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A intenção do grupo é modernizar e adequar o Código Penal brasileiro à nova situação política e social do país, assim como a novas condutas, como a difusão do uso da internet. A legislação em vigor é de 1942 e foi instituída pela ditadura de Getúlio Vargas. A partir daí, o código ganhou uma revisão em 1984 e a inclusão de diversas leis que foram modificando alguns pontos. O resultado, segundo o relator da comissão de juristas, o procurador regional da República, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, foi confusão e falta de unidade. “As inúmeras leis dificultam a compreensão sistêmica do Direito Penal”, explica.
Formada por 15 juristas, dentre juízes, procuradores e advogados, a comissão foi instituída em outubro de 2011 e, desde então, tem se reunido semanalmente para discutir os novos aspectos do código. O texto está em fase final de discussão e votação. A intenção do grupo é entregar o anteprojeto do novo Código Penal ao presidente do Senado, José Sarney, no dia 27 de junho.
Calibragem das penas
Segundo Luiz Gonçalves, o maior desafio da comissão foi fazer uma calibragem das penas. Ou seja, adequá-las às gravidades dos crimes. Crimes menos ofensivos deverão ter as penas reduzidas e a aplicação de penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade. A comissão também buscou criar alternativas à reclusão no país.
Outra novidade importante é a tipificação de crimes que não eram previstos antes, como aqueles praticados na internet.
Presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, a comissão de juristas reúne-se nesta segunda-feira (11) para tratar do que devem ser os ajustes finais no anteprojeto. Na pauta, a discussão dos crimes patrimoniais e de responsabilidade praticados por prefeitos e vereadores. Os integrantes também devem tratar de crimes hediondos e militares. Esta deverá ser a última reunião do grupo antes de finalizar o texto que será entregue ao Senado.
Relator no Senado
Terminado o trabalho dos juristas, começará a discussão entre os parlamentares. Amanhã (12), os líderes partidários se encontrarão para decidir quem será o relator da proposta no Senado. O texto entregue pela comissão deverá ser transformado em um projeto de lei. Segundo o líder do PT, senador Walter Pinheiro (BA), não há ainda uma definição sobre quem assumirá a autoria do projeto e qual parlamentar será o relator da proposta. Ainda de acordo com o petista, depois de ser entregue à Casa, a tramitação do projeto só deverá ganhar fôlego depois das eleições municipais, que acontecem em outubro. “Vamos receber o anteprojeto quase no recesso parlamentar. Depois, acredito que será muito difícil discutir isso antes das eleições. São assuntos muito importantes e alguns até polêmicos, que precisam de debates, e isso não vai ser possível antes de outubro”, afirmou o petista.
Assim que for acolhido pelo Senado, o projeto deverá ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ali, todos os projetos em tramitação no Congresso que propõem alterações ao Código Penal ou versem sobre a aplicação de penas e a tipificação penal serão apensados ao texto. Um dos exemplos é o projeto de lei 481/2011, que está na pauta da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) que inclui no Código Penal os crimes de constrangimento e de ameaça praticados nas redes sociais.
Depois de ser analisado pelo Senado, se aprovado, o texto seguirá para análise da Câmara dos Deputados. Caso sofra alterações, ele voltará para o Senado e só depois de novamente aprovado pelos senadores é que poderá seguir para sanção presidencial.
Em bloco ou separado?
Durante toda a discussão do novo Código Penal, pairou uma grande dúvida sobre como modernizá-lo. Alguns entendem que o texto, para que tenha unidade, tenha de ser discutido e aprovado como um bloco. Outros consideram que, por tratar de diversos temas diferentes, com especificidades diversas, ele devesse ser discutido separadamente. É isso que, entendem, faz com que o encontro de pontos polêmicos acabe atrasando a tramitação.
Para o relator na comissão, apesar dos pontos polêmicos que serão apresentados no texto, o Congresso Nacional deverá avançar na análise da proposta. “Eu sou um otimista, por isso eu acho que apesar das diferenças dos parlamentares, estas questões importantes deverão ser consideradas e amplamente debatidas. Não creio que o Congresso deixará a proposta de lado”, disse.
O professor de Direito Penal da Universidade de Brasília, Evandro Piza, é um dos que defendem a tramitação separada dos vários pontos do código. Para ele, o projeto apresentado pela comissão de juristas deveria ser encarado como uma referência para debates futuros. “Ele deve ser encarado como um texto de referência e não algo que deve ser aprovado em bloco, na sua integralidade”, diz. Para Evandro, o que deveria ser feito seria apenas uma reforma no texto do código e não alterações profundas, como a criminalização de algumas condutas.
Para o professor, o mais adequado seria discutir as propostas separadamente, englobando todas as especificidades inerentes a cada tema. “Há uma tentativa de incluir algumas matérias que já estão consolidadas em legislação especial e ao meu ver, lá devem ficar, pois englobam todas as especificidades que vão além da repressão”, explica. Para o professor, temas como crimes de trânsito e o uso de drogas precisam ser debatidos separadamente. “Claro que existem matérias que devem continuar no Código Penal, porque elas constituem a base da legislação. Mas outros temas devem ser discutidos separadamente. Se você cria uma lei que parece muito fácil de ser aplicada, não se terá respostas para todos os casos e será uma lei que causará injustiças. Por isso que eu sou favorável a essa visão de fatiar o debate, e não de discutir tudo de uma vez como se está fazendo agora”, diz.
Evandro também critica a falta de foco da comissão, que tratou de diversos assuntos. “Nós temos hoje cerca de 500 mil presos. Quase 90% deles estão envolvidos em crimes contra a propriedade ou tráfico de drogas. A gente fica discutindo se vamos criminalizar a eutanásia, por exemplo, mas não se discutem medidas efetivas para diminuir os crimes mais comuns ou quais seriam as melhores formas de punição”, diz. Apesar da crítica, o professor considera que a comissão avançou na parte de crimes contra o patrimônio.
Evandro destaca ainda que a principal contribuição da comissão foi aprovar a criminalização do enriquecimento ilícito e da corrupção por agentes privados. “Ainda assim o que precisaria ser discutido é um marco regulatório contra a corrupção. Eu acho que essa deveria ser a grande novidade que o Congresso tem que apresentar à sociedade”, explica.