas prefeitos conseguiram vitórias importantes no Congresso com a reforma tributária, não?
A reforma tributária para os prefeitos ainda não aconteceu. Foram promulgados apenas sete ou oito pontos que dizem respeito basicamente à União. Para estados e municípios ainda não estão definidos, por exemplo, o Imposto Territorial Rural (ITR), o aumento do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), nem a proibição de se deduzir a Cofins do exportador em cima do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o que significa mais 1% de FPM.
“A reforma tributária para os prefeitos ainda não aconteceu”
O que mais ficou pendente?
São vários procedimentos pendentes, como o Fundo de Negociação das Exportações e a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nesses pontos é que haverá grande mudança para melhorar o repasse da arrecadação. A confederação apresentou uma emenda que revoluciona o ICMS. Como ela não é auto-aplicável, mesmo que seja promulgada, vai depender de uma lei complementar.
E o que avançou com o governo Lula?
Em que pese o apoio do atual governo, mudou muito pouco o perfil da matriz tributária. Os avanços não saíram tanto do caixa federal, mas da viabilização de projetos de lei que regulam a questão federativa, como o transporte escolar, o salário-educação, a iluminação pública e o Imposto sobre Serviços (ISS). Uma vez consolidadas, essas questões melhoram a saúde financeira dos municípios e definem um pouco mais essa relação.
Além das questões tributárias, que outros pontos são considerados prioritários pelos prefeitos?
Na educação, estamos reivindicando o transporte escolar para a área rural e o aumento do repasse pela merenda escolar, que há dez anos é de R$ 0,13 diários por refeição dada a cada estudante. Queremos o aumento do valor do Programa de Ação Básica de Saúde (PAB), que há sete anos é de R$ 10 anuais por habitante. Na agricultura, é preciso que haja mais investimentos no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). No meio ambiente, queremos participar da comissão tripartite que vai discutir a transferência para os municípios da responsabilidade pela autorização de projetos de desenvolvimento.
O ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, disse que a marcha está mudando de caráter. Ela não seria mais tão reivindicatória e teria um caráter mais de compartilhamento de competências. O senhor concorda com essa observação?
Em parte, porque,. O artigo 23 da Constituição (parágrafo único) determina que lei complementar disciplinará regime comum de competências entre União, Estados e Municípios. Até hoje não existe essa lei. Reside aí todo o imbróglio. O processo não é enfrentado porque, quando se discute se a questão ambiental ou a educação pré-escolar é do município, quem está com esse dinheiro não quer largar. Uma coisa está vinculada a outra.
“No momento em que definirmos as competências dos entes federados, não precisaremos discutir os recursos”
Quem está ganhando nesse jogo de interesses?
O Brasil se colocou em uma situação de dependência tal que tudo o que se arrecada é para gerar recursos para o pagamento da dívida interna ou externa. O que dá algo em torno de R$ 150 bilhões por ano, ou seja, praticamente R$ 12 bilhões por mês. O cidadão brasileiro é chamado a pagar cerca de 55 tributos ou contribuições, o que dá uma carga tributária de 36,83% do Produto Interno Bruto (PIB). Este ano a arrecadação entre União, estados e municípios chegará nominalmente a R$ 530 bilhões.
“O Brasil se colocou em uma situação de dependência tal que tudo o que se arrecada é para gerar recursos para o pagamento da dívida interna ou externa”
Como é dividido esse dinheiro?
A União está ficando com mais de R$ 300 bilhões, 61% do bolo tributário, enquanto R$ 130 bilhões são repassados aos governadores, que ficam com aproximadamente um quarto do que se arrecada no país. O que sobra para os municípios? Há dez anos, os municípios participavam com 19%. Hoje temos direito a apenas 15% da arrecadação. Quer dizer, estamos arrecadando R$ 25 bilhões a menos. Em compensação, passaram para o município a responsabilidade pela saúde, a infra-estrutura e o saneamento, por omissão da parte dos governadores e do governo federal. Até o ano passado os municípios vinham perdendo paulatinamente recursos. Agora é que se estabilizou e enxergamos uma tendência de recuperação daquilo que, no passado, foi concedido pela Constituinte. Aí veio outra mão, a do Congresso Nacional, que nos retirou o que havíamos conquistado.
“Há dez anos, os municípios participavam com 19%. Hoje temos direito a apenas 15% da arrecadação”
A relação dos municípios com o Legislativo não tem evoluído no mesmo ritmo que tem sido com o Executivo?
Aqui em Brasília, há notadamente uma dependência do Legislativo em relação ao Executivo. Antes da posse do atual presidente, vários prognosticavam que o país ficaria ingovernável porque PT e aliados teriam pouco mais de cem parlamentares e não haveria base de sustentação. Hoje, 80% do Congresso apóia a base governista. Se o governo não quer, o Congresso não vota. O Legislativo está muito vinculado. Os parlamentares poderiam ter feito por iniciativa própria uma série de emendas se tivessem a determinação que eles apregoam. Teriam aprovado e ao governo não restaria outra alternativa a não ser aceitar a promulgação. O que está sendo aprovado é de iniciativa do governo federal. Eles (congressistas) poderiam ser mais independentes e autônomos. Quer dizer, iniciativa de projeto eles até têm, mas, na hora de votar, a história é outra.
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