Ao exercer seu mandato na Câmara durante o dia e retornar ao sistema prisional à noite, o deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) parece ser um caso sui generis, especial. No entanto, ao menos outros nove representantes do Poder Legislativo têm situação semelhante – sete vereadores e dois deputados estaduais. Para chegar à informação, a reportagem do Congresso em Foco entrou em contato com assembleias legislativas e assessores parlamentares de diversos partidos e em todas as regiões do país. Os casos confirmados são recentes, mas nem todas as Casas legislativas responderam à demanda deste site. Além disso, câmaras municipais Brasil afora podem ter ainda mais exemplos de parlamentares nessa condição.
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Jacob ficou cerca de 20 dias preso no Complexo da Papuda, em Brasília, depois de ser detido ao desembarcar no Aeroporto de Brasília, em 6 de junho. O parlamentar foi condenado a mais de sete anos de reclusão por falsificação de documentos e dispensa de licitação, em 2002, para a construção de uma creche na cidade de Três Rios (RJ), quando era prefeito da cidade. No fim de junho, o juiz Valter André Bueno de Araújo, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, autorizou Celso Jacob a trabalhar na Câmara nos dias úteis, das 9h às 12h e de 13h30 às 18h30, ou enquanto durarem as sessões noturnas da Câmara. Após o expediente, o deputado deve retornar à prisão, onde deve estar nos finais de semana, em feriados e nos recessos do Parlamento.
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De acordo com Walter, são opostos, mas não excludentes, os vieses de compreensão do fenômeno. Por um lado, todo cidadão que tem uma profissão e desempenha um trabalho regular pode continuar exercendo seu ofício enquanto cumpre pena restritiva, desde que o regime de punição permita a continuidade de tal atividade. “Isso faz parte do sistema prisional, inclusive em conformidade com o princípio de reintegração na sociedade”, afirma o especialista.
O argumento contrário parte da mesma premissa. “Todavia, algumas profissões e alguns empregadores tornam o trabalho incompatível com o cumprimento de pena”, explica o advogado. Além de tal incompatibilidade, explica Wagner, um empregador não é obrigado a manter um empregado detento, por exemplo.
Outro fator limitante é a exigência de uma condição de não-presidiário para algumas ocupação. “Juiz, delegado, parlamentar. São representantes da sociedade. Em outros países, essa situação é inaceitável para titulares de mandatos eletivos. Existe uma incompatibilidade de decoro. De bom senso, até”, acrescenta o advogado. Tal interpretação sobre os limites de trabalho para presidiários não tem seguido essa linha no Brasil, como demonstra o caso do deputado Celso Jacob.
Presidente preso
Preso em outubro de 2016, o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, deputado Jalser Renier (SD), progrediu para o regime de prisão domiciliar desde fevereiro deste ano. Atualmente, ele preside o Legislativo do estado sob monitoramento de tornozeleira eletrônica. Jalser foi condenado a seis anos de reclusão pelo Tribunal de Justiça de Roraima pelo crime de peculato, ou seja, apropriação indevida, por funcionário público, em razão do uso indevido do cargo.
O presidente da Assembleia Legislativa de Roraima foi denunciado na Operação Praga do Egito, da Polícia Federal, que ficou conhecida como o “escândalo dos gafanhotos”. A investigação apurou esquema de corrupção envolvendo o então governador roraimense, Neudo Campos (PP), e integrantes do Legislativo estadual e do Tribunal de Contas de Roraima em 2003. Neudo é marido da atual governadora, Suely Campos (PP). Em 27 de outubro de 2016, ele se entregou às autoridades no Comando de Policiamento da Capital (CPC), uma unidade da Polícia Militar no centro de Boa Vista.
Mesmo diante das complicações judiciais, o deputado Jalser se manteve no comando da assembleia, tendo pedido afastamento de duas semanas apenas 12 dias depois de deflagrada a operação da PF, quando alegou precisar de tempo para tratar de “interesses pessoais”. O Ministério Público Eleitoral (MPE) chegou a formalizar um agravo regimental pedindo a desconstituição de diploma concedido ao parlamentar, mas o pleno do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RR) decidiu manter o mandato do parlamentar.
