Heitor Scalambrini Costa *
O resultado do modelo mercantil/privatista adotado no setor elétrico foi catastrófico para a sociedade brasileira. Fora a explosão tarifária, herdamos, em períodos mais recentes, além do racionamento em 2001/2002, uma deterioração da qualidade dos serviços com as interrupções temporárias de energia cada vez mais constantes, conhecidas popularmente de “apagões” e “apaguinhos”. E “batemos na trave” nos dois últimos anos, com a possibilidade concreta de novos desabastecimentos/racionamentos de energia elétrica.
Em Pernambuco, a situação com relação à distribuição de energia não é diferente do que acontece em outros estados. Com a agravante falta de compromisso, de transparência e de total desrespeito com a população por parte da Companhia Energética de Pernambuco, a Celpe.
Não podemos nos esquecer de que as justificativas e promessas realizadas para a venda da companhia, feitas pelos gestores do estado na época, eram de que as tarifas diminuiriam, e que os serviços oferecidos à população iriam melhorar através da gestão privada.
Ao completar 13 anos da privatização da empresa, mais uma vez as promessas dos políticos que se revezam no comando do estado (ora oposição, ora situação) não foram cumpridas. E a população enganada, sofre as conseqüências de pagar uma das tarifas mais caras do Brasil, e ter um serviço de péssima qualidade.
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O episódio mais recente, e que muito repercutiu na mídia, aconteceu na madrugada do dia 18 de fevereiro último. O Centro do Recife, e alguns bairros, como Santo Amaro, Encruzilhada, Parnamirim, Casa Amarela e Casa Forte, foram atingidos pela queda de energia. Moradores e comerciantes da área apontaram para mais de sete horas de interrupção. E pelas redes sociais, internautas de diversos bairros do Recife, denunciaram que a falta de energia elétrica se estendeu a outros bairros, como Torreão, Madalena, Ilha do Leite, Boa Viagem e até no Janga, em Paulista. Naquele dia, a Câmara Municipal do Recife, por falta de energia, cancelou a sessão. Haveria a instalação da Comissão de Direitos Humanos.
No dia 4 de março novamente faltou energia em vários bairros do Grande Recife, por volta das 3h da madrugada, atingindo principalmente a Zona Norte, como Graças, Casa Forte, Ilha do Leite, Boa Vista, Beberibe, Encruzilhada, Santo Amaro e Casa Amarela. Mas houve registros também na Zona Sul, como em Imbiribeira e Boa Viagem, e na Zona Oeste, como no Jiquiá, e em Jardim São Paulo.
Em 19 de março um importante corredor viário do Recife, a avenida Norte, teve queda de energia em mais da metade de sua iluminação pública, e casas circunvizinhas foram atingidas. No dia 21 de março a imprensa anunciou que moradores daquela região manifestaram contra as freqüentes e duradouras interrupções de energia interrompendo o trânsito com queima de pneus.
No interior, a situação não é muito diferente. Somente neste mês de março as reclamações se avolumam.
No dia 4 de março, quedas de energia ocorreram na região do sertão do Pajeú, nos municípios de São José do Egito, Itapetim, Tabira, Brejinho e Santa Terezinha. No dia 5, várias cidades do Agreste, Zona da Mata e até na região metropolitana, sofreram com interrupções no fornecimento de energia. Depois do Pajeú, no dia 11, foi a vez do município de Floresta sofrer uma interrupção de aproximadamente duas horas.
Esses episódios de interrupção de energia têm se tornado recorrente não somente no Recife, mas em todo o estado.
Quando há algum tipo de explicação, a Celpe resume a afirmar, em nota oficial, que “são descargas atmosféricas, queda de árvores, etc, etc, que causam as interrupções”.
Com certeza, não é por falta de caixa, de recursos financeiros, que os serviços de modernização, manutenção não estão sendo realizados. Basta ver os extraordinários lucros desta empresa nos últimos anos, através dos balancetes contábeis. O que se verifica é que as tarifas foram reajustadas exorbitantemente, ao longo dos anos, e mesmo assim os serviços pioraram.
Segundo a Aneel, as tarifas devem garantir o fornecimento de energia com qualidade e assegurar aos prestadores receitas suficientes para cobrir custos operacionais eficientes e remunerar investimentos necessários para expandir a capacidade e garantir o atendimento. O que não tem ocorrido.
E, lamentavelmente, apesar das denúncias, das reclamações e das manifestações constantes, NADA tem sido feito, nem mesmo para garantir o que está nos contratos de prestação de serviços. Há uma evidente quebra de contrato da empresa com o consumidor e com o Estado. O poder público age como avestruz, eximindo-se de uma responsabilidade que é sua.
Neste descaso todo, não devemos esquecer a lei de Murphy que diz: “nada está tão ruim que não possa piorar”.
* Professor da Universidade Federal de Pernambuco, é graduado em Física pela Universidade de Campinas, mestre em Ciências e Tecnologias Nucleares pela UFPE e doutor em Energética pela Université d’Aix-Marseille III (Droit, Econ. et Sciences (1992).
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