Andrea Vianna
As brasileiras ampliam o espaço no mercado de trabalho, mas, na política, avançam em compasso de adágio: lento, quase moderado. Há dez anos, os números de deputadas e senadoras mantêm-se praticamente estagnados no Congresso Nacional. No Senado, custou uma década para o número de senadoras dobrar de cinco para dez. Na Câmara, no mesmo período, o aumento foi de menos de 1%. Cada uma das Casas possui apenas uma líder partidária. E apenas uma senadora compõe a Mesa Diretora do Congresso. Como suplente.
A atual legislatura (2003-2007) conta com 46 mulheres entre 513 deputados. Elas representam 8,9% da Casa. No Senado, dez mulheres formam a bancada em meio a 81 senadores. Correspondem a 12,3% da Casa. Em 1998, eram 39 deputadas e seis senadoras – representação menor do que a registrada na legislatura anterior, quando havia 42 deputadas e cinco senadoras.
Além do número reduzido e do compasso arrastado de crescimento da bancada feminina, as mulheres estão longe das funções de decisão no legislativo. Juntas, as duas Casas somam 30 cargos de liderança. Entre os 16 líderes na Câmara, figura apenas uma mulher: a deputada Luciana Genro (RS), do Psol. No Senado, o quadro é o mesmo. Entre os 14 líderes, a única mulher é a senadora Heloísa Helena (AL), também do Psol.
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Mulheres de fora
Para muitas parlamentares, a ausência de mulheres nos cargos de liderança e nas mesas diretoras se deve à discriminação praticada em ambas as Casas. “O problema é que esta é uma Casa de machos”, define a deputada Juíza Denise Frossard (RJ), única mulher no PPS. “As bancadas não aceitam mulheres. Imagina o meu constrangimento por ser a única do partido. Eles nos ignoram e não nos chamam para os debates dos temas importantes”, reclama.
Única mulher a compor a Mesa Diretora do Senado (ainda assim, na condição de suplente), a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) reclama da dificuldade das parlamentares em ocupar espaço no Congresso. “Sou a única mulher na Mesa Diretora e você não imagina como foi difícil ganhar essa suplência. Enfrentei resistências de colegas até mesmo de partido”, confessa. A Mesa Diretora conduz os trabalhos legislativos e os serviços administrativos, como pagamentos, distribuição de verbas e encaminhamento de processos para a Corregedoria.
“Na próxima eleição, teremos mulheres na Mesa Diretora da Câmara. A bancada feminina já bateu o martelo quanto a isso”, avisa a deputada Iara Bernardi (SP), coordenadora da bancada na Câmara e uma das quatro mulheres a responder pela vice-liderança do PT.
“Machismo deslavado”
Para a professora Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e especialista no tema, as mulheres ainda não conseguem se impor na esfera política. “Elas têm maior nível de escolaridade, inclusive, mas ainda ganham menos que os homens e não conseguem delimitar espaço na agenda política”.
Lúcia explica que, mesmo vencendo as eleições, as mulheres não conseguem assumir os postos de decisões. “A vida dentro dos partidos é difícil para as mulheres. Desde a redemocratização, em 1989, aumentou o número de mulheres no legislativo, mas elas não têm o mesmo status dos homens, nem o mesmo poder”.
“A política ainda é muito masculina. Não gosto de generalizar, mas os homens costumam ter mais sucesso na política”, observa Luciana Genro.
A deputada constata que as mulheres também ficam afastadas das comissões relacionadas aos temas mais relevantes no debate nacional, como as discussões sobre orçamento, Constituição e Justiça. “Somos escaladas para comissões de temas considerados secundários, como educação, trabalho, família e direitos humanos”, exemplifica. “Não que não sejam importantes, mas não têm o mesmo destaque que economia e orçamento”.
Desde que assumiu o posto, ela já participou de duas reuniões de líderes. “Procuro agir com naturalidade. Notei que os assessores dos líderes também são todos homens. Não fui discriminada, nem desrespeitada. Mas me perguntaram se sou casada. Acho que não é o tipo de pergunta que fazem entre eles”, observa.
Para a deputada Iara Bernardi, os deputados não contêm as agressões machistas. “Em vez de disputarem no campo das idéias, eles descambam para o machismo mais deslavado, aquele que chama as mulheres de histéricas, mal-amadas. Isso precisa acabar”, defendeu.