Ao votar pela progressão de regime do semiaberto ao domiciliar para o deputado, o desembargador Leonardo Cupello, relator do caso, afirmou que o CPC não é um lugar adequado “à condição de presidente de um dos três Poderes”, e que ele, “uma vez que ocupa o cargo de presidente da Assembleia Legislativa, não pode ser tratado como preso comum”. Durante a prisão domiciliar, Jalser não poderá sair de casa no horário de 20h às 7h e usará a tornozeleira eletrônica durante a noite. Caso o equipamento seja danificado, ele poderá ter regressão de regime. O deputado ainda recorre da condenação.
Tornozeleira ou cárcere
Outro deputado com tornozeleira eletrônica é Dison Lisboa, que exerce mandato na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte pelo PSD. Ao autorizar o uso do artefato, o juiz de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar, baseou-se em portaria do estado que permitiu a Dison escolher entre dormir na prisão ou usar tornozeleira eletrônica. O parlamentar optou pelo equipamento de monitoração.
O deputado foi preso na madrugada do dia 1º de julho, quando se submeteu a um mandado de prisão expedido pela Comarca de Goianinha, na Região Metropolitana da capital potiguar. Parcialmente mantidas sua atribuições parlamentares, Dison é diariamente obrigado a se recolher no Comando da Polícia Militar.
O deputado do PSD tem condenação de cinco anos e oito meses por apropriação de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio, quando exerceu o cargo de prefeito de Goianinha. A decisão é 2013 e ele estava recorrendo em liberdade.
De acordo com a assessoria de imprensa da assembleia legislativa, ele continua a cumprir todas as atividades legislativas, bem como mantém o direito a todos os rendimentos e benefícios de qualquer outro deputado estadual. Na última quarta-feira (5), seria a primeira sessão em que ele teria de comparecer na condição de preso. No entanto, ausentou-se ao apresentar justificativa de agenda externa.
Diploma e algemas na posse
Existem casos semelhantes também entre vereadores. Em Caratinga (MG), por exemplo, Ronilson Alves (PTB) tomou posse em janeiro deste ano algemado e com o uniforme do sistema prisional. Reeleito, ele foi preso em dezembro acusado de extorsão contra um padre da cidade. Foi tomar posse na sede do Legislativo local sob escola policial, em 3 de janeiro, resguardado pelo artigo 9º do Regimento Interno da Câmara Municipal – assegura ao vereador que não tomar posse no primeiro dia do ano um prazo de até 10 dias para fazê-lo, na presença do presidente da Casa. Logo após a cerimônia de posse, Ronilson Alves foi novamente conduzido para a penitenciária da cidade.
No caso da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mesmo sem registros de casos semelhantes, os deputados estaduais carregam no bolso uma identidade mais turbinada do que aquela usada pelos parlamentares de Brasília, como revelou reportagem do jornal Estado de Minas. O documento mineiro extrapolou o modelo estabelecido pela Câmara dos Deputados e optou por registrar textualmente na identificação dos seus mandatários que o titular da carteira não pode ser preso.
As prerrogativas e imunidades parlamentares são iguais para todos e independem de registros documentais. Além de comunicar a impossibilidade de prisão, a carteira de identidade dos deputados estaduais de Minas informa que eles são invioláveis civil e penalmente por suas palavras, opiniões e votos. E ainda destaca: “Solicita-se às autoridades civis e militares que prestem ao titular desta carteira todo o apoio necessário ao desempenho de suas funções”.
Preso e sem salário
Em janeiro deste ano, diante da eleição de seis vereadores presos no estado, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) notificou os 399 presidentes de câmaras municipais para o acórdão que determina que o parlamentar preso não deve receber os subsídios mensais a que teria direito se estivesse exercendo o mandato sem impedimentos. De acordo com o presidente do TCE-PR, conselheiro Durval Amaral, o presidente de Câmara que desrespeitar a determinação terá de devolver os recursos e será responsabilizado pelo ato.
Cinco vereadores de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, tomaram posse dos respectivos cargos sob escolta da Polícia Federal (PF), em meio a protestos de moradores. Os parlamentares foram presos pela na 5ª fase da Operação Pecúlio, que investiga o desvio de verbas federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Sistema Único de Saúde (SUS).
Já em Quedas do Iguaçu, no sudoeste paranaense, o vereador reeleito Claudelei Torrente Lima (PT) tomou posse dentro da Penitenciária Industrial de Cascavel, onde estava preso. Ele foi o vereador mais votado do município e acabou alvejado pela Operação Castra, que investiga uma organização criminosa que agia como uma milícia armada e cometia furtos, roubos, invasões de propriedades, incêndios criminosos e cárcere privado na região.
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