Renata Camargo
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, teme que o zoneamento ecológico-econômico proposto pelo relator da Medida Provisória 458, Asdrúbal Bentes, dificulte a regularização de terras da Amazônia Legal. Na opinião do ministro, o importante agora é reconhecer os direitos de quem vive na região. “Fazer zoneamento pode levar até quatro ou cinco anos”, diz.
Com a aprovação da MP, as pequenas propriedades estarão legalizadas em dois meses, acredita Cassel. Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o ministro mostra as consequências da falta de regularização fundiária na região e conta como se dará o maior processo de ordenamento territorial da Amazônia brasileira. Afirma que entre os benefícios para as pessoas que receberão o título da propriedade está o acesso ao crédito rural e ao seguro agrícola.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Qual a situação fundiária atual na Amazônia Legal?
Guilherme Cassel – Quando se fala sobre a Amazônia Legal, a primeira coisa que vem a mente é floresta, meio ambiente e a necessidade de se garantir um desenvolvimento sustentável. Isso está no senso comum. No entanto, tem coisas que foram pouco tratadas ao longo da história. A principal delas é que existe na Amazônia, no meio rural, 6,7 milhões de pessoas. Alguns delas, há duas, três gerações. E como essas pessoas chegaram lá? Tem as comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, mas teve também migrações que foram estimuladas pelos diversos governos da história, como programas como o Soldado da Borracha. Foram para lá e sempre com a promessa de que iam ter terra. Passaram-se 10, 15, 20 anos e essas populações estão lá até hoje sem nenhum direito. Quem vive no meio rural, quando não tem terra, não tem cidadania. Ele não tem direito a crédito, não tem direito à assistência técnica, não tem direito a nenhuma dos programas do governo federal. Ao longo das décadas essas pessoas têm vivido em uma enorme instabilidade jurídica. E essa instabilidade tem conseqüências dramáticas como, por exemplo, a insegurança. O fato de não haver a regularização fundiária na Amazônia produziu um padrão de violência e de desmatamento enorme.
O que significa regularizar as terras ocupadas nessa região?
A regularização fundiária é uma tarefa civilizatória. Ela organiza minimamente o território. Tanto que hoje todo mundo tem um acordo: é preciso fazer a regularização fundiária. Podem ter olhares diferentes sobre isso, mas as pessoas concordam que tem que ser feito, porque é o primeiro passo para as pessoas da região terem um mínimo de estabilidade, de segurança, de expectativa de vida melhor. O programa de regularização, materializado na Medida Provisória 458, tem dois princípios fundamentais: preservação do meio ambiente e reconhecimento de direitos, especialmente, o direito dos pequenos. Será uma política pública de regularização fundiária massiva que prioriza a regularização dos pequenos posseiros, de até quatro módulos fiscais, que são 90% de todos os posseiros da Amazônia.
As grandes propriedades de terra na Amazônia Legal, no entanto, representam cerca de 40% do território dessa região. Como tratar essas áreas?
Hoje, a Constituição brasileira proíbe que se regularize mais de 2,5 mil hectares e a legislação permite até 1,5 mil. O que vamos fazer? Vamos regularizar em um primeiro momento até quatro módulos fiscais e depois até 15 módulos. O que for de 15 módulos a 2,5 mil hectares, nós vamos licitar. Acima de 2,5 mil, a gente vai retomar. Um sujeito com cinco mil hectares de terra pode regularizar até 1,5 mil hectares e comprar mais mil em licitação. Mas o resto nós vamos arrecadar e transformar em floresta pública, em unidade de conservação ou em assentamento de reforma agrária. A gente começa garantindo o direito dos pequenos, para ir se apropriando da malha fundiária, que hoje a gente não sabe quem ocupa.
Do ponto de vista econômico e social, o que o posseiro ganhará com essa regularização?
Ele passa a ter a condição de produtor. Hoje ele é um sujeito que ocupa ilegalmente uma terra da União, que não tem direito a absolutamente nada. A partir do momento que ele tem o título ou a concessão de uso, ele pode buscar o crédito do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Com esse crédito, ele tem acesso à assistência técnica qualificada, pode fazer plano de manejo, pode ser um extrativista que vai ser acompanhado em sua profissão, pode ter sua produção agrícola organizada, ter seguro agrícola, seguro de preço para os seus produtos. Também poderá se vincular aos programas de produção de alimento do governo federal, ou seja, ele tem acesso a todas as políticas públicas que antes ele não tinha. Qualquer agricultor do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Santa Catarina, do Mato Grosso, de Goiás, do Nordeste, tem acesso a essas políticas. Na Amazônia, ele não tem. É como ele fosse um cidadão de segunda classe. Isso não é aceitável.
A regularização de imóveis até quatro módulos fiscais se dará por meio de declaração do ocupante, dispensada a vistoria prévia. Como garantir, por exemplo, que os documentos apresentados pelo ocupante não sejam falsos?
Não é que não vai ser feita vistoria prévia. Não vai ser feita vistoria prévia pelo Incra. Cada posseiro vai ao cadastramento e preenche uma ficha onde ele indica dados como quanto tempo ele está na terra, o que ele faz nessa terra, o que ele produz, quem mora com ele, que construções ele tem e qual a localização. Feito isso, vai uma empresa de georeferenciamento na propriedade dele e bate uma fotografia da propriedade. Isso vai para o Incra. Na medida em que for comprovada que aquela é uma terra pública da União, que não tiver ninguém cadastrado ali, que aquilo não for um assentamento, não for uma unidade de conservação, não for uma floresta pública, ele tem direito a ser titulado. Vamos delimitar a propriedade dele, ver quais são os limites, o que tem ali e fotografar para que a gente possa checar depois com os cadastros do Incra. Isso vai ser feito abertamente na comunidade, ou seja, é muito difícil em um processo aberto o sujeito dizer “aquela terra é minha” e não ser dele.
Após adquirir o título de propriedade, em algum momento, o posseiro poderá vender a terra?
Durante 10 anos ele não pode vender. Isso é para evitar aquelas situações em que o sujeito consegue a terra, faz contrato de gaveta e um ano depois vende. Dez anos é um prazo suficiente para inibir essa situação. Durante esses anos, ele tem que cumprir um conjunto de cláusulas, como morar no local e não desmatar. Quando chega esses 10 anos, ele pode escolher pagar tudo e ter o título, ou pode pagar ao final de 20 anos. Dez anos é o prazo mínimo para ter o título definitivo.
Uma das propostas da MP é diminuir de cinco anos para 60 dias o processo de regularização. Esse prazo é viável?
É possível fazer em 60 dias. O importante é que a gente conseguiu construir um mecanismo eficaz, um operacional possível de fazer. E a mudança da legislação, por meio da medida provisória, é fundamental. É possível operar em 60 dias os casos simples. Um caso mais ou menos complicado vai demandar um trabalho maior. Mas um caso mais simples dá para fazer em 60 dias. Não há porque não fazer.
Qual o primeiro passo para operacionalizar esse processo?
Vamos criar uma subsecretaria especial para tratar de questão fundiária. Será uma secretaria enxuta de supervisão e coordenaçã
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