Ricardo Ramos
Relatório produzido pelas polícias civis de São Paulo e do Rio de Janeiro em poder da CPI do Tráfico de Armas revela como atuam as três maiores organizações criminosas do país. O documento de 120 páginas, ao qual o Congresso em Foco teve acesso, mostra como impõem o seu poder de mando os líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), do Comando Vermelho (CV) e do Terceiro Comando.
O texto é produto de um pedido feito às forças policiais dos dois estados por um subgrupo da Comissão de Segurança Pública (CSP) da Câmara. Já em 2003, o subgrupo pretendia apurar como essas organizações se infiltraram no sistema prisional brasileiro e davam ordens de ação para fora das cadeias. O trabalho foi coordenado pelo deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), promotor de Justiça, e teve como relatora a deputada Laura Carneiro (PFL-RJ), advogada.
A força do PCC
A primeira parte do texto, formada por dois inquéritos da Polícia Civil paulista de 2002 e 2003, mostra como se formou e se estruturou em São Paulo o PCC. Com base em escutas telefônicas e delações de investigados, a polícia montou um dos primeiros quadros detalhados de como a facção operava no estado. E identificou, entre outras coisas, 21 contas bancárias movimentadas por integrantes da organização para guardar e contabilizar parte dos lucros que obtêm com os delitos praticados.
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Retratado num inquérito policial (IP 27/2002) do Departamento de Investigações sobre Crimes Patrimoniais (Deic), o texto produzido em 6 de junho de 2002 e assinado pelo delegado Alberto Pereira Matheus Junior sentencia logo no início: “O PCC preenche todos os requisitos necessários para ser conceituado como uma organização criminosa”. E justifica: “Conta com uma clara estrutura hierárquica, economia própria, baseada no tráfico de drogas ilícitas, roubos, seqüestros e extorsões e um estatuto que regula os seus objetivos, bem como os direitos e deveres dos associados”.
Numa breve descrição histórica, o documento aponta que a organização foi fundada em 1993 por presos que estavam no presídio de segurança máxima de Taubaté (SP), descontentes com o rigoroso tratamento de lá. As ações violentas começaram dentro do próprio sistema prisional, com assassinatos, rebeliões e fugas. De lá, os idealizadores da facção também difundiram seus conceitos bem particulares de “injustiça social” à população carcerária, sob o lema “justiça, paz e liberdade”.
O grupo ganhou força pelos presídios do interior de São Paulo e se espalhou por outros estados. Uma das maravilhas mais recentes da tecnologia, o telefone celular, acabou servindo como instrumento indispensável para que os líderes do PCC passassem a controlar a massa dos presos recolhidos nos estabelecimentos penais do estado, segundo a polícia.
“A ágil comunicação, facilitada por telefones celulares introduzidos clandestinamente nas penitenciárias, aliada à estrutura hierárquica piramidal criada e imposta pelos seus líderes, por intermédio da violência, permitiram que o organismo passasse a dominar todo o sistema.”
A ascensão de Marcola
O relatório também aponta até 2002 um grande revezamento entre as lideranças da facção criminosa que, no mês passado, aterrorizou São Paulo. Os líderes iniciais da organização foram mortos. Do grupo original restaram Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, Cesar Augusto Roriz da Silva, o Cesinha, e José Marcio Felício, o Geleião.
O trio montou “o ápice da pirâmide, definindo a política de atividades da empresa criminosa”. De acordo com o Deic, Marcola, Cesinha e Geleião eram diretamente assessorados por três advogados, que faziam a ponte ao transmitir as ordens da cúpula ou detalhes sobre planejamento de crimes a integrantes dos escalões inferiores.
Por causa desse tipo de envolvimento, a CPI do Tráfico de Armas entregou na semana passada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) uma lista com o nome de 34 advogados suspeitos de integrarem o PCC. Os casos serão analisados pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.
