Thomaz Pires
O poder público brasileiro precisa avançar para não apenas garantir, mas promover a cidadania. Esse foi o tom dos discursos proferidos na cerimônia de entrega da 31ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, realizada ontem (26) no Teatro Tuca, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Cerca de 40 jornalistas foram premiados em 11 categorias. Os vencedores receberam placas e os segundos colocados, certificados com menção honrosa. Pelo segundo ano consecutivo, o Congresso em Foco é homenageado naquele que é considerado o mais importante prêmio jornalístico do país na área de direitos humanos.
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A série “Deputado Luiz Couto, o padre censurado pela Igreja Católica”, do editor do site, Edson Sardinha, ganhou menção honrosa na categoria internet. Em 2008, foi premiada a série Vida e Morte Correntina (leia mais), do repórter Lúcio Lambranho.
Diversas autoridades participaram da cerimônia de premiação, entre eles, o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, o governador de São Paulo, José Serra, o ex-ministro da Justiça José Gregori, que representou o prefeito Gilberto Kassab. Os jornalistas Fernando Pacheco Jordão e Audálio Dantas também foram homenageados por suas respectivas trajetórias na defesa da democracia e no combate à ditadura.
O prêmio é promovido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e pelo Instituto Vladimir Herzog, presidido por Ivo Herzog – filho de Vlado, como era o conhecido o jornalista, torturado e morto durante a última ditadura militar. Clarice Herzog, viúva de Vladimir, também acompanhou a cerimônia.
Anistia e censura
Em seu discurso, Paulo Vanucchi defendeu a revisão da Lei de Anistia para que os torturadores possam ser punidos no Brasil, a exemplo do que ocorre no Uruguai e na Argentina. “A memória das violências estruturais foi apagada no Brasil, com o genocídio indígena e manifestações como a Guerra do Contestado, o Estado Novo, Canudos e a Revolta das Chibatas. Não podemos deixar isso se repetir com a ditadura militar. Precisamos resgatar essa memória, mas sem revanchismo, para que isso não aconteça mais”, disse.
O ex-ministro da Justiça José Gregori criticou a censura imposta por um juiz ao jornal O Estado de S. Paulo, proibido há quase três meses de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, que investiga o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). “Chamo todos a dar uma salva de vaia àquele juiz”, disse Gregori, o último dos integrantes da mesa a falar.
O governador paulista, que chegou atrasado à cerimônia, não fez discurso. Usou a palavra apenas para saudar os três estudantes de jornalismo que receberam o recém-lançado Prêmio Fernando Pacheco Jordão. “Fiquei sabendo que uma das pautas tem 12 páginas. A matéria já está praticamente escrita”, brincou Serra. O prêmio foi entregue aos universitários que propuseram, na avaliação do júri, as melhores pautas.
Na categoria internet, o prêmio principal deste ano ficou com Lúcia de Fátima Rodrigues Gonçalves e Tatiana Merlino, da revista Caros Amigos, com a reportagem “Uma missa para um torturador”. Outra menção honrosa foi dada a Amanda Machado Cieglinski, da Agência Brasil, com a matéria “Analfabetismo: a exclusão pelas letras”. Segundo os jurados, os critérios para premiação foram relevância do tema, conteúdo, pauta e edição.
Padre jurado de morte…
Luiz Couto tornou-se um dos principais alvos do crime organizado no país por sua atuação à frente da CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste, que se destacou pelo trabalho realizado, sobretudo, em Pernambuco e na Paraíba.
Em 24 de janeiro deste ano, como num aviso do que poderia lhe ocorrer, foi assassinado o advogado Manoel Bezerra Mattos Neto, militante dos direitos humanos e ex-assessor da CPI.
A morte do advogado levou integrantes da bancada do PT na Câmara a solicitarem ao Ministério da Justiça proteção da Polícia Federal (PF). O pedido se estendia ao deputado Fernando Ferro (PT-PE), que, como Couto, também era alvo de ameaças.
…e censurado
O histórico do deputado-padre e sua militância na defesa dos direitos humanos levaram o Congresso em Foco a publicar o perfil “Padre, deputado e adversário do celibato”.
Padre desde 1976, Luiz Couto questionou publicamente certos dogmas da Igreja Católica. Criticou a proibição do uso de preservativos, o celibato clerical e a intolerância em relação aos homossexuais.
As declarações foram imediatamente condenadas pelo arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto. Ao tomar conhecimento da entrevista, reproduzida por vários outros veículos de comunicação, ele suspendeu Luiz Couto das atividades sacerdotais. A punição provocou forte reação de movimentos dos direitos humanos e de setores da própria Igreja Católica, que não se conformaram com a condenação sumária do clérigo.
Então eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Luiz Couto só retomou seu direito de exercer o sacerdócio um mês depois, quando, pressionado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o arcebispo da Paraíba revogou a suspensão.