Tarciso Nascimento
Levantamento feito pelo Congresso em Foco sobre as profissões dos parlamentares revela que os profissionais liberais, os professores e os empresários dominam a composição da Câmara e do Senado. Juntos, eles ocupam cerca de 530 das 594 cadeiras do Congresso, nada menos do que 90% do total. Apesar de não gozarem mais da condição histórica de maioria no Congresso Nacional, o que já rendeu ao país o título de “república dos bacharéis”, os parlamentares com formação jurídica ainda são os mais numerosos no Legislativo.
Um em cada quatro integrantes do Parlamento declara ter formação na área. Ao todo, 171 se apresentam como advogados, delegados, promotores de Justiça, juízes ou simplesmente bacharéis em Direito. Na pesquisa, que levou em conta a declaração dos próprios parlamentares às secretarias da Câmara e do Senado, os empresários aparecem como o segundo grupo mais bem representado, em termos absolutos, nas duas Casas. Pelo menos 143 congressistas informam que exercem alguma atividade industrial ou empresarial, seja na cidade ou no campo, como agropecuarista.
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Abaixo deles, despontam os 120 parlamentares professores, os 71 engenheiros e os 58 médicos, que completam o quadro das categorias profissionais com mais integrantes em todo o Congresso. Por outro lado, algumas profissões têm apenas um único representante na Casa. É o caso dos biomédicos, com o deputado Lobbe Neto (PSDB-SP), e dos técnicos de futebol, ofício do deputado Deley (PSC-RJ).
Muitos parlamentares declaram, nos registros oficiais da Câmara e do Senado, habilitações em várias áreas. O líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB), por exemplo, apresenta-se como bacharel em Direito, Economia e Pedagogia, além de especialista em processamento de dados e escritor. Já o deputado José Divino (PMR-RJ) se define como radialista, locutor, impressor gráfico, animador e promotor de vendas.
Sempre as elites
Para o cientista político Octaciano Nogueira, a radiografia sócio-profissional do Congresso Nacional, tal como levantada pelo Congresso em Foco, reforça a tese de que o Parlamento brasileiro continua sendo comandado majoritariamente por uma elite econômica. “A política sempre foi voltada para as camadas altas. É a teoria das elites, de que sempre existe uma minoria que governa e a maioria que é governada. Nas sociedades mais avançadas, isso também acontece”, observa o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB).
O levantamento também confirma a consolidação das bancadas dos pastores evangélicos e dos comunicadores no Congresso. Pela pesquisa, 38 parlamentares se apresentam como radialistas, apresentadores de TV ou jornalistas e 21 como pastores. Apenas dois padres se revezam entre o plenário e a igreja: Luiz Couto (PT-PB) e José Linhares (PP-CE).
Autor do livro Partidos, Ideologia e Composição Social – no qual analisa as ocupações e profissões dos parlamentares das seis maiores bancadas na Câmara na última legislatura, o sociólogo e cientista político Leôncio Martins lembra que boa parte dos líderes evangélicos tem programa de rádio ou TV ou é concessionária de emissoras de radiodifusão.
País dos bacharéis
A pesquisa revela que os empresários têm maior penetração no PMDB (33), no PFL (25), no PP (20) e no PL (18). O PMDB também lidera a lista dos partidos com maior número de bacharéis em Direito. São 26 na Câmara e nove no Senado, onde a segunda maior bancada de advogados, juízes e promotores é do PFL (sete).
Na Câmara, os bacharéis em Direito também se destacam, sobretudo, no PFL (24), no PTB (16), no PT (15) e no PL (14). O fato é coerente com uma antiga tradição. De acordo com Octaciano Nogueira, os políticos ligados ao meio jurídico são maioria desde a fundação do Parlamento brasileiro, em 1826.
“Nós éramos um Estado que só tinha a carreira militar e a jurídica”, diz. “Foi assim no Império e na República. As primeiras faculdades eram de Direito, e os bacharéis dessa área eram maioria preponderante entre os parlamentares. A partir de 1930, mudou um pouco o perfil do Congresso. Os médicos também passaram a ter uma presença maior”, afirma.
