Em cerimônia realizada ontem à noite, em São Paulo, o jornalista Lúcio Lambranho, do Congresso em Foco, foi um dos premiados na 30ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Lúcio recebeu menção honrosa, na categoria internet, por causa da série de reportagens sobre o drama de 79 trabalhadores rurais do Piauí submetidos a condições análogas à de escravo, vítimas de um acidente rodoviário na Bahia.
Para o repórter, a premiação – considerada a mais importante do jornalismo brasileiro na área de direitos humanos – mostra que a internet é também espaço para a publicação de reportagens de fôlego, e não apenas de curtos registros factuais.
Lúcio também ressaltou a importância do trabalho em equipe e o histórico do site na denúncia da prática do trabalho escravo no Brasil e suas ligações com o poder.
“Este prêmio Herzog é a demonstração de que o Congresso em Foco é uma equipe onde todos se ajudam e trabalham por algo novo na internet e no jornalismo brasileiro. Começamos com o Tarciso (Nascimento), que teve a idéia de cruzar os dados entre as empresas autuadas por trabalho escravo e as doações de campanha nas eleições de 2006. Passamos pelo pai do ministro do TCU que submetia seus empregados a dormir na estrebaria junto com os animais. Passamos pelo trabalho escravo na fazenda da família do Ayrton Senna”, lembrou.
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“E esse esforço conjunto culminou com esta série dos trabalhadores escravos esquecidos pela Justiça no sul do Piauí. Nada, portanto, foi por caso e por obra minha. Isso demonstra que a internet, pode sim, ter reportagens que dizem muito mais ao leitor do que o simples registro do chamado tempo real”, acrescentou.
Tragédia sem fim
Durante quase uma semana, em junho, o repórter visitou familiares dos trabalhadores levados dos municípios de Corrente e Avelino Lopes, localizados no sul do Piauí, em 1995, para uma fazenda em Bom Jesus da Lapa, no oeste baiano, para trabalhar na colheita de feijão. Lá, de acordo com denúncia do Ministério Público do Trabalho, foram submetidos a condições degradantes.
Quando voltavam para casa, 40 dias depois, foram vítimas de um grave acidente que matou 14 pessoas. Outras 15 ficaram com lesões graves, grande parte delas não consegue mais trabalhar ou não dispõe das mesmas condições de trabalho de antes. Dos 79 trabalhadores, 23 tinham menos de 18 anos na época.
Sobrecarregado, o caminhão tombou após apresentar problemas mecânicos. Na carroceria, transportava trabalhadores misturados a centenas de sacas de feijão.
O caso se arrasta na Justiça há 13 anos. As empresas responsáveis pela fazenda entraram com recurso no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 5ª Região contestando as indenizações trabalhistas reivindicadas pelas famílias. A denúncia pela responsabilidade criminal, porém, sequer foi aceita pela Justiça da Bahia.
A reportagem mostra como a tragédia, reforçada pela impunidade, roubou a esperança dos trabalhadores e dos familiares dos catadores de feijão do Sul do Piauí.
Confira a série:
Corrente (PI): 13 anos de uma tragédia ignorada
Acidente rodoviário com 79 trabalhadores rurais revela uma face escondida do trabalho escravo no país. O repórter Lúcio Lambranho visitou sobreviventes e familiares dos 14 mortos para contar, na série que começa hoje, o drama dos catadores de feijão esquecidos pela Justiça.
Corrente (PI): famílias acusam advogado de ficar com o seguro
Familiares de oito dos 14 mortos em acidente no Piauí denunciam defensor que sacou R$ 40 mil do seguro obrigatório e não entregou o dinheiro aos parentes das vítimas. Processo criminal continua engavetado na Justiça baiana.
Carvoarias impulsionam trabalho escravo no Piauí
Na última reportagem da série sobre a tragédia de Corrente, o Congresso em Foco mostra como a expansão da fronteira agrícola levou o estado a se tornar um dos principais exploradores desse tipo de mão-de-obra no país.
O resgate de uma tragédia
Após 13 anos, autoridades de Direitos Humanos vão investigar a tragédia que matou 14 trabalhadores rurais no interior da Bahia
Transporte de alto risco
Falta de fiscalização e sucateamento de veículos foram as principais causas dos 6.486 acidentes no transporte de trabalhadores rurais entre 2004 e 2006
Premiação
O principal prêmio, na categoria internet, foi entregue ao jornalista André Deak e equipe, da Agência Brasil (DF), com “Nação Palmares”. Além de Lúcio Lambranho, com a série “Vida e morte correntina”, também foi homenageada com a menção honrosa Juliana de Melo Correia e Sá, do JC On Line, de Recife (PE), com “Violência velada”. Os jurados foram Reiko Miura, Roseli Tardelli e Chico Silva.
Criado em 1979 pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o Prêmio Vladimir Herzog é a principal referência na área de direitos humanos no jornalismo brasileiro.
De acordo com o regulamento, são objetivos do prêmio:
“Reconhecer e premiar os jornalistas que, através de seu trabalho, colaboraram com a promoção da cidadania e dos Direitos Humanos e Sociais; homenagear personalidades, profissionais e veículos de comunicação que se destacaram na defesa da cidadania e dos Direitos Humanos e Sociais, e reverenciar a memória do jornalista VLADIMIR HERZOG, preso pela ditadura militar, torturado e morto nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975”.
Ainda segundo os organizadores, o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos este ano tem um significado ainda mais especial, porque lembra o 60º aniversário de instituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que serão completados em 10 de dezembro.
Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Lúcio Lambranho, 35 anos, foi repórter dos jornais O Estado, A Notícia, Diário Catarinense e da rádio CBN em Santa Catarina. Em Brasília desde 2004, trabalhou no Correio Braziliense e no Jornal do Brasil. Em 2004 recebeu menção honrosa no Prêmio Senai de Reportagem. Faz parte da equipe do Congresso em Foco desde setembro de 2006. (Edson Sardinha)