Cíntia Santiago *
Especial para o SOS Concurseiro/Congresso em Foco
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 16.918 magistrados e 232.933 servidores em atividade e os milhões de processos pendentes. A junção destes dados faz com que cada juiz tenha sob sua responsabilidade, em média, 4,5 mil processos. Os números reforçam uma inusitada estatística: há muitas vagas desocupadas para juízes. Considerando todas as frentes do judiciário, existem hoje 4.341 cargos vazios. Se todos fossem preenchidos, a média da distribuição dos processos baixaria 20%.
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O nível de exigência dos processos seletivos para acesso à magistratura é alto. Inversamente proporcional a esta marca está o conhecimento e preparo dos candidatos, segundo professores e juízes consultados pelo SOS Concurseiro/Congresso em Foco. Segundo o advogado e especialista em Direito Público e do Trabalho Washington Barbosa, esta é principal explicação para o grande número de vagas disponíveis no Judiciário, aliada ao altíssimo grau de cobrança dos concursos.
Para ele, a seleção precisa ser complexa, pois o papel desempenhado pelo magistrado é vital para a sociedade. “Trata-se de cargo de muita responsabilidade, que exigirá conhecimento e, acima de tudo, maturidade para analisar e decidir as situações-problema que lhe serão apresentadas”, explica o advogado, que também é responsável pela coordenação de cursos preparatórios para concursos de carreiras jurídicas. Pelo menos 1.291 vagas estão sendo disputados nas seleções em andamento.
PublicidadeMuitos candidatos vão ficando pelo caminho e poucos chegam às provas orais, detalha o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) e professor de curso preparatório, William Douglas. “Os que chegam à prova oral são muito poucos, em grande parte das vezes, já um número muito menor de candidatos que de vagas. Isso ocorre porque o nível de exigência da prova ainda é superior ao nível de preparo e conhecimento da maioria dos candidatos”, afirma.
Segundo Rogerio Neiva, juiz do Trabalho da 10ª Região e professor de curso preparatório, é preciso destacar que o rigor das bancas examinadoras é fator determinante para a eliminação da maioria dos candidatos. “Algumas bancas esperam uma resposta completa, analítica e bem redigida, tendo que ser desenvolvida num tempo bastante limitado. Isto significa que se espera um juiz dotado de conhecimento jurídico, com capacidade de raciocinar para solucionar problemas, e de maneira rápida, tornando-o um juiz produtivo no futuro”, destaca o magistrado.
Coerência
William Douglas avalia que o processo seletivo para magistrados deve ser rigoroso, mas coerente, já que, segundo ele, alguns concursos têm um nível de dificuldade excessivo. “Não sou contrário ao nível de exigência. Já fui membro de banca examinadora inúmeras vezes. O que acredito é que algumas coisas devem ser mais bem pontuadas, como o critério de avaliação na entrevista, por exemplo”, argumenta.
Ele explica ainda que é preciso melhorar a cobrança da experiência de vida, além de inserir nas provas matérias como administração de recursos humanos. Para Douglas, é necessário eliminar o excesso de matérias jurídicas que não serão necessárias ao exercício do cargo. “É preciso melhorar o sistema de treinamento e controle dos juízes. O que posso dizer, como banca e com a simples observação dos resultados nos últimos anos, é que falta aos candidatos um pouco mais de conhecimento de redação, que é indispensável para um futuro magistrado”, finaliza.
Credibilidade
Para Washington Barbosa, a magistratura brasileira tem evoluído e a boa preparação dos futuros juízes é fator fundamental para a manutenção da credibilidade. “Mais do que um operador do direito, o novo juiz deve deter conhecimentos de administração e gestão, imprescindíveis para viabilizar as mudanças necessárias”, sentencia o advogado. William Douglas tem a mesma opinião: “espero que cada vez mais mude a cara da magistratura, para uma instituição mais acessível e próxima das demandas sociais”, explica.
O professor Rogerio Neiva salienta que é preciso ser racional na escolha da carreira de juiz, uma vez que a demanda de trabalho é intensa, bem como a responsabilidade do magistrado em tomar decisões que influenciam a vida da sociedade. “Só deve apostar nessa área quem se considera vocacionado e quer muito entrar na carreira”, finaliza.
Preparação diferenciada
Toda preparação para concurso público exige planejamento e investimento. Com a magistratura não é diferente. O primeiro passo é conhecer bem as responsabilidades, as funções e o papel do cargo de juiz. Além disso, o candidato precisa analisar se realmente essa é a carreira que pretender seguir, já que, segundo Washington Barbosa, um juiz precisa desempenhar seu ofício 24 horas por dia. “Mais do que um simples emprego, o papel do magistrado chega a se recobrir de um caráter missionário”, defende.
O candidato deve analisar o edital dos últimos concursos para a magistratura, bem como os conteúdos exigidos. É também importante ter acesso às últimas provas e identificar a bibliografia trabalhada. E ainda, fazer um planejamento definindo os principais objetivos no projeto de preparação, como prazo, disponibilidade de tempo para estudo e dinheiro para investir em livros, cursos preparatórios e, claro, o pagamento das taxas de inscrição. “O planejamento também deverá prever um tempo para estudo individual, realização de simulados e para avaliação e realinhamento do próprio planejamento”, orienta Washington Barbosa.
O professor William Douglas lembra que o cuidado com a saúde também é importante em um processo seletivo tão complexo como o da magistratura. “É preciso muito trabalho, demora e sofrimento, mas não tem segredos. É um conjunto de técnicas e comportamentos, somado ao transcurso do tempo fazendo o que deve ser feito. Selecionar o material que é necessário e exigido, ler e escrever muito, não descuidar da saúde física e mental”, finaliza o magistrado.
Padrão
Todas as provas para seleção de magistrados seguem uma mesma base, definida pela Resolução nº 75/2009, do CNJ. Antes delas, cada tribunal definia o conteúdo e o formato do processo de seleção. Depois de editada, a Resolução unificou os procedimentos básicos do concurso de ingresso para a magistratura, que deverá prever oito etapas: prova objetiva, prova discursiva, prova oral, avaliação de vida pregressa, investigação social, exame de saúde física e mental, exame psicotécnico e avaliação de títulos. Atualmente, a norma está sendo revista e poderá passar por uma reformulação.
A norma definiu, também, a relação mínima de disciplinas cobradas nos concursos para cada ramo da magistratura – Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Militar, Justiça Estadual e do Distrito Federal, além de estabelecerem normas para elaboração de edital, composição de comissão do concurso e demais procedimentos necessários à realização do processo seletivo.
* Colaborou: Letícia Nobre