José Aristodemo Pinotti*
Dominado pela lógica do capitalismo, sem sensibilidade social, o governo quer recriar a CPMF, claro que com outro nome (CCS – Contribuição Social de Saúde), quando a carga tributária no país já ultrapassou todos os limites do suportável. O povo brasileiro paga percentual de impostos igual ao dos escandinavos, que suportam a maior carga fiscal do planeta, mas têm em troca cidadania plena e garantida, enquanto aqui, se a quisermos, precisamos adquiri-la novamente no mercado.
Tudo isso por conta de uma gestão perdulária, ineficiente e de uma submissão acrítica ao poder do capital que nos obriga a pagar juros fabulosos de uma dívida que há 13 anos era de R$ 62 bilhões e que hoje, passa de R$ 1 trilhão e cujos interesses só servem para engordar os lucros obscenos dos banqueiros.
Sem qualquer escrúpulo, o Executivo quer criar esse novo imposto com as mãos da Câmara dos Deputados, deixando, como de hábito, o papel de mocinho para o Senado e para ele próprio. A história aqui se repete, mas não como farsa, por isso, recordo: na tarde de 9 de julho de 1997, o governo decidiu adiar a votação da CPMF, pois contava apenas 200 votos a favor.
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Graças a acordo de utilizar esses recursos exclusivamente no Sistema Público de Saúde, a Câmara teve o destemor de assumir mais um imposto, que atingiu em cheio a classe média, com certeza de que o compromisso expresso do Executivo de aplicar esses recursos na saúde seria cumprido.
Fomos rápida e despudoradamente enganados como já vínhamos sendo ao não se respeitar o preceito constitucional de usar para a saúde 30% dos recursos da Seguridade Social e, mesmo depois, a saúde continuou pungada postergando, até agora, a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que, finalmente, no mês passado, foi aprovada por unanimidade no Senado, sem qualquer menção a novos impostos, com vinculação federal gradativa que será plena somente em 2011 e veio para a Câmara, onde houve consenso das lideranças pela sua aprovação.
De repente, repete-se a surpresa enganadora e, de um momento a outro, quebrando o acordo de lideranças, surge o novo imposto (CCS) incluído na EC 29 através de manobra duvidosa, do ponto de vista legal, e estranha, do ponto de vista ético, pois, nunca vi criar e votar um novo imposto goela abaixo dos brasileiros em três dias.
Fica claro que saúde não é prioridade para o Governo Federal, mas apenas uma desculpa para a criação de impostos, pois, além de todas as demonstrações anteriores, recentemente o governo definiu a desoneração da indústria (R$ 24 bilhões) e o Fundo Soberano (R$ 20 bilhões) e não nos pediu para indicar fontes.
Não indicamos fontes para os 12% dos Estados e os 15% dos municípios vinculados à saúde e religiosamente seguidos pelos últimos. Também não nos pediram fontes para usar R$ 136 bilhões dos nossos impostos para o pagamento dos juros. Pelo contrário, o governo, quando realmente deseja, cria os artifícios necessários para fazê-lo tirando sem constrangimento recursos da saúde e da educação para isso. Além do mais, no próximo ano, precisaremos de R$ 10 bilhões a mais, e este ano o superávit de arrecadação de impostos está em R$ 33,6 bilhões de reais somente de janeiro a abril.
A Câmara poderá dar uma demonstração de independência e equilíbrio se aprovar a proposta do Senado, originária de um senador do PT, e recusar a criação extemporânea de mais um imposto, exigindo do governo mais eficiência na gestão dos recursos da saúde.
Cito apenas dois exemplos que poderiam economizar bilhões: o ressarcimento que, ilegalmente, não é feito pela ANS (órgão governamental), suprime do SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano e a centralização arcaica e lesiva de recursos que gera despesas desnecessárias incalculáveis.
Está provado que um real na ponta do sistema equivale a cinco reais centralizados, geralmente usados para projetos inúteis e caros de cunho político sem qualquer grau de controle social. O moderno e eficiente em saúde é a prevenção primária e a detecção precoce, que só podem ocorrer na atenção primária com os recursos colocados à disposição dos municípios, e então substituir os casos avançados cujos tratamentos custam cinco vezes mais do que os dos casos detectados precocemente, além da vantagem maior, de salvar vidas e poupar sofrimento.
Está na hora de pôr fim a novos impostos, descentralizar e modernizar a gestão da saúde e exigir eficiência.
Artigo publicado em 01/06/2008. Última atualização em 12/08/2008.
* José Aristodemo Pinotti, 73, é deputado federal (DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp. Foi Secretário da Educação (1986-87) e da Saúde (1987-91) do estado de São Paulo, presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (1986-1992) e reitor da Unicamp (1982-86).