De fato, dos 1.272 deputados que tomaram assento na Câmara entre 1889 e 1930, 44,3% tinham formação jurídica. Isso, numa época em que o país contava nos dedos da mão o número de faculdades de Direito e ainda educava sua elite nas mais caras escolas da Europa. Hoje, há 772 instituições de ensino de Direito em funcionamento em todo o Brasil.
Causas e efeitos do bacharelismo
O presidente da Frente Parlamentar dos Advogados, deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE), diz que um dos motivos para a elevada quantidade de parlamentares ligados à área de Direito é que as duas atividades são muito semelhantes. “O advogado sempre representa alguém, assim como o deputado, que é o representante do povo”, diz o coordenador da frente, que tem perto de cem integrantes.
Na avaliação do analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os advogados têm mais visibilidade, sobretudo, porque agem coletivamente, prestando serviços por exemplo a sindicatos e associações. “Eles são conhecidos por muita gente e tem muitos contatos. Tudo isso se transforma em votos”, explica.
Na opinião do vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aristóteles Atheniense, o elevado número de parlamentares ligados à área jurídica pode facilitar na elaboração das leis, mas não traz qualquer benefício para a categoria. “O mais importante é termos parlamentares com noção dos aspectos legais daquilo que está sendo tratado ou discutido”, observa.
Para Octaciano, ao contrário do que se poderia supor, a formação jurídica dos legisladores brasileiros pode se refletir negativamente na produção legislativa. “O espírito bacharelesco continua funcionando no Brasil. Eles acham que a lei muda tudo. É a chicana jurídica que prevalece”, critica o cientista político.
Representatividade em xeque
Piauhylino sustenta que “o Congresso é um retrato virtual da sociedade brasileira, tem um perfil em que todos os segmentos são representados”. Mas, para a vice-presidente da Associação Brasileira dos Magistrados (AMB), juíza Andrea Pachá, essa representatividade não se revela na prática, pelo menos para a área jurídica.
“Apesar de existir a Frente dos Advogados, não existe uma bancada que defenda os nossos interesses. Quando a AMB tem que realizar um trabalho no Congresso, tem que fazer um serviço quase que individual com cada parlamentar. O fato de existir uma frente não significa que os parlamentares se comportem de forma cooperada”, avalia.
A mesma sensação de desamparo é manifestada por Nonato Menezes, diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF). Apesar do alto número de parlamentares ligados à área da educação na Câmara (100) e no Senado (20), o professor diz que a categoria não se sente bem representada no Congresso.
“Tem muita gente e pouco resultado. Um ou dois parlamentares têm preocupação com a área da educação. Depois de eleitos com votos dos professores, eles esquecem a categoria, se envolvem com o que acham prioritário. A bandeira da educação é pouco defendida, porque ela não é prioridade”, afirma o sindicalista.
Pastores em alta
Do mesmo sentimento não compartilham os pastores. Para o vice-presidente da Frente Parlamentar dos Evangélicos, que hoje conta com 61 deputados, o papel dos líderes religiosos na Câmara está sendo cumprido à risca no Legislativo. “Nós lutamos pela ética, a moral e os bons costumes. Nós refutamos os projetos antibíblicos, como o casamento gay, o aborto, a distribuição indiscriminada de preservativos. Nós seguimos os princípios bíblicos”, afirma Ribeiro.
“Os evangélicos não tratam só de religião. Nós temos é que ter autênticos representantes do povo. Acho que também poderia ter mais representantes de outras religiões. Isso é democracia”, completa o pastor da igreja Assembléia de Deus.
Só no Legislativo
O sucesso de algumas categorias profissionais no Legislativo não tende a se repetir nas eleições para o Executivo, segundo Leôncio Martins. “Pode parecer interessante aparecer um candidato como representante de uma facção para uma fatia do eleitorado. Pode vir a ter o candidato dos funcionários do Banco do Brasil, o candidato dos metalúrgicos. Já numa eleição majoritária, não é interessante o candidato se apresentar como membro de uma fatia minoritária. Se o Garotinho se apresentar como candidato só dos evangélicos, ele não é eleito”, afirma o pesquisador.
O cientista político também observa que as informações prestadas pelos parlamentares à secretaria-geral da Mesa nem sempre correspondem à realidade. “O próprio PT e o PCdoB não têm mais trabalhadores industriais, de classes populares. Alguns deputados que foram metalúrgicos não exercem a profissão há um bom tempo”, afirma.