Paulo Henrique Zarat
O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) apresentou ontem no plenário da Câmara um dossiê que exemplifica, em detalhes, o modo de funcionamento da chamada máfia das ambulâncias. Ele mostra o envolvimento do deputado Marcelino Fraga (PMDB-ES) no esquema desbaratado pela Polícia Federal no último dia 4. Segundo a PF, os parlamentares envolvidos no golpe cobravam propina para fazer emendas ao orçamento que beneficiassem os municípios atendidos pela Planan, empresa que vendia as ambulâncias superfaturadas. De acordo com as investigações, eles chegavam a receber de 5% a 20% da emenda e cobravam 50% - às vezes até 100% - para liberá-la.
O dossiê, ao qual o Congresso em Foco teve acesso, mostra como o deputado Marcelino Fraga, que é o presidente regional do PMDB no Espírito Santo, destinou duas ambulâncias ao Asilo Pai Abraão, entidade filantrópica no município de Colatina (ES), sem que o dinheiro das emendas tivesse sido liberado pelo Ministério da Saúde. E o que é mais grave: não se sabe ao certo na conta de quem o dinheiro foi depositado.
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Pelo menos uma das ambulâncias foi usada, em setembro de 2004, na campanha de Rosana Fraga, mulher do deputado, à prefeitura de Colatina. No dossiê, há a reprodução de uma foto da ambulância na Praça Municipal de Colatina com uma faixa contendo os dizeres: "recurso conquistado através do Dep. Fed. Marcelino Fraga – Asilo Pai Abraão".
De acordo com o relatório de Convênios da Controladoria Geral da União (CGU), os recursos das emendas 2825/2004, no valor de R$ 64 mil, e 2824/2004, no valor de R$ 112 mil, só foram liberados em 25 de outubro de 2004 e 24 de junho de 2005, respectivamente. Ou seja, depois de a ambulância ter sido usada na campanha eleitoral.
Depósito ilegal
Detalhe: o dinheiro não era depositado na conta do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), como manda lei. O recurso foi liberado "diretamente numa conta específica do Asilo Pai Abraão", segundo o presidente da entidade, Hélio Leal.
Pela lei, a liberação desse tipo de recurso pela União só é permitida com a aprovação dos conselhos municipais. O Ministério da Saúde não poderia fazer o repasse na conta do Asilo sem antes obter a aprovação do CMAS.
Questionado pelos conselheiros do CMAS, Hélio Leal não apresentou as notas fiscais referentes às compras das ambulâncias, nem os extratos bancários que provariam que a entidade tinha de fato recebido o dinheiro do Ministério da Saúde. Disse apenas "que não havia necessidade do CMAS se manifestar sobre a compra dos veículos porque tudo já tinha sido resolvido por Vitória" (capital do estado).
Outro detalhe que chama atenção é que os veículos só foram transferidos como propriedade do Asilo em setembro de 2005. Antes disso, elas estavam em nome da Planam, empresa que está no centro das investigações da Polícia Federal como fornecedora das ambulâncias.
O dossiê contra o deputado capixaba traz também informações sobre a relação entre Fraga e o funcionário público aposentado Alexandre Sardenberg. Quando o esquema da máfia das ambulâncias foi revelado pela PF, uma reportagem da imprensa citou-o como sendo o intermediário entre o deputado e o Ministério da Saúde, a fim de viabilizar a liberação de emendas.
Na ocasião, Fraga negou conhecer Alexandre. O dossiê não traz informações de que Alexandre é lotado no gabinete do deputado, mas mostra que o servidor aposentado trabalhou para Fraga na Secretaria Estadual de Agricultura, quando Marcelino Fraga foi titular da pasta, em 2001. Sobre isso, o parlamentar desabafou ao jornal A Gazeta: "O Alexandre ficou comigo seis meses na secretaria, mas nunca foi lotado no meu gabinete".
Diante das irregularidades, o Conselho Municipal de Assistência Social e o Conselho Municipal de Saúde de Colatina encaminharam, no dia último dia 9, um ofício ao Ministério Público Federal expondo os fatos relativos à doação de duas ambulâncias pelo Ministério da Saúde ao Asilo Pai Abraão, por meio de duas emendas parlamentares apresentadas por Marcelino Fraga.
Fraga: responsabilidade é do município
O Congresso em Foco entrou em contato ontem à noite com o gabinete de Fraga, mas não conseguiu falar com ninguém. Também não foi respondido o e-mail enviado pela reportagem. À tarde, depois que Gabeira apresentou o dossiê e acusou Fraga de fazer parte da máfia das ambulâncias, o deputado capixaba usou o microfone no plenário para dizer que não tinha qualquer responsabilidade por eventuais falhas no processo. "Se houve falha, não foi minha. Não sou responsável pela fiscalização das verbas. A responsabilidade é do conselho municipal de saúde do município".
Pelas investigações da Polícia Federal, o número de parlamentares envolvidos no escândalo das ambulâncias pode chegar a 62. O único senador suspeito de participar do esquema até o momento é o líder do PMDB, Ney Suassuna (PB). Segundo Gabeira, o partido "está fazendo um trabalho sujo para sepultar a CPI dos Sanguessugas" porque muitos parlamentares da legenda estariam envolvidos no escândalo.
Na terça-feira, o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), recorreu a uma formalidade regimental para barrar a instalação da CPI sob o argumento de que o requerimento com 174 assinaturas de deputados e 30 de senadores trazia a expressão "assinaturas de apoiamento", o que contraria o regimento. Ontem, o PV, o PPS e o PV anunciaram que vão protocolar novamente, com a devida correção, o requerimento para que a comissão comece imediatamente seus trabalhos.
Gabeira criticou duramente a decisão do senador: "Vossa Excelência saiba que com essa decisão começou o combate. Iniciou o combate ao passar o trator em cima dos direitos da minoria. Começou a nossa guerra".
Quarteto mágico
Ontem, o deputado apelidou de "quarteto mágico" quatro parlamentares do PMDB que, segundo ele, de alguma forma estão envolvidos no caso: o presidente do Senado, Renan Calheiros, por resistir à instalação da CPI Mista dos Sanguessugas; o senador Ney Suassuna (PB), líder do partido no Senado, e os deputados Marcelino Fraga (também presidente regional do PMDB do Espírito Santo) e Wilson Santiago (PB), por apresentarem emendas destinadas à aquisição irregular de ambulâncias.
Ontem, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abra inquéritos criminais contra 15 parlamentares para apurar a participação deles no esquema dos sanguessugas. Ele disse que não poderia revelar o nome dos parlamentares porque as investigações poderão tramitar em segredo de Justiça.