Guerra dos sexos
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) chegou às vias de fato com a deputada Maria do Rosário (PT-RS) em novembro de 2003. Durante entrevista que ambos concediam a uma emissora de TV no salão verde da Câmara sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, Bolsonaro empurrou Maria do Rosário e a chamou de “vagabunda”.
“Não vou sair correndo pelo salão verde se ela tenta me bater. Apenas tentei contê-la”, alegou Bolsonaro no momento do fato. No mesmo dia, o então líder do PT, Nelson Pelegrino (BA), entrou com representação contra Bolsonaro na Corregedoria da Câmara. Bolsonaro foi absolvido, e a Mesa Diretora arquivou o processo em setembro de 2004.
“O machismo prevalece nas relações de poder. Os homens confiam pouco nas mulheres. Eles acham que invadimos um espaço privado, mas que na verdade, é público e, na concepção deles, masculino”, avalia a deputada Luci Choinacki (PT-SC), vítima de uma agressão considerada machista pela bancada feminina.
No dia 2 de junho deste ano, durante uma reunião da CPI da Terra, o deputado Alberto Fraga (PFL-DF) teria mandado Luci “calar a boca”. Ele ainda a teria chamado de “histérica, fofoqueira e mal-amada” e recomendado que ela “procurasse um marido”.
Naquele dia, a comissão ouvia representantes de entidades de trabalhadores rurais. De acordo com Luci, o deputado Alberto Fraga teria chamado as lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) de bandidos e ladrões e os comparado ao juiz Nicolau dos Santos Neto, condenado pelo desvio de milhões de reais das obras do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
“Na hora, minha vontade foi dar uma sapatatada nele. Mas pedi que ele retirasse a fala, porque ele estava criminalizando os trabalhadores rurais. Então, ele me xingou. Fiquei indignada, já que não estou ali para servir de enfeite para a sociedade. Mereço respeito como parlamentar”, afirmou a deputada.
Alberto Fraga relatou ao Congresso em Foco a sua versão do episódio. “Eu lia um documento que continha a quebra de sigilo bancário do MST e tinha indícios de irregularidades. A deputada Luci me interrompeu aos gritos, me chamando de nojento, fofoqueiro e mentiroso. Se fosse um homem, eu teria dado um murro. Mas reagi dizendo que ela estava nervosa, tendo um ataque de histeria e que precisava casar para se acalmar”, contou. “Elas batem na gente como homens e querem ser tratadas como mulheres. Elas não podem ser aproveitar da condição de minoria para nos destratarem”, pontuou o deputado.
Luci também propôs representação contra Alberto Fraga. O processo, protocolado no dia 28 de junho deste ano, tramita na Corregedoria da Câmara, mas está parado, aguardando andamento, desde o dia seguinte à data do protocolo. Se a Corregedoria considerar a conduta de Fraga ofensiva, ele será processado no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar.
“As mulheres exigem respeito, o parlamento garante? Viver sem violência é direito das mulheres, dentro e fora desta casa”, dizia a faixa erguida pelas integrantes da bancada feminina do Congresso durante ato de desagravo a Luci na semana seguinte ao entrevero.
Falta de consciência
Mesmo ressaltando que nunca se sentiu ofendida pelos deputados, Denise Frossard considera que o Congresso é uma Casa machista. “Machismo, na minha opinião, é o homem não perceber a importância das mulheres, não nos incluir nos debates. O machismo que vejo dentro da Câmara é a falta de consciência dos deputados”.
Para Iara Bernardi, o machismo não é um problema da conjuntura do Congresso, mas um reflexo da sociedade brasileira. “Seja na iniciativa privada, seja na esfera pública, a maior parte dos cargos de decisão ainda estão nas mãos dos homens”, enfatiza.
Além disso, acrescenta Iara, a preocupação com as lides domésticas ainda ficou concentrada nas mulheres. “Elas ficam sobrecarregadas. Não tenho filhos, mas vejo minhas colegas de Congresso telefonando para suas casas, monitorando por telefone os compromissos dos filhos. Não vejo os deputados e senadores preocupando-se com tarefas domésticas nas suas casas em seus estados”, observa.
Alberto Fraga também responsabiliza a sociedade pela supremacia masculina dentro do Congresso. “A Câmara não é machista, mas a sociedade sim. A cultura brasileira precisa melhorar nesse aspecto. As próprias mulheres e os negros, por exemplo, buscam os preconceitos com essa história de cotas”, diz.