Também faziam parte do primeiro escalão outras seis pessoas. Entre elas, Maria de Carvalho Felício, mais conhecida como Petronilha, casada com Geleião, e Aurinete Carlos Felix da Silva, mulher de Cesinha. Ambas cuidavam das necessidades do grupo, gerenciavam as economias dos maridos e serviam como “laranjas” para os roubos tramados pela organização. Exerciam, ainda, a tarefa de distribuir recados aos escalões inferiores.
Os integrantes do segundo escalão do grupo são chamados de pilotos, “criminosos que exercitam a liderança intermediária”, segundo a polícia. “Eles transmitiam a vontade e a palavra dos fundadores aos demais associados ou simpatizantes do ‘Partido'”, diz o relatório. Na época de sua elaboração, em 2002, a maior parte dos pilotos estava presa em presídios de São Paulo e de outros estados.
De acordo com os policiais, são muitas as funções dos pilotos: comandar o comércio de drogas, seqüestros e furtos, distribuir lucros dos roubos e cuidar da tesouraria da facção criminosa. Os integrantes do segundo escalão são os responsáveis intelectuais pelos atentados e, dentro da política do PCC, têm direito a voto nas decisões de pena de morte dentro das cadeias.
O relatório mostra que, em 2002, um dos principais expoentes do PCC, Reginaldo Almeida Danilucci, o Neguinho, mesmo preso em São Paulo, tinha direito a voto e participava de “negociações com representantes do Comando Vermelho para fornecimento de armas de fogo, bem como o tráfico de drogas”.
Em 2002, a organização mantinha pilotos nas principais cidades paulistas, em Mato Grosso do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro e na Bahia. Uma característica do grupo era a verticalização na hierarquia: os dois primeiros escalões tinham apenas nove líderes cada.
Os executores
O terceiro escalão, também com nove líderes, é encarregado de executar os crimes decididos pela cúpula, como os atentados. Apenas nos quatro primeiros meses de 2002, a polícia havia identificado oito ações criminosas atribuídas ao PCC. Os atentados resultaram na morte de um agente penitenciário, de dois policiais no interior de uma delegacia no bairro de Sumaré, na capital paulista, e de dois inimigos da facção que cumpriam pena em um presídio.
Mesmo após as investigações e a prisão da boa parte dos integrantes da cúpula, a polícia não conseguiu desmantelar até hoje a organização. Muito pelo contrário. No final de 2002, Marcola assumiu sozinho a liderança do grupo, destituindo Cesinha e Geleião do comando. O motivo: considerava-os muito radicais. Preteridos, os dois fundaram o Terceiro Comando da Capital (TCC).
O “moderado” Marcola acumulou e centralizou poder durante todo esse tempo. O chefe da organização foi o principal mentor dos ataques que espalharam terror em São Paulo, há um mês. Os atentados deixaram um saldo de mais de 100 pessoas mortas, entre civis, policias e bandidos.
Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, na semana passada, o chefe do PCC disse aos deputados que está com os dias contados. Contou que foi ameaçado de morte por outra facção criminosa do estado e chegou a anunciar aos parlamentares o nome de seu sucessor: Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, seu braço-direito, que também está preso em Presidente Bernardes (SP). Em 2002, Gegê aparecia para a polícia como um dos líderes do segundo escalão da facção.
Crime e castigo
De acordo com a polícia civil paulista, em maio de 2003, todos os principais membros do PCC encontravam-se presos ou mortos. Na maioria dos casos, os integrantes da cúpula haviam sido condenados pelos seguintes crimes: homicídio qualificado, seqüestro e cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro e tráfico de drogas.
Segundo relato do delegado Rui Ferraz, chefe do Departamento de Roubo a Bancos do Deic, “esse fato não configura um viés específico que caracterize as atividades criminosas dos integrantes do PCC”. “Na verdade, seus membros atuam, indistintamente, em vários tipos de crime, notadamente, aqueles que possam produzir ganhos mais rápidos”, afirma o delegado, no relatório.
Para o deputado Josias Quintal (PSB-RJ), integrante da Comissão de Segurança Pública e da CPI do Tráfico de Armas, é importante divulgar esse tipo de documento. “Isso revela que a política de segurança é frágil e vulnerável”, declarou o ex-secretario de Segurança Pública do Rio